Escrevivendo e Photoandarilhando por ali e por aqui

“O que a fotografia reproduz no infinito aconteceu apenas uma vez: ela repete mecanicamente o que não poderá nunca mais se repetir existencialmente”.(Roland Barthes)

«Todo o filme é uma construção irreal do real e isto tanto mais quanto mais "real" o cinema parecer. Por paradoxal que seja! Todo o filme, como toda a obra humana, tem significados vários, podendo ser objecto de várias leituras. O filme, como toda a realidade, não tem um único significado, antes vários, conforme quem o tenta compreender. Tal compreensão depende da experiência de cada um. É do concurso de várias experiências, das várias leituras (dum filme ou, mais amplamente, do real) que permite ter deles uma compreensão ou percepção, de serem (tendencialmente) tal qual são. (Victor Nogueira - excerto do Boletim do Núcleo Juvenil de Cinema de Évora, Janeiro 1973

domingo, 16 de janeiro de 2022

Évora e as piscinas municipais

 * Victor Nogueira

Com base na minha correspondência epistolar, extraído de 

«Viagens, memórias e registos – Ibéria 01»

 

1968


Piscinas Municipais de Évora c. 1975– postal ilustrado VN


Se não me engano estas piscinas são das melhores da Península (ou da Europa). Ainda não as visitei. Em Janeiro haverá um curso de natação. Vamos ver se começo a praticar alguma actividade desportiva! É desnecessário enviar a correspondência com “Porte Pago”. O nº do apartado é o 65 (seis, cinco). Brevemente escreverei. As impressões são inúmeras, os correspondentes em número razoável e a disposição literária escassa! É difícil dactilografar um postal! Põe-se com fosquinhas. VêeM?! (NSF 1968.11.08)

 

1969

Imaginem uma ilha de pedra escura ou casas irritantemente brancas no meio de uma infindável planície. Imaginem umas muralhas que encerrem umas relíquias sagradas, mais intocáveis que os "intocáveis". Imaginem umas igrejas velhas, escuras, uma delas cheia de tíbias e caveiras e dois esqueletos pendurados na parede ([1]) E a encorajadora frase "Homem, lembra‑te que és pó e em pó te hás‑de tornar". Uma janela manuelina, num canto, num dos muitos cantos escusos, e que foi do Garcia de Resende. Um templo romano, vulgarmente denominado de Diana. ([2]) Muralhas medievais e seicentistas. ([3]) Um aqueduto [da Prata] ou o que dele resta.  E casas, muitas casas, dolorosamente caiadas de branco, um branco frequentemente maculado por umas escuras pedras graníticas, restos duma janela, duma porta, duma parede, duma muralha... E ruas estreitas e tortuosas, onde passam pessoas e carros. Évora, ei‑la, cidade sem presente nem futuro, com passado, um passado que se pretende preservar a todo o custo. Aqui, se não fossem os automóveis e as antenas de televisão, poder‑se‑ia dizer que o tempo parou. Algumas décadas ou mesmo séculos atrás.

Que mais tem ela? Meia dúzia de jardins. As melhores piscinas da Península. Um Salão Central Eborense". Que dá sessões cinematográficas diariamente (à 6ª feira o filme é português). Um teatro (o Garcia de Resende) que em dois meses abriu para apresentar um concerto, uma peça de teatro ("D. Quixote", pelo Teatro Experimental de Cascais), uma ópera ("Rigoletto", pela Companhia do Trindade). Um espectáculo de cada.

Que tenho feito? Andado por aí. Ir ao Instituto ouvir uns tipos a vomitarem sabedoria, uns, ignorância, outros, presunção, alguns. Vender folhas atrás do balcão da Associação de Estudantes. Ir bissemanalmente às piscinas [cobertas] nadar. Ouvir música, de rádio, pois o gira‑discos avariou‑se. Andar por aí. Ler. Aborrecer‑me. Desesperar‑me. Angustiar‑me. Mas,... que interessa isto?! Respiro, como, ando. Estou vivo! O resto, hum! o resto são cantigas. (MLCF - 1969.02.23)

Finalmente e já não era sem tempo, parece ter chegado o verão. Embora não esteja calor, o céu está azul, com alvos flocos de núvens aqui e além. As piscinas, uma das coisas boas que esta terreola possui, serão uma tentação na época de exames que atravessamos. (...) Dentro de cinco dias abre a Feira de S. João, ao que sei muito apreciada pelo povo de Évora. A tal ponto que o cinemazeco cá do burgo aproveita os quinze dias para férias do pessoal. ([4]) (MLCF - 1969.06.17) 

 Piscinas de Évora e parque infantil com o avião Junkers 52 c. 1980 – postal ilustrado VN


Um outro aspecto das piscinas de Évora. Do lado esquerdo, o parque infantil, bastante interessante. Como não podia deixar de ser, já entrei no avião, que está muito estragado por dentro. Creio que foi transporte de paraquedistas.

