Mafra e arredores
De repente, um edifício enorme, pesadão, desajeitado e quadrangular, a fachada coberta de janelas, cuja enormidade surge do contraste com a pequenez do casario circundante. O Palácio e Convento de Mafra - é dele que se trata - estava em obras, a fachada coberta de andaimes, o acesso aos claustros vedado, a visita impossibilitada pelo tardio da hora. Defronte um largo que outrora terá sido um amplo terreiro, hoje parque de estacionamento automóvel atravessado pelo trânsito. Mais além um largo arborizado, ladeado de cafés, quase todos fechados por ser feriado.
Dizem que em cada um dos torreões, nas extremas, dormiam num o Rei e noutro a Rainha. Grande trabalheira e cansaço para assegurar os deveres matrimoniais de assegurar a descendência real, mesmo que fossem bastardos dum ou doutra.
Na estrada que vem do Sobreiro, o zimbório e os torreões do Convento emergem lá longe, na paisagem, cercados de andaimes, ao pôr do Sol, num espectáculo deslumbrante que procurei fixar fotograficamente.
Na estrada para Mafra atravessa-se uma aldeia e uma ponte sobre um curso de água; lá em baixo, uma graciosa ponte de pedra, com um simples arco, curvilínea no seu pavimento e parapeitos, que presumo seja a romana que uma seta indica. (Notas de Viagem, 1997.08.15)
Pero Pinheiro
Terra de pedreiras de mármore utilizado na construção do Convento de Mafra, sujeito de várias obras de literatura, como o Memorial do Convento, de José Saramago ou um livro de BD, O Império das Almas, de Louro e Simões. (Notas de Viagem, 1997)
Cheleiros
Possui uma igreja gótica para além duma elegante ponte dum arco, lá em baixo, na ribeira de Cheleiros. (Notas de Viagem, 1997)
Sobreiro
Poucos quilómetros a noroeste de Mafra, a caminho da Ericeira, fica uma pequena aldeia, o Sobreiro. De relevante, o facto de conter em si a aldeia de João Franco, à beira da estrada. O Sobreiro nada tem de especial, a não ser as casas antigas mais pequenas do que é habitual. Um casal de velhotes, bem ataviados a caminho das Festas em Honra de S. Sebastião e N.Sra da Saúde, esclarecem-me que as casas são assim porque noutro tempo as pessoas eram pobres e não tinham posses para mais, qualquer barraco servindo para abrigar as orelhas! As ruas estão engalanadas por causa dos festejos e muitas das casas, caiadas de branco, tem barras azuis como as do Alentejo, embora dum tom mais claro. Aliás há muitas casas assim nas povoações circunvizinhas, como a da Ericeira. Nas chaminés de algumas uma cruz, uma lua deitada e uma estrela de cinco pontas. Supunha eu que se tratava da indicação da existência duma qualquer remota comunidade muçulmana e judaica, cristianizada, mas não. São apenas a marca de propriedade de João Franco, o tal da aldeia de brinquedo "encravada" na aldeia de verdade. A aldeia tem muitas casas em ruínas e outras para venda.
Uma música alegre, ao chegar pela estrada vindos de Mafra, faz-me pensar que se trata duma festa religiosa, das muitas que enxameiam o país de Norte a Sul, em Agosto. Mas embora sejam as Festas atrás referidas, de 9 a 17 de Agosto, a música provém dum conjunto de edifícios pequenos, à beira da estrada, reconhecível pela miniatura dum pequeno moinho, de velas rodando. Trata-se da aldeia de João Franco, um artesão oleiro, já velhote, agora especializado em estatuetas de barro, religiosas umas, pagãs outras, elegantes, alegres e bem humoradas.
