Escrevivendo e Photoandarilhando por ali e por aqui

“O que a fotografia reproduz no infinito aconteceu apenas uma vez: ela repete mecanicamente o que não poderá nunca mais se repetir existencialmente”.(Roland Barthes)

«Todo o filme é uma construção irreal do real e isto tanto mais quanto mais "real" o cinema parecer. Por paradoxal que seja! Todo o filme, como toda a obra humana, tem significados vários, podendo ser objecto de várias leituras. O filme, como toda a realidade, não tem um único significado, antes vários, conforme quem o tenta compreender. Tal compreensão depende da experiência de cada um. É do concurso de várias experiências, das várias leituras (dum filme ou, mais amplamente, do real) que permite ter deles uma compreensão ou percepção, de serem (tendencialmente) tal qual são. (Victor Nogueira - excerto do Boletim do Núcleo Juvenil de Cinema de Évora, Janeiro 1973

domingo, 18 de abril de 2021

O Casal das Figueiras, em Setúbal

 * Victor Nogueira

Pobres e miseráveis têm por vezes divinos privilégios concomitantemente com as agruras da vida e o pão que o Diabo amassou. Como Herivelto Martins, em 1942, celebrava com o samba-canção "Ave Maria no Morro". Se Amália celebrizou "Uma casa Portuguesa", ninguém, nem mesmo Chico da Cana, o da "Cidade Rio Azul", cantou o Casal das Figueiras, morro acima e abaixo, a encosta diariamente calcorreada a pé pelos caminhos dos pescadores, homens da faina, e das mulheres-operárias, da indústria conserveira.

Encosta acima ou abaixo, a vista das famílias dos pescadores era deslumbrante, com o estuário do Sado a seus pés, embora o cómodo da burguesia e dos  patrões se localizasse na várzea, paredes meias com as quintas e laranjais.

Com o 25 de Abril e os projectos SAAL os moradores dos bairros de lata que proliferavam na periferia da cidade viram as suas condições de habitabilidade melhoradas, como os do Viso e do Casal das Figueiras. Onde já não existem as casas típicas que em 1987 fotografei no âmbito do Planeamento Urbanistíco Municipal.



rolo 79




Em 1986 / 87, no âmbito do Planeamento Urbanístico e coordenando uma equipa de inquiridores procedi à caracterização socio-económica e das aspirações, condições de vida e de habitação nos bairros de lata do Casal das Figueiras/Viso, Mal-Talhado e Humberto Delgado para realojamento, assinalando-se as desabitadas que eram logo demolidas. No Casal das Figueiras uma das barracas [uma única divisão, telhado e paredes de colmo e chão de terra batida] tinha apenas este retrato, que guardei, antes da demolição, e era testemunho de alguém que vivera muito melhor, pois tratava-se duma foto de estúdio, emoldurada, ampliada, com a marca da casa fotográfica, em relevo. Nunca descobri se era menino ou menina, pois a expressão é ambígua e nada permite concluir num ou noutro sentido.




Ave Maria do Morro - Trio de Ouro  (Herivelto,  Nilo Chagas e Dalva de Oliveira)

Avé-Maria no Morro

Barracão
De zinco, sem telhado
Sem pintura, lá no morro
Barracão é bangalô.
Lá não existe
Felicidade de arranha-céu
Pois quem mora lá no morro
Já vive pertinho do céu.
Tem alvorada, tem passarada,
Alvorecer
Sinfonia de pardais
Anunciando o anoitecer.
E o morro inteiro
No fim do dia
Reza uma prece
Ave Maria.
Ave Maria, a - a - ave
E quando o morro escurece
Eleva a Deus uma prece
Ave Maria.

VER 

Murais em Setúbal 60 - O Caminho dos Pescadores

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