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A fotografar desde 1964, José A. Figueiroa interpretou e captou alguns dos momentos mais marcantes da história de Cuba das últimas quatro décadas. Assistente e amigo pessoal de Alberto Korda, aos 63 anos prepara-se para publicar uma autobiografia
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Em cada crise de emigração, conta o povo cubano que no farol do Morro, em Havana, surge um cartaz que, ironicamente, avisa "El último que apague!", numa alusão clara aos muitos cubanos que dali partem rumo aos Estados Unidos.
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Mas se há quem decida partir, também há quem acredite ser possível participar na mudança, sem que para isso seja preciso abandonar Havana. José A. Figueiroa pertence a este segundo grupo e no texto de abertura do livro autobiográfico, que em breve será publicado, deixa bem clara a sua posição: se chegar o dia em que o último cubano deixe Cuba, "lá estarei para fazer a fotografia".
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E é isso que tem feito ao longo dos seus 45 anos de carreira: gravar a preto e branco alguns dos momentos mais marcantes da história de Cuba. Apresentando uma visão quase tão clara como a luz natural da "sua" ilha - e que, como fotógrafo, não se cansa de elogiar - deixando transparecer a sua análise crítica à situação política cubana. Por isso mesmo, o seu trabalho reflecte as últimas quatro décadas da vida social e política da ilha liderada por Fidel Castro até 2006.
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A sua história de vida encontra-se intimamente ligada com a de Alberto Korda, fotógrafo cubano que ficou famoso pela icónica imagem de Che Guevara - Guerrilheiro Heróico - que após a sua morte, em 1967, se tornou um dos mais utilizados símbolos dos movimentos revolucionários de esquerda em todo o mundo.
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Começou a trabalhar nos Studios Korda, em 1964, "como simples assistente, mas com a ilusão de me tornar fotógrafo", contou ao DN, na sua deslocação a Lisboa para a inauguração da exposição Korda: Conhecido Desconhecido, patente ao público no Torreão Nascente da Cordoaria Nacional.
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"Os Studios Korda representavam o que de melhor se fazia em Cuba em termos de fotografia de publicidade e de moda", explicou. "Aliás, esta exposição, que estreou em 2008 em Havana e também já esteve em Madrid, tem o mérito de colocar Alberto Korda no lugar que merece em termos internacionais", afirma. E justifica: "Não só foi pioneiro em termos de fotografia de moda e publicidade como, numa altura em que ainda nem existiam agências de comunicação do Estado, construiu uma imagem universal e artística de Fidel Castro muito próxima do que hoje seria expectável". As fotografias que abrem a exposição, mostrando Fidel Castro nas suas visitas pela ilha ou em momentos de lazer atestam a sua afirmação. "Para além de darem a conhecer essa imagem que Korda construiu do líder cubano, e que não era conhecida, estas fotografias mostram ainda a contemporaneidade do seu trabalho", destaca Figueiroa.
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E nos Studios Korda não só se tornou fotógrafo como estabeleceu com Korda uma relação de pai e filho que durou até 2001, data da morte do mundialmente famoso artista. Foi no seu pequeno estúdio, em Havana, onde mora, que durante oito meses ampliou os negativos de Korda e imprimiu as cerca de 200 fotografias que se encontram na exposição. "O ampliador que utilizei" - e mostra uma fotografia da pequena divisão de sua casa destinada à fotografia, onde está pendurada uma bandeira de Cuba - "era o ampliador dos Studios Korda, que comprei depois de os estúdios terem sido confiscados", revela.
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Numa altura em que a fotografia digital domina, Figueiroa confessa que continua a fotografar mas com rolos - embora também já tenha uma pequena máquina fotográfica digital, comprada a um amigo que a trouxe dos Estados Unidos. "Em Havana é muito caro imprimir as fotografias digitais porque quase não existem impressoras que o façam. E mesmo as que existem não têm grande qualidade", conta. Por isso se mantém fiel aos rolos e aos químicos, uma dimensão mais real e táctil da fotografia.
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Apesar da sua estreita ligação com Alberto Korda, que durante cerca de dez anos foi o fotógrafo oficial de Fidel Castro e se manteve sempre fiel aos ideais da Revolução Cubana - mesmo após os seus estúdios terem sido confiscados, em 1968 - Figueiroa via a Revolução Cubana de uma forma bem diferente. De uma geração mais jovem do que Korda, demasiado jovem para participar activamente na Revolução e demasiado adulto para simplesmente aceitar os ideias impostos, viu as mudanças de uma forma crítica.
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Até porque, em 1963, e depois de o negócio da família ter sido confiscado, um a um todos os membros da família e muitos dos seus amigos de infância foram abandonando a ilha. Ficou na ilha apenas com um dos irmãos e, como conta, "tive a sorte de começar a trabalhar nos estúdios Korda em 1964, onde fui acolhido como uma pessoa 'normal'. Foi a minha grande escola, não só a nível profissional como a nível pessoal. Aí tive oportunidade de conhecer as mais diversas personalidade da vida social, política e artística de Cuba e apercebi-me do muito que tinha para aprender". Não admira, por isso, que uma das suas primeiras séries fotográficas se chame Exilio e que os protagonistas sejam precisamente os familiares e amigos que viu saírem de Cuba. Tema a que voltou no início dos anos 90.
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Acompanhou Korda em muitas das viagens que o artista fez nos últimos anos de vida, expondo a sua obra. E foi precisamente numa dessas ocasiões, em Chicago, em 2000, que captou a imagem de Korda que encerra a exposição. "Acho que resume a essência de Korda. Parece um monge, ali sentado, numa atitude contemplativa, com o maço de cigarros sempre por perto e um copo de rum", descreve.
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Quanto ao paradeiro dos arquivos de Korda, que desde 1968 estão desaparecidos juntamente com cerca de 80% do seu trabalho, afirma ter fé na sua recuperação. "Se alguém os tivesse fora de Cuba, por esta altura já os teria revelado. Valem muito dinheiro. E como em Cuba não há o hábito de se destruírem arquivos, acredito que um dia, quando menos esperarmos, vão aparecer", justifica.
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