A aldeia "preenche" duas funções: "museu", com ar de brique à braque, de instrumentos e profissões da região saloia, desaparecidos, e chamariz para a actividade comercial de João Franco, com a sua padaria de pão com chouriço e bolos, as "tascas" e restaurante de comes e bebes e loja de artesanato. Esta não comercializa as obras de João Franco, expostas num pequeno Museu e "presas" pelas ruas e recantos da "aldeia". A loja de artesanato vende artesanato produzido em série, feioso, para pequeno-burguês suburbano, proveniente de todo o país. João Franco, com lentidão, agora sem a ajuda da mulher, Helena, já falecida, satisfaz as encomendas que vai moldando na sua oficina, à vista dos inúmeros visitantes. As estátuas maiores podem custar uns 40 contos e a encomenda leva meses a satisfazer. (Lá em casa tenho uma travessa assinada pelo João Franco, possivelmente pintada por Helena Franco, comprada vai para uns quinze ou vinte anos). No "museu" assinala se a passagem do escritor brasileiro Jorge Amado e os testemunhos da sua admiração.
A aldeia em labirinto pretende preservar a memória da região saloia: o castelo, a capelinha de Santo António e as caixas das esmolas dos Santos Populares, o largo com o seu coreto, a nora e a cegonha para extraírem água do poço, e as casinhas das profissões: à entrada o moleiro, o sapateiro, o alfaiate, o barbeiro dentista, cada uma delas com os respectivos instrumentos e objectos de trabalho e adereços. Tal como outras casas, pelas ruas, como as do relojoeiro, da curandeira, do albardeiro, do boticário, do oleiro, entre outras. Uma cozinha, uma adega, onde se pode beber à borla um minúsculo copo de vinho, a escola primária, a casa da Música, um quarto de dormir, o alpendre onde se guardam as carroças de trabalho ou de passeio, a casa do cão, a casa do porco, testemunham tempos passados.
Por toda a aldeia, uma outra curiosidade: em miniaturas, como as cascatas dos Santos ou Presépios Populares, uma aldeia, a beira-mar, o campo e outros, onde correm águas e existem alguns bonecos animados: os dançarinos, a lavadeira, os lenhadores, o pescador, entre outros.
Uma das casas de banho chama-se... "Casa do Alívio", em cujo átrio existe uma colecção de penicos de cerâmica. Nas muralhas do "castelo" um sino toca mais ou menos continuamente, agitado pela pequenada, para quem também há um pequeno parque infantil junto ao edifício da "escola" primária. A música alegre e saltitante dum bailinho saloio ouve-se continuamente, numa toada em circuito fechado que o correr do tempo torna exasperante. (Notas de Viagem, 1997.08.15)
Ericeira
Viemos hoje até à Ericeira, povoação de pescadores que os veraneantes descobriram para as suas férias. Ei-los que passam vagarosamente, atravessando as ruas e os cafés, no seu jeito muito burguês. de quem nada tem para fazer. E também os bancos do largo, na conversa, que parece chilreio de pássaros. Aproveito para ir lanchando. A estrada para cá é muito estreita e cheia de curvas; os carros vêm a passo de boi. (MCG - 1973.06.16)
Domingo fomos até à Ericeira. A povoação não tem já a beleza e o pitoresco que nela se via. Prédios incaracterísticos ("É o progresso", comentava me a Irene [Pacheco]), ocupados pelos veraneantes, destroem a beleza e harmonia de que ainda vão sobrevivendo testemunhos. Café, cinema, praia, passeios, são o entretenimento dos "estrangeiros", cujo falar parecia mesmo uma chilreada no pequeno largo, cujos bancos e espaço enchiam com a sua presença. A estrada até à povoação é muito estreita e atravessa algumas povoações, todas elas vitimas do "progresso", como se o progresso fosse a construção de casas de mau-gosto atroz; havia muitos moinhos, a maioria branquinhos e funcionando, contrariamente ao que sucede no Alentejo. (1973.09.19)
No alto da falésia, foi terra de pescadores pobres, que alugam as casas no verão, para os banhistas veraneantes. Possui um pelourinho. Daqui, em 1910, partiu a família real para o exílio, após a implantação da República. O nome da povoação terá a sua origem nos ouriços que abundariam na região costeira e que figuram no brasão da vila. (Notas de Viagem, 1997)
Peniche e Cabo Carvoeiro
Peniche é uma terra de pescadores, pobre, sem monumentalidade. Situada num istmo, que outrora era uma ilha, é conhecida por ter albergado uma prisão política no regime fascista, donde se evadiram dirigentes comunistas como Dias Lourenço e Álvaro Cunhal. O actual Forte de Peniche, setecentista, é imponente. No seu interior uns edifícios brancos, recentes, albergavam as celas, agora visitáveis e constituindo um embrião dum museu da resistência ao fascismo. Para além deste existe um museu ligado ao mar, com despojos de naufrágios, conchas e rendas de Bilros, uma arte tradicional preservada pelo município, tal como sucede em Vila do Conde. No Forte existe também o Museu da resistência, pobre, com algumas celas, parlatório. Desenhos de Álvaro Cunhal e poemas e testemunhos escritos de outros presos.
