31 de maio de 2010 • 07h54 • atualizado às 08h28
Foto: Divulgação
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Agora, 15 anos depois, e quase três anos após a morte de Murray, a demografia por gênero do museu mudou significativamente. Nesta primavera há duas mostras do acervo permanente dedicadas quase inteiramente a artistas mulheres: Pictures by Women: A History of Modern Photography (retratos por mulheres: uma história da fotografia moderna) e a menor Mind and Matter: Alternative Abstractions, 1940s to Now (mente e matéria: abstrações alternativas, da década de 1940 a hoje). Elas coincidem com a publicação de um grande, profundo e exuberante livro de ensaios, que levou vários anos para ser concluído, chamado Modern Women: Women Artists at the Museum of Modern Art (mulheres modernas: artistas mulheres no Museu de Arte Moderna).
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Além disso, a muito noticiada retrospectiva de Marina Abramovic ainda está em exibição (até segunda-feira), assim como uma ótima instalação artística, Mirage, de Joan Jonas. Um estudo composto de Lee Bontecou fica em exposição durante o verão americano, assim como o programa de filmes de Maya Deren.
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Acrescente um punhado de trabalhos individuais de mulheres, estrategicamente instalados ao longo das dependências -uma escultura de Louis Bourgeois introduz o grande movimento do modernismo europeu no quarto andar, uma das pinturas de Lee Lozano comanda o espaço público do quarto andar-, e a reflexão curatorial iniciada pela exposição de Murray se torna clara.
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O acervo fotográfico do MoMA sempre foi forte no quesito artistas mulheres, forte o bastante para Pictures by Women: A History of Modern Photography quase estar à altura da promessa ambiciosa de seu título.
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A exposição -200 obras de 120 artistas- começa com uma gravura botânica da fotógrafa britânica Anna Atkins, tirada por volta de 1850, quando a fotografia mal tinha uma história por ser tão nova. Como as curadoras -Roxaa Marcoci, Sarah Meister e Eva Respini, todas do departamento de fotografia- organizaram a exibição por data, temos uma sólida dose da época vitoriana tardia na sala de abertura, com imagens de Julia Margaret Cameron e Gertrude Kasebier.
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Cameron era britânica, Kasebier, americana. As duas tendiam aos quadros com mãe e filho, mas Kasebier às vezes fazia um intervalo para brincadeiras em torno de refeições ao ar livre. Primeiro enaltecida, depois depreciada pelo todo-poderoso Alfred Stieglitz, Kasebier -que trabalhava com fotografia (Cameron não precisava trabalhar)- conhecia alguns caprichos da carreira política que conflitavam com políticas de gênero.
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Como muitos fotógrafos naquela época inicial, ela estava aprendendo tudo sobre o ofício. Assim como sua contemporânea Frances Benjamin Johnston. Em suas perturbadoras e emocionantes imagens da série Hampton Album, é possivel sentir uma artista testando as dimensões éticas da fotografia, no caso de Johnston, o dilema de como olhar para a raça. Ela nunca chegou a descobrir, e seu trabalho permanece entre focar e ignorar a questão.
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Em boa parte dessas primeiras fotografias, vemos um mundo através de um tipo de humildade romântica, uma neblina suave que sugere inocência no olhar. Mas, no novo século, a neblina desaparece. O foco cresce em precisão, como a natureza-morta de balas de Tina Modotti; o autorretrato engraçado e furtivamente duplo de Ilse Bing; e as imagens das fornalhas explodidas em Detroit de Margareth Bourke-White. Elas parecem retratos do poder industrial.
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A mostra tem alguns retratos excelentes das décadas de 1920 e 1930. É verdade que Martha Graham faz a maior parte do trabalho na foto tirada por Imogen Cunningham em que ela aparece. Qualquer fotógrafo focando o rosto da dançarina, com sua expressão de angústia e enxaqueca, acabaria tendo bons resultados. Mas só uma pessoa poderia fazer justiça ao semblante de Claude Cahun (nascida Lucy Schwob), e essa era a própria Cahun. Vestida num terno masculino, a cabeça raspada, ela olha com suspeita para a câmera, mesmo num autorretrato.
