Escrevivendo e Photoandarilhando por ali e por aqui

“O que a fotografia reproduz no infinito aconteceu apenas uma vez: ela repete mecanicamente o que não poderá nunca mais se repetir existencialmente”.(Roland Barthes)

«Todo o filme é uma construção irreal do real e isto tanto mais quanto mais "real" o cinema parecer. Por paradoxal que seja! Todo o filme, como toda a obra humana, tem significados vários, podendo ser objecto de várias leituras. O filme, como toda a realidade, não tem um único significado, antes vários, conforme quem o tenta compreender. Tal compreensão depende da experiência de cada um. É do concurso de várias experiências, das várias leituras (dum filme ou, mais amplamente, do real) que permite ter deles uma compreensão ou percepção, de serem (tendencialmente) tal qual são. (Victor Nogueira - excerto do Boletim do Núcleo Juvenil de Cinema de Évora, Janeiro 1973

quarta-feira, 20 de julho de 2016

na sé de Lisboa, entre 1997 e 1998, passando por Fernão Lopes

* Victor Nogueira

1997.09










escavações arqueológicas







1998.05


  



2013









2014.06


vista do alto do Arco da Rua Augusta


Lisboa e a Sé   foto jj castro ferreira





1383 / 1385








 A Sé num mapa do século XVI (Civitates orbis terrarum)  1598  pormenor


A sé e o Bispo de Lisboa na Crónica de D. João I, de Fernão Lopes



CAPÍTULO XII - COMO O BISPO DE LISBOA E OUTROS FORAM MORTOS E LANÇADOS DA TORRE DA SÉ ABAIXO

A cidade estava toda ocupada neste tumulto, e a multidão acompanhava o Mestre que deixava o Paço da Rainha e descia para os Paços do Almirante. Ao passarem pela Sé lembraram-se alguns de que à ida, passando por ali com Álvaro Pais, tinham gritado aos de cima que repicassem os sinos. Mas, repicando em S. Martinho e nas outras igrejas, não quiseram repicar na Sé. E souberam que o bispo estava em cima e que mandara fechar as portas sobre si.


E porque ele era castelhano disseram logo que era do partido da rainha e do conde e que fora sabedor da traição e morte que quiseram dar ao Mestre, e que por isso não repicaram. 

Assacavam-lhe estas e outras muitas suspeitas e não faltava quem as desse como certas. Ficou logo ali grande parte do povo aceso com brava sanha, para entrarem à pressa a Sé, e tomarem logo vingança do bispo.

O bispo era natural de Samora, e chamava-se D. Martinho. Sendo bispo do Algarve obtivera o bispado de Lisboa por via de Gonçalo Vasques, licenciado em Direito Canónico, que lho ganhou do papa Clemente, para haver o priorado de Guimarães. Este bispo era grande letrado e bom eclesiástico, e regia muito bem a sua igreja, morando por cima do claustro dela para continuadamente vir às horas e ofícios divinos, e ali tinha a intenção de mandar fazer casas para morarem todos os cónegos, para mais facilmente poderem fazer o seu serviço.

E estando ele naquele dia comendo com o prior de Guimarães -que havia mais de um ano que não via - ouviram grande tumulto no Paço da Rainha, que era ali perto, e carpidos de mulheres, com grandes vozes de gente pelas ruas à volta, bradando todos que matavam o Mestre. O bispo ouvindo tamanho tumulto, e que cada vez era maior, bem cuidou que não era caso leve. E para se acautelar contra qualquer eventualidade deixou a mesa a que estava e desceu por uma escada ao claustro, ele e o prior de Guimarães, e um tabelião de Silves que chegara Asse dia pára trabalhar com ele.

Com estes dois convidados e alguns homens seus se foi o bispo à mais alta torre da Sé, onde estão os sinos, mandando primeiro fechar por dentro todas as portas da igreja. E quando Álvaro Pais por ali passou à ida bradaram 200 aos de cima, como dissemos, que repicassem. 0 homem bom não sabia que tumulto era aquele. E, além disso, como dar ao sino em tal igreja daria lugar a grande alvoroço na cidade, teve muita dúvida em o fazer.

Eles, quando viram que não tinham repicado na Sé e que o bispo daquela maneira estava na torre, as portas da igreja fortemente fechadas, e que as não podiam tão depressa quebrar, obtiveram escadas e entraram por uma janela, e muito à pressa foram as portas abertas. Entraram então quantos quiseram, porém muito poucos em comparação com os que estavam de fora. E a comum voz de todos era que fossem acima ver quem estava na torre e porque não repicara como nas outras igrejas, e que se fosse o bispo que o deitassem abaixo.

