Pois é, há quase dois anos que saí da publicidade e andei por aí. Decidi morar seis meses nos Estados Unidos, estive a fazer curso de cinema em Los Angeles. Depois estive a morar em Barcelona num processo de imersão criativa, onde escrevi alguns livros e projectos de cinema e televisão, uma peça de teatro... E depois fui para o Brasil com a ideia de estar lá umas semanas para a estreia de uma peça de teatro minha. Acabei por ir ficando.
Bom, aí fica difícil... (risos) Profissão mesmo, aquela que escrevo quando dou entrada num hotel, na verdade é publicitário. É essa a habilidade profissional que Deus me deu e é ela que me paga as contas lá de casa.
Desta última vez, nem tentei enganar-me. Algumas vezes acreditei mesmo que era definitivo, da penúltima vez fiquei três anos fora da publicidade, das duas vezes anteriores embora por menos tempo, também pensei que sim. Eu era uma espécie de Tina Turner da publicidade, dizia que tinha acabado mas acabava sempre por voltar. Mas desta vez acho que sou tipo Schumacher: quando já nem eu acreditava que ia rolar alguma coisa, acabo por regressar. Já não tenho a veleidade de tentar controlar o futuro. Aos 30 anos, achava que sim, que o futuro era eu que controlava...
Não, é feitio. Sinto necessidade de sair de vez em quando. Esta não é a maneira mais fácil de fazer carreira na publicidade, quem está sempre a sair de campo, corre o risco de mais ninguém lhe passar a bola. Eu não tenho este stresse, mas não tenho nenhumas certezas.
Mais do que ninguém se cansar de mim, assim eu não me canso de mim! (risos) Penso que em qualquer carreira, seja ela qual for, quando você está totalmente absorvido e pára por uns tempos para ver outras referências, outros caminhos, outras culturas, não há nada melhor. Quando volta, regressa mais musculado, até com uma autocrítica maior. Cada vez que eu volto, volto mais calmo, mais sereno e mais confortável comigo mesmo e com o que estou a fazer.
Eu recebi a fama de bom grado, com as suas coisas boas e as suas coisas más, mas nunca foi o meu objectivo. Há 15 anos atrás eu tinha um programa de televisão, por acidente. Se alguém de 20 anos não me conhece, os de 35 conhecem-me bem. Já em Barcelona ou em São Paulo não me conhecem, e confesso que até me agrada estar mais anónimo. A minha própria vida social é muito tranquila, eu não frequento 'croquetes', não tenho grande interesse em estar em lugares públicos.
No mês passado estive cá uns dias, e quando passei na alfândega o senhor olhou para mim e disse-me: "Ah, o senhor é o Athayde da publicidade. E os óculos?" Eu lá expliquei que já não usava óculos. No dia seguinte apanho um táxi para o Bairro Alto, e o taxista perguntou-me pelos óculos. No dia seguinte apanho outro táxi, a mesma conversa. Fui jantar fora com um amigo e contei-lhe a história. Ele achou que eu estava a exagerar. Quando saímos do restaurante, passou um fulano de bicicleta por nós e gritou: "Então, ó Edson, e os óculos?" Eu acho engraçado...
Sim, tenho nacionalidade portuguesa e vou manter aqui a minha casa.
Eu não sou português segunda, quarta e sexta e brasileiro à terça, quinta e fins-de-semana. Eu sinto-me realmente as duas coisas. A minha vida adulta foi toda passada em Portugal, cheguei com 25 anos.
Os meus amigos de infância dizem que sou diferente do típico carioca, por causa das minhas "manias" com horários, ordenação, uma certa forma mais retraída de estar nos lugares e com as pessoas. Aí sou muito mais português.
Entrei na faculdade com 15 para 16 anos e logo aos 18 anos estava a trabalhar em publicidade. Mal acabei os primeiros períodos no Rio, peguei na mochila e andei por várias cidades brasileiras a trabalhar dois, três meses por várias agências. Quando vim para cá, pensei ficar uns tempos e depois regressar, pensei que era só mais um estágio. A situação no Brasil estava muito complicada, com o Collor de Mello como presidente, e saí sem um plano muito estabelecido. Só no final do primeiro ano é que percebi que podia ser interessante ficar por cá.
Esse anúncio foi um marco na sua carreira? Eu comecei a trabalhar em 91, e o "Tou Xim" é de 95. Quando o anúncio foi para o ar, já tinha toda uma carreira feita, já estava a trabalhar em Barcelona ao mesmo tempo que em Portugal, já tinha eleito o Guterres... Foi um anúncio que correu bem, e que bom que se lembram dele até hoje, mas houve outros que marcaram muito.