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No final dos anos 1930, estamos longe da Paris de Cahun. Estamos nas rodovias castigadas pelos ventos da América na Depressão com Dorothea Lange e encontramos mães migrantes, filhas arruinadas e ex-escravos miseráveis. Então, uma década depois (mas na mesma galeria), chegamos às ruas de Nova York com Helen Levitt e captamos a esqualidez colorida da cidade através de seus olhos imperturbáveis de pedestre.
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Contribuições generosas de Levitt, Lange, Diane Arbus e Nan Goldin servem para variar o ritmo conturbado da mostra, mas algumas das experiências mais marcantes surgem no contato com fotos únicas: o retrato ao estilo "Irmãos Grimm" dos tocadores de sino de um vilarejo na Eslováquia tirado por Marketa Luskacova; a impressão de Jeanne Moutoussamy-Ashe sobre a África do Sul racialmente dividida; a Última Ceia só com mulheres de Mary Beth Edelson; e a foto que Gundula Schulze tirou de si mesma sendo atacada -o que está acontecendo?- por uma mulher furiosa em Berlim.
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A despeito do conteúdo, todas essas imagens são políticas, porque em cada uma delas uma mulher estava atrás da câmera e, no momento em que ela fechou o obturador, ela fazia algo que as mulheres só recentemente começaram a fazer: usar a tecnologia para selecionar e controlar uma imagem do mundo.
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Controlar imagens -fotografar, editar, revelar- era, e é, um ato intrinsecamente político. Não importa qual a imagem, você faz uma apropriação da realidade: é assim que isso é, isso é importante, isso é meu. Por essa razão, cenas da vida nos quintais suburbanos de fotógrafas como Mary E. Frey, Margaret Moulton, Sheron Rupp, Melissa Shook e Judith Joy Ross são tão radicais quanto os trabalhos extremamente engajados de Barbara Kruger, Howardena Pindell e -uma das mais jovens artistas da mostra- Rachel Harrison.
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Em roteiros condensados como o que está no MoMa, ficamos basicamente livres para extrair nossos próprios temas-guia. Além da política, eu senti uma energia familiar, não o humanismo da "família do homem", mas a concretude da família da mulher. Tive a sensação de redes de intimidade entre os sujeitos fotografados (com frequência mulheres), entre os sujeitos e as fotógrafas e entre as fotógrafas e sua própria imagem. E, mais uma vez, faz pouco tempo que as mulheres podem -têm os meios para- criar autorretratos realistas.
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Murray falou da sua Modern Women de 1995 como um autorretrato, uma maneira de se definir como artista e pessoa através de outros artistas. Do acervo do MoMA, ela escolheu figuras das décadas de 1950 e 1960 -Grace Hartigan, Joan Mitchell, Bontecou- que foram exemplos para ela numa época em que era difícil encontrar arte feminina.
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Ela selecionou contemporâneas como Eva Hesse e Louise Fishman, que estavam lá quando chegou em Nova York. Ela escolheu santas patronas (Anni Albers, Bourgeois), pecadoras fabulosas (Frida Kahlo) e meras amigas.
O resultado de fato tinha uma personalidade, eriçada com sensibilidades variadas, mas ligadas e concretizadas por histórias em comum há muito desprezadas. O efeito foi muito comovente. Eu me lembro, porque escrevi sobre a mostra. De regra, reluto em reler o que escrevi e nunca conscientemente me citei, mas me permitam repetir as frases finais daquela crítica aqui:
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"Modern Women é, com certeza, um primeiro rascunho de uma mostra abrangente ainda a ser realizada. E ninguém entende melhor do que Murray os riscos de isolar a arte que já tinha uma existência marginal. Enquanto ocorre, os muros do gueto que cercam a arte feminina são desmantelados de dentro. Ao oferecer mesmo um vislumbre das riquezas que possuem, Murray fez a coisa certa, fez bem e fez a arte avançar um passo."
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Para mim, tudo isso ainda é verdade. Que esses muros continuem sendo abalados, se rompam e desabem enquanto nos movemos -progredimos- até o futuro. E nos lembremos de uma artista que foi uma mulher moderna, que lutou por essas riquezas, mudou a visão do mundo e fez história.
- The New York Times
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- .http://diversao.terra.com.br/arteecultura/noticias/0,,OI4459158-EI3615,00-Apos+anos+MoMA+traz+exposicoes+sobre+fotografias+femininas.html . .
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