De Peniche seguimos para o Cabo Carvoeiro, zona rochosa e alcantilada, com um farol e um Santuário, o da Nossa Senhora dos Remédios, com interior azulejado. As rochas dispõem-se em estratos, inclinados, formando um efeito insólito. Do alto da penedia, lá em baixo, as traineiras parecem de brinquedo. Destacado, um penedo estratificado, conhecido como Nau dos Corvos.
O Santuário, erguido num descampado ventoso, é pobre, sem monumentalidade. Defronte, um terreiro, ladeado de casas, algumas das quais serviriam para albergar os peregrinos. Para a Igreja entra-se através dum pátio murado, interior, a um nível inferior. Ao longo do caminho para o santuário encontram-se as estações da via sacra.
Baleal é uma praia e Atouguia da Baleia uma povoação com alguns monumentos, outrora porto, hoje assoreado. São nomes que lembram esses enormes cetáceos que ainda povoam os oceanos. Uma delas, não me recordo qual, andou pelos jornais aqui há uns anos devido a um serial killer português, salvo erro funcionário público, que por aqui assassinou quase toda a família. Outra povoação é Ferrel, afamada pela luta dos ecologistas contra a instalação duma central nuclear. Mas destas terras se falará adiante. (Notas de Viagem, 1997.07.07)
Consolação e Geraldes
Passamos pela Consolação já de noite e dela recordo as casas modernas e um vasto terreiro, com a igreja matriz e cruzeiro e, defronte, um forte à beira mar.
Geraldes é outra povoação por onde nos levam as deambulações nocturnas, onde se encontra a igreja de S. Sebastião e Santa Luzia, com painel de azulejos polícromo na fachada principal, representando os oragos, defronte a uma casa com escadaria exterior e varanda alpendrada. Perto, na rua do Castelo, uma casa acastelada, com ameias medievais, torre de menagem e guaritas setecentistas, ao estilo romântico da burguesia do século XIX. Nas paredes painéis de azulejos representam o milagre de D. Fuas Roupinho (Nazaré) e de santo António (?) falando aos lobos. Na mesma rua uma casa modesta tem um painel de azulejos relatando que ali nasceu o Dr. Frei João da Trindade, OFM, em homenagem prestada pelo povo da aldeia em 1944. Mais adiante, a caminho de Bernardino, uma igreja moderna.
No lugar de Bernardino, do antigo convento, hoje reformatório de rapazes ligado à agricultura, apenas entrevejo a álea que conduz à igreja, arborizada e ladeada de nichos que outrora devem ter contido imagens, mas hoje têm vasos de flores. Do convento dão-nos notícia da existência do claustro primitivo. Perto um portão de quinta ostenta uma carranca. Da toponímia regista se as
travessas dos Namorados e da Escola, o largo do Cruzeiro e a rua do Poço, com o dito à entrada.
No lugar da
Estrada existe um cruzeiro e poço, casas antigas e uma igreja moderna. (Notas de Viagem, 1998.02.23)
2 comentários:
mas já tudo funciona.
as janelas estão girissimas, parece que estão ocupadas com princesas e rainhas
é preciso fazer obras para que as coisas fiquem melhores, mesmo aos monumentos
E. disse ...
Obrigada pelo convite à vista do Kant_O_Photomático.
Não consegui deixar lá comentário, mas... Belas Imagens!
Valeu!
E.
qui 27-03-2008 23:17
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