Escrevivendo e Photoandarilhando por ali e por aqui

“O que a fotografia reproduz no infinito aconteceu apenas uma vez: ela repete mecanicamente o que não poderá nunca mais se repetir existencialmente”.(Roland Barthes)

«Todo o filme é uma construção irreal do real e isto tanto mais quanto mais "real" o cinema parecer. Por paradoxal que seja! Todo o filme, como toda a obra humana, tem significados vários, podendo ser objecto de várias leituras. O filme, como toda a realidade, não tem um único significado, antes vários, conforme quem o tenta compreender. Tal compreensão depende da experiência de cada um. É do concurso de várias experiências, das várias leituras (dum filme ou, mais amplamente, do real) que permite ter deles uma compreensão ou percepção, de serem (tendencialmente) tal qual são. (Victor Nogueira - excerto do Boletim do Núcleo Juvenil de Cinema de Évora, Janeiro 1973

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

Ainda o Parque Florestal na Ilha do Cabo

* Victor Nogueira


O aceso à ilha fazia-se através dum aterro fronteiro ao morro de S. Miguel, aterro esse que a cindiu em duas. Nessa zona, na restinga, situavam-se restaurantes e cervejarias, como o “Mar e Sol”, algumas boîtes/dancings, residências de habitação e o Clube Desportivo Nun’Álvares, com a sua piscina e campos de jogos. Mais para diante encontrava-se uma sanzala de pescadores em torno da Igreja de N. Senhora do Cabo e, mais para norte, o Parque Florestal, com as suas praia e zonas para picnics e merendas.

Este parque florestal de acesso automóvel condicionado tinha uma agradável praia, embora com alguns fundões, num dos quais ia morrendo afogado. Não sabendo nadar, em miúdo fui ao fundo várias vezes e quando pensava que já lá ficaria senti agarrarem-me o pulso, puxando-me para terra enquanto me diziam: "Tiveste sorte, pois pensava que estavas a brincar." Com efeito, uma das brincadeiras de alguns miúdos era esbracejarem, fingindo que estavam a afogar-se. E assim fiquei algum tempo estendido no areal da praia, respirando em grandes haustos, sem nada contar aos meus pais.

Numa das fotos estão os meus pais e duas amigas da família. À esquerda a D. Alice Quaresma e à direita a D. Noémia Castelo. Do casal Castelo já falei noutro post: Em Luanda, no Parque Florestal da Ilha do Cabo A D. Alice era viúva dum capitão do exército. Conseguiu ser aprovada no exame de condução automóvel, após imensas tentativas malogradas, e eu comentava que lhe haviam concedido a carta por antiguidade. No dia seguinte convidou a minha mãe para dar uma volta, mas deve ter pregado grandes sustos pois a minha mãe disse-nos que nunca mais sairia com ela ao volante. Já em Portugal, depois do 25 de Abril, a D. Alice comentava-me que não percebia como eu conseguia ler tantos jornais por dia, pois ela lia uma página e ficava cansada, que ler tanto me fazia mal à minha saúde.

E para terminar, uma descrição minha dum dia no Parque Florestal da Ilha do Cabo

1. - Parque Florestal da Ilha do Cabo (Luanda)
1963/64
Ouve-se o marulhar das águas. Além, um tractor. No mar [na baía] um barco evoluciona e as gaivotas mergulham pescando. Um barco de guerra entra na baía. É o F331. Uma criança chora. Provavelmente alguém desabafou a sua fúria sobre ela. Mas o ruído predominante é o do marulhar das ondas. A temperatura ideal seria a de agora. Ali os trabalhadores pousam as pás à sombra de um pinheiro. Lá longe, do outro lado, a chaminé da SECIL [fábrica cimenteira] deixou de lançar para a atmosfera o elegante penacho de fumo branco. Mas, será que está trovejando? Eis que uma breve aragem faz com que as folhas das palmeiras entrem nesta sinfonia da natureza. Não, aquilo deve ser um avião e não a trovoada. Mas parece estar sempre no mesmo sítio. Através dos pinheiros, naquela curva, divisa-se ainda o navio de guerra. Nesta sinfonia há instrumentos que não consigo identificar. Que paz, nada de yé-yés; só, completamente entregue à contemplação desta maravilha, sempre diferente, que é a natureza.

Os pescadores acabam de puxar o dongo [canoa, piroga] para a praia. O Zé come pão-de-ló. Hoje resolveu ocupar o meu lugar de comilão mor. Duas gaivotas, elegantes na sua alvura, passeiam à beira-mar. Aquele barco ancorado dança vagarosamente ao sabor das ondas. Gostaria de poder descrever isto tudo, não em prosa, não em verso, mas musicalmente.

Notas finais: lado negativo: moscas, praia suja, água fria.


In «Victor Nogueira - Viagens - memórias e registos - volume I – África»


Com Alice Quaresma e Noémia Castelo


Os Nogueira da Silva e os Almeida, no aniversário do Rui Almeida, em 1962. O Rui era afilhado dos meus pais e a mãe dele era muito bonita e o pai, mestre-de-obras, trabalhava para o meu pai na construção civil

Com o casal Castelo


































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Pescador (1)








Pescadores lançando a tarrafa (postal ilustrado VN) 


Este era um dos métodos de pesca. O outro consistia em várias pirogas lançarem a rede, recolhendo-a depois carregada de peixe. O meu pai comprou uma tarrafa aos pescadores da ilha, que teciam ou remendavam as redes sentados no areal. No paredão da Praia do Bispo havia quem na maré cheia pescasse à linha ou com cana, mas nunca tive paciência para estar ali quieto à espera que o peixe mordesse, apesar do meu pai me ter oferecido uma cana de pesca.








Pescador da Ilha do Cabo cosendo as redes - desenho de Hipólito de Andrade














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