Um filme para a Galp em que o Pedro Lamy aparecia com imagens não editadas, com erros e enganos. Uma campanha minúscula para a Nasex ("Dazex do dariz") de que ainda me falam... Tantas! Há dois anos e meio, tive o prazer de fazer uma campanha mundial para a MTV, ganhei um concurso mundial onde concorriam agências do mundo inteiro, e fiz um filme que passou por todo o mundo, o anúncio foi campeão de hits na Internet, foi fantástico. A minha actividade não se mede só pelos hits, o sucesso está no grau de alcance que tenha a mensagem que fui contratado para fazer, dentro do objectivo estabelecido. Quem me dera ser contratado só para fazer mega-hits! Mas se as campanhas perdurarem mais algum tempo e ficarem na cabeça das pessoas, isso já não é publicidade - já não vendem mais nada -, isso é cultura de massas. Mas isso é uma borla, não é o objectivo.
Embora tenha usado essa expressão, não me julgo responsável pela eleição - nem pela "deseleição" - de ninguém. A actividade de marketing político é lateral, pode colaborar para que algum discurso chegue a alguém com melhor qualidade, mas o emissor de discurso é que é responsável por ele. É assim que eu vejo, embora conheça personagens com outro discurso e outra técnica, que vêem os candidatos como uma massa modelar que eles chegam lá, moldam e vendem às pessoas. Aqui não há um certo ou errado, são abordagens diferentes.
Eu era um moleque, tinha 26 anos, na altura quando o conheci não sabia bem qual era o enquadramento político do país, quem era o PS nem sequer quem era ele. Eu era uma criança aqui em Portugal. Participei na campanha eleitoral dois anos depois, embora tenha recebido todos os conselhos para não participar. Por acaso ele ganhou, com o seu mérito. Trabalhávamos de forma muito independente, encontrei-me com ele umas duas vezes durante toda a campanha, eu nunca fui o spin doctor do Guterres.
A experiência correu mal, saiu ao fim de três meses. Uns meses depois das eleições, ele convidou-me para fazer parte do governo para ajudar na comunicação do Estado para com os cidadãos e das instituições. Para mim, que tinha 28 anos, achei fantástico, era uma experiência única, irrecusável. Pensei logo: "Vamos lá!" Depois, quando lá cheguei, percebi que havia todo um cerimonial do poder onde eu não encaixava. Eu consigo ser uma pessoa séria, mas não consigo ser sisudo. Aqui não era eu, era outra pessoa. Mas eu até podia engolir tudo isto, se achasse que estava a fazer um bom trabalho. E o problema é que o edifício legal à minha volta era de uma burocracia inultrapassável, que só me deixava fazer alguma coisinha de vez em quando.
Não, nem pensar nisso. Rapidamente percebi que não era feliz ali, e pedi para sair. Fui trabalhar para os jornais, fiquei dois anos na Lusomundo, onde ajudei na reestruturação do "DN". Foi uma das melhores experiências da minha vida.
Não, nem geograficamente, nem nos interesses. Acabei por virar um ET na minha família. Sou uma espécie de acidente genético, acho eu... Quando decido fazer comunicação social - não havia curso autónomo de publicidade -, toda a gente tentou demover-me. O director da escola até me chamou para me dar uns conselhos, e disse-me: "O mundo não precisa de mais jornalistas. Esse país precisa de melhores engenheiros, há muitas pontes para construir. E ninguém lê jornais." Eu lá expliquei as minhas razões, e ele acedeu: "Bom, se é assim, então pelo menos faça Direito." (Risos)
O meu pai foi muito claro, só me pagava a faculdade se eu fizesse Medicina ou Engenharia. Ou seja, eu, para fazer publicidade, tinha de entrar na universidade pública e só tinha uma única chance de entrar. Se chumbasse naquele exame, estava tudo perdido naquele ano, e eu já sabia que, nas condições sociais da minha família, obviamente que não ia ter mais nenhuma hipótese. O meu pai estava todo empolgado porque achava que eu não ia passar, e já tinha comprado um talho para eu orientar quando chumbasse no exame. Perante as opções, eu estudei, estudei muito, e lá consegui entrar!
Não consigo imaginar o que seria a minha vida. Quem sabe se eu hoje seria o rei da picanha, exportando para o mundo inteiro. Talvez tenha sido um erro e hoje estivesse milionário! Ou estaria lá no subúrbio, com 10 filhos, gordinhos e coradinhos, mas provavelmente sempre a pensar no que poderia ter feito da minha vida.
Mais uma vez, consegui reconhecer as minhas incompetências rapidamente. Ao fim de umas aulas, percebi que aquilo não era para mim.
Desistir parece uma coisa de covarde. E desistir, na verdade, significa também parar de insistir. Eu vou insistir numa coisa que eu sei que não terei prazer em fazê-la.