Silvestre Estevens, homem honrado, procurador da cidade, e o alcaide pequeno dela e outros subiram por uma estreita escada de caracol, pela qual não cabia mais que um atrás de outro nem podia ninguém entrar na torre enquanto de cima a quisessem defender.

O bispo, vendo como era castelhano e de nação contrária a eles, receava muito em tal ajuntamento, o que toda a pessoa sensata deve recear, e não lhes dava lugar a que entrassem. Porém, vendo-se sem culpa, e além disso pessoa tal e eclesiástica, dando-lhe os outros seguro a ele e aos que com ele estavam, deixou-os entrar. E, perguntando-lhe porque não mandara dar ao sino, pois aquelas gentes bradavam que repicassem, ele se desculpou por suas mansas e boas razões, de jeito que todos foram satisfeitos.

A cega sanha, que em tais feitos a nenhuma cousa atende, começou a arder tanto nos entendimentos do povo que estava à porta principal da igreja que começaram a bradar altas vozes perguntando aos de cima que estavam fazendo que não deitavam o bispo abaixo. E diziam:

- Guardai-vos, não vamos nós lá. Porque se nós lá vamos todos vós haveis de vir abaixo com ele.



Os de cima, que não tinham vontade de lhe fazer mal nem contrariedade, era-lhes muito pesado fazê-lo, à uma por ser bispo, e mais seu prelado, depois pelo seguro que lhe tinham dado. E não sabiam que fizessem.



A sanha apressava os corações de todos, e com ira grande começaram de bradar, olhando todos para cima e dizendo:

-Que demora é essa que lá fazeis, que não deitais esse traidor abaixo? E como? Já vos tornastes castelhanos como ele? Pagou-vos para não o atirardes e entendestes-vos com ele?

Então começaram todos a jurar que se não atiravam o bispo, iriam lá acima e então viriam todos abaixo. E, porquanto todo o temor é justo quando um homem está em perigo de morte ou perto disso, tiveram disto os de cima tão grande receio que logo o bispo foi morto com golpes e atirado à pressa abaixo, onde lhe foram dados outros muitos golpes -como se ganhassem perdões -, que sua carne já pouco sentia.

Ali o desnudaram de toda a vestimenta, dando-lhe pedradas com muitos e feios doestos, até que se enfadaram dele os homens e os garotos. E foi roubado de quanto tinha.

Semelhantemente foi atirado abaixo aquele prior de Guimarães, seu convidado, porque um escudeiro que lhe queria mal, subindo acima com os do concelho, viu ocasião azada para o matar, e, buscando-o pela torre, achou-o escondido e matou-o. E, não tendo ninguém sentido da morte dele, porque estava com o bispo, nem havendo quem o levasse dali, deitaram-no da torre abaixo.

O coitado do tabelião, que tinha tão pouca culpa como os outros, começaram a trazê-lo para baixo e a insultá-lo e empuxá-lo, dizendo que ele, que estava com o bispo, bem sabia parte daquela traição. Começaram a dar-lhe punhadas. Depois feriram-no e mataram-no.

E assim morreram todos três e outros fugiram. E jazeram ali aquele dia e a noite o prior e o tabelião.


E logo nesse dia algumas pessoas refeces lançaram ao bispo, que jazia nu, um baraço nas pernas, e chamando muitos garotos que o arrastassem ia um rústico adiante bradando:



-Justiça que manda fazer nosso senhor o papa Urbano VI neste traidor cismático castelhano, porque não estava com a Santa Igreja.

E assim o arrastaram pela cidade, com as vergonhosas partes descobertas, e o levaram ao Rossio onde o começaram a comer os cães, que ninguém o ousava enterrar. E, sendo já muito comido, enterraram-no ao outro dia ali no Rossio. E os outros dois foram depois enterrados, para tirarem o fedor diante de suas vistas.

E, posto que a algumas pessoas tais cousas parecessem mal e desonestamente feitas, ninguém se atrevia a dizer o contrário

http://www.arqnet.pt/portal/pontosdevista/cronica.html

1911




A Sé em 1911, antes das obras de restauro nos anos 40 do séc. XX

http://monumentosdesaparecidos.blogspot.pt/2015/10/se-de-lisboa-obras-de-restauro-no-sec-xx.html


Revista Panorama - Lisboa e a Sé

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