 Claro que não há nada que chegue a uma praia batida pelas ondas. Mas temos de nos contentar com a prata da casa. (ECF 1969.06.17) 

  



Piscinas de Évora – postal ilustrado c. 1969 VN

 

Eis aqui um dos locais mais aprazíveis do burgo. Ao fundo, a cidade onde se destacam as torres da Sé. Em1º plano, parte do parque que se vê no outro postal. Depois, as diversas piscinas, desde a infantil até à dos saltos, passando pela olímpica. No edifício ao lado direito ficam um bar, os balneários e a piscina de inverno. O edifício mastodôndico é o Teatro Garcia de Resende.  A seta indica o local onde fica o Instituto, junto à Sé. (MLCF 1969.06.17)

    

Piscinas Municipais de Evora – bilhete de entrada

 

O verão chegou finalmente, envolvendo a cidade num bafo quente e opressivo (NSF - 1969.06.28)


Évora, piscinas municipaisTenho saudades da praia.(…) Recebi uma amável carta da Maria Arnalda convisdndo-me para um fim.de semana [na Figueira da Foz]. Ainda não decidi onde passarei as férias. Talvez vá com os finalistas [do ISESE] a uma viagem de estudo por Portugal (NSF 1969.11.27)

 

1970



Évora – piscinas municipais – postal ilustrado VN


Évora, Piscinas Municipais - Eis o Paraíso Eborense nestes dias de calor: cúmulo do azar: apanhei uma valentíssima gripe, insuportável. Remédio: doses maciças de antigripais. Recebi as massas de Julho e da PEU [Procuradoria dos Estudantes Ultramarinos] marcarei passagem para 5 AGO; confirmarei. Sairei de Évora 29 JULHO: (NSF 1970.07.21)

 

1971

Inaugurei hoje a minha época de piscinas. O tempo está quente e a água, embora fria, é agradável. (NSF 1971.06.17 - ?) 

1973



Nas piscinas de Évora, com a Maria Luísa – foto MENS


(...) Na varanda das piscinas, em Évora, às 15:30. Está um dia quentemente abafado; nas ruas muitas saudações dos "amigos" e conhecidos que passam. Na boca um sabor amargo e de náusea. Detesto Évora. Pronto. Já disse. Poderei algum dia apreciar a beleza de Évora?

A máquina de dactilografar está já no carro. Daqui a pouco vou até ao Instituto para uma conversinha com o Pe. [Augusto] Silva. A minha Mãe escreve um postal ao meu pai - que tal como o Zé ainda não deu sinal de vida - enquanto a Maria Luísa "contempla" a paisagem. Trouxeram agora os cafés. O Manuel Prates está cá a tirar a carta. Saudades de todos (MCG - 1973.09.07)



(Fotos MLCF)

 1974

 


Ontem andei de avião sobre Évora, que é uma cidade bestial lá de cima. Foi a 2ª vez que andei de avioneta na minha vida - a 1ª foi em Angola, tinha para aí uns dois anos. ([5]) Tirei umas fotografias (...). Aqui para nós, um pouco antes, quando o teco-teco começou a rolar na pista estava um pouco apreensivo, mas logo liguei à terra. Sobrevoámos a cidade, fomos a S. Bento, às piscinas, à Cartuxa, ao convento do Espinheiro. É bestial! (1974.12.23)

1975





(Fotos Victor Nogueira)

1980

Piscinas de Évora, c. 1980 – postal ilustrado VN


É tempo de verão e para os eborenses a piscina é a “praia”.(JJCF 1980.06.28)

 


[1] - Igreja de S. Francisco (Évora). Nas minhas deambulações encontrei outras “Capelas de Ossos”, como em Alcantarilha (Igreja Paroquial de Nossa Senhora da Conceição), Faro (Igreja de Nossa Senhora do Carmo) e Campo Maior (Igreja de S. Sebastião), sem esquecer a de Monforte ((Igreja Matriz de Santa Maria da Graça) e do Porto (Igreja de S. Francisco).

[2] - Situa‑se o templo no cimo da colina, conjuntamente com a Sé, o antigo Palácio da Inquisição, o Convento dos Loios, a Biblioteca e Museu Municipais, e o Palácio dos Duques de Cadaval, com muralha medieval e pequeno museu, para além do jardim de Diana, sobre a muralha romana, com ampla vista para os arredores. Pela rua 5 de Outubro ou da Selaria ia‑se para a Praça do Giraldo.

[3] - A base da colina em que assenta a cidade antiga é cercada de muralhas árabes, romanas, medievais ou setecentistas, com as respectivas torres. Pelas Portas se transitava, algumas com nome dos destinos: portas de Avis, de Alconchel, de Moura, do Raimundo. Perto desta última se situava o jardim de Diana e dentro deste o que resta do Palácio de D. Manuel, para além do coreto e das ruínas encenadas por Cinatti ao gosto romântico e provenientes do paço do bispo D.Afonso de Portugal. O jardim tinha por um lado acesso para o largo de Mercado, onde se situavam a igreja de S. Francisco, com a sua capela dos Ossos, e o Celeiro Público,  e por outro para o parque infantil, para a Praça de Touros e Rossio de S. Brás, onde se encontra a ermida homónima , gótico mudejar, e se realizava a feira de S. João. Muito conhecida, a capela dos ossos não é exemplar único, existindo em Faro, como se referiu, Lagos e Campo Maior, para não falar na Boémias e em Itália, como em Castel Gandolfo.  À entrada da capela eborense, do séc. XVII, uma inscrição: Nós, ossos que aqui estamos, | Pelos vossos esperamos. De Cinati, o cenógrafo do castelo de Leiria entre outras,  é também o Palácio Barahona.

[4] - No verão não se interrompiam as sessões cinematográficas. Após a quinzena de férias, passavam a ser na esplanada, um recinto sem cobertura.

[5] Lembro-me apenas que fui ao colo do piloto ou do co-piloto e do painel de instrumentos da avioneta. Só muitíssimo mais tarde soube que nessa altura vivêramos durante cerca dum ano na então vila de Carmona (Uíge), quando regressámos definitivamente a Luanda


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