Pode até ter sido assim na década de 70 - muito whisky, boémia e muito dinheiro -, mas quando eu cheguei a festa tinha acabado! Literalmente. É claro que ainda há muitos publicitários doidinhos, mas provavelmente não são eles que se destacam e acabam por dar-se mal. Trabalha-se muito na publicidade.
Ultimamente as minhas opções têm que ver com isso, procurar ser feliz. Apeteceu-me voltar à publicidade e tive de optar entre um convite fantástico numa multinacional, mas que me obrigava a mudar toda a minha vida para a Ásia, ou este convite para ficar no Brasil. Ou continuo aqui nesse bocadinho de terra que eu conheço onde está a minha vida, e que por acaso tem muita água no meio - na minha cabeça Portugal e o Brasil são mesmo uma coisa só... Não me apetecia nada, por mais que fosse uma megaprojecção internacional. Foi uma das poucas vezes que optei pesando a minha felicidade pessoal.
Sim, penso que sim. Um dia destes, um filho de uma amiga que me chamava de "tio Edson", muda de voz e começa a chamar-me de "Ó cara!" Aí você começa a ter a noção mais concreta do ritmo da vida. Mesmo que eu fosse para a Ásia e daqui a 10 anos fosse uma megapopstar do planeta, seria uma megapopstar do planeta mas não da minha vida. Teria outra vez relações curtas e superficiais...
Bem, se se pode chamar uma vida 'normal' a estar no mínimo em dois países, trabalhando para dois continentes, com projectos em andamento em Espanha, em quatro cidades do Brasil, sim, é isso que eu quero! (risos) Agora estou calminho...
Hoje em dia um pedaço de pedra, um pedaço de pau pode virar uma estrela. Basta olhar para os vídeos mais vistos do Youtube, muitos são apenas animais a fazer nada. E eles são estrelas! Hoje qualquer um pode fazer parte do starsystem. Mas claro que aquilo que qualquer um pode, tem sempre menos valor.
Porque tem menos valor, não tem mérito, não tem substância.
Queria experimentar uma nova plataforma de comunicação, e perceber como se pode comunicar através daquela rede social. O que é ser DJ, por exemplo? É colocar um monte de músicas que você gosta à disposição para outros ouvirem. E ser facebooker é a mesma coisa: coloco na rede coisas que me interessam para partilhar com os outros. Tenho uns 6000 'amigos', e para mim, é como se fosse o meu canal de televisão.
Sim, exactamente. Parei para pensar o que devia entrar e o que não entrar no meu mural. Só publico coisas que eu considero de bom gosto, e coisas que de alguma maneira sejam um momento positivo, de evasão, no dia das pessoas. Hoje já tenho conclusões. Acho que as marcas podem aproveitar melhor a sua presença no Facebook.
Sim, sem dúvida que sim. Esta não é uma evolução directa do que havia antes. Sempre que a tecnologia muda e não vai de uma coisa para outra, não é evolutiva mas é disruptora, até que se chegue a algum lado demora algum tempo.
Sim, o que existe hoje são, salvo raríssimas excepções, coisas muito mal amanhadas. Há algumas iniciativas faróis que podem dar umas luzes, mas ainda ninguém tem a fórmula mágica.
Sim, apesar de já existir há uns 15 anos, parece que ainda não se trilhou grande caminho. O Youtube tem cinco anos, o Facebook tem seis, mas na verdade só tem três. É muito pouco tempo...
Eu posso dizer que estou em Istambul, mas não digo o que fui lá fazer. Posso dizer que estou na Grécia com uns amigos, mas mostro só fotografias de paisagens. Você vai mantendo a sua distância, se não fizer isso começa a ter pessoas carentes porque começam a achar que fazem realmente parte da sua vida. Ou você quer isso, e sabe gerir isso, ou então é melhor não entrar por aí. Eu sei que não sou capaz de gerir isso, mal sei gerir os meus amigos reais, estou sempre em dívida com eles... Mas com as devidas distâncias, gosto daquela audiência.
Não posso falar muito da história senão perde a graça. Mas a minha inspiração foi a primeira pessoa que eu conheci quando cheguei a Lisboa às sete da manhã do dia 1 de Dezembro de 1990. Era um rapaz que estava à porta da Pousada da Juventude onde me alojei, à espera que abrisse, e que acabou por me mostrar a cidade. Ele era um vigarista, um pobre indigente, mas para mim o que ele fazia era vender fotografias eternas.
Não posso contar, essa é a história do livro. Mas foi assim que eu interpretei a sua história. Fiquei com essa história na cabeça, que pensei que podia dar uma longa-metragem, mas quando me sentei para escrever percebi que a história era óptima para um romance. Foram vários meses escrevendo, 12 horas por dia. Eu não sabia sequer se era capaz, até escrever a última linha.
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