Escrevivendo e Photoandarilhando por ali e por aqui

“O que a fotografia reproduz no infinito aconteceu apenas uma vez: ela repete mecanicamente o que não poderá nunca mais se repetir existencialmente”.(Roland Barthes)

«Todo o filme é uma construção irreal do real e isto tanto mais quanto mais "real" o cinema parecer. Por paradoxal que seja! Todo o filme, como toda a obra humana, tem significados vários, podendo ser objecto de várias leituras. O filme, como toda a realidade, não tem um único significado, antes vários, conforme quem o tenta compreender. Tal compreensão depende da experiência de cada um. É do concurso de várias experiências, das várias leituras (dum filme ou, mais amplamente, do real) que permite ter deles uma compreensão ou percepção, de serem (tendencialmente) tal qual são. (Victor Nogueira - excerto do Boletim do Núcleo Juvenil de Cinema de Évora, Janeiro 1973

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

As colónias, na Junqueira, em Lisboa

*Victor Nogueira

Na Junqueira, em Lisboa, entre Alcântara e Belém, situam-se o antigo Hospital  do Ultramar, actual Hospital Egas Moniz [que foi Prémio Nobel da Medicina em 1949], o  Instituto de Medicina Tropical, o Arquivo Histórico Ultramarino [integrado na Junta de Investigações Científicas do Ultramar, actual Instituto de Investigação Científica Tropical], o Jardim Botânico Tropical, o antigo Ministério do Ultramar e o antigo Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina [inicialmente - 1927 - Escola de Estudos Coloniais e actualmente Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas]. Também nesta zona "desembarcaram" os contentores e as bagagens dos chamados "retornados" das ex-colónias, muitos dos quais nunca  tinham estado em Portugal, por nelas terem nascido e vivido.


Acidentalmente e nesta zona, na Calçada da Boa Hora e junto ao Arquivo Histórico Ultramarino, moraram inicialmente os meus pais após o regresso de Angola provocado pela independencia das Colónias Portuguesas

Sobre o antigo Hospital do Ultramar falo nos textos a seguir transcritos:

IMPRESSÕES SOBRE AS MINHAS VINDAS AO HOSPITAL [DO ULTRAMAR]
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As obras, novo edifício, desde a antiga entrada principal até ao antigo pavilhão. As filas de espera. As precedências. Da inutilidade de ser dos primeiros, por causa das categorias. As "habilidadezinhas" para sair-se da bicha. O encontro com a enfermeira de Luanda. A história da outra vez. A história desta vez. O mano do mano (que sou eu)
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O pequeno jardim nas traseiras. A calma e o sossego, sentado num dos bancos, o chilrear dos pássaros e o ruído dos carros passando lá em baixo. O jardim é quadrangular. Três topos estão ocupados com edifícios térreos, com, inúmeras portas e alguns aparelhos de ar condicionado. No outro topo, para o qual estou voltado, avista-se, por entre os edifícios da capela e do hospital, por entre as árvores desfolhadas, a Ponte e o Cristo Rei. O jardim tem uma árvore grande, debaixo da qual escrevo, e algumas outras pequenas. Outras pequenas árvores, o relvado, a fonte, flores cor de laranja nas áleas empedradas. Aqui perto de mim um homem de chapéu e cigarro na boca, vai arrancando a erva que cresce por entre o empedrado. Trabalho lento, entremeado de conversa. O Nuno, que me cravou desenhos e agora não me larga. Deixou de ir para casa. A conversa da tia ou mãe: "De onde conheces esse senhor para estares a falar com ele?". A miúda com a cara queimada, de ar triste e casaco encarnado, que não fui capaz de acarinhar. O Nuno não me deixa escrever, empoleirado em mim, que lhe faça desenhos e faz-me inúmeras perguntas. O meu nome, porquê? Que faço ? Que são férias ? Se ando no trabalho, onde moro. Passam pessoas, que vão à Junta [médica], que caso a pessoa esteja doente (!) permite o prolongamento da licença graciosa. O sal que deitam para que a erva não cresça, mas cujo efeito dura apenas dois meses. A história de Átila, o flagelo de Deus. O tempo que se espera inutilmente. (NOT - s/ data - 1972/73 ?)
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NA SALA DE ESPERA (DO HOSPITAL DO ULTRAMAR - Sala rectangular, de paredes azuladas, com bancos ao longo das paredes e outros como o dos comboios, face a face. Nas paredes gravuras de pássaros e flores, algumas já descaídas nas molduras. As luzes estão acesas e o ar aquecido, de calorífero que se não justifica. De vez em quando as enfermeiras berram desagradavelmente, no corredor ou à porta da sala, pelo nome dos doentes. A maior parte dos "esperantes" estão com um ar cerrado, imersos nos seus pensamentos, lábios descaídos. Um ar bestialmente entediado. Algumas, poucas, conversas entre si e os seus rostos assumem uma ar mais animado. Eu cheio de calor - e hoje não trouxe gabardina - e elas, na sua maioria, em grossos e quentes casacões. Estou a ficar mais mal disposto, ansioso por pôr-me a mexer daqui para fora. Não fora preocupar-me a dormideira que se apodera do meu braço direito nestes últimos dias e punha-me a mexer. Detesto vir ao médico e ao hospital. (NOT - s/data - 1972/73 ?)
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 1 - Após o 25 de Abril de 1974 passou a designar se Hospital Egas Moniz.
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Era no Hospital do Ultramar que os funcionários do Estado e os estudantes das colónias tinham direito a assistência médica. Também consultava em Lisboa o Dr. Dinis da Gama, que fora meu médico em Luanda praticamente desde o meu nascimento. Penso que tb tinha direito a assistência médica na Casa do Povo de Évora ou similar, onde uma vez o oftalmologista - daqueles médicos do antigamente, intimidantes, arrogantes e que tratavam toda a gente por "tu" me perguntou pelos óculos que me receitara em consulta anterior Respondi-lhe que os não aviara pk não tinha dinheiro. O homem reagiu à bruta e pôs-me fora do consultório, que não estava para perder tempo com pessoas que não seguiam as suas receitas (ou algo do género). Saí e dirigi-me à enfermeira pedindo que me dissesse o nome do médico e a nova interpelação dela disse que ia participar dele. A enfermeira tentou dissuadir-me e respondi-lhe que me desse o nome do médico pois eu não tinha que aturar a arrogância e falta de educação dele. A mulher, sem mo identificar, entrou no gabinete e voltou dizendo que o senhor doutor me ia atender. E pronto, o homem fez-me os exames, receitou novos óculos, despedimo-nos e assim escapou à minha participação, tudo isto no tempo da outra senhora..



Torreão Nascente da antiga Cordoaria Nacional




o antigo "amarelo" da Carris


Hospital Egas Moniz (antigo Hospital do Ultramar)





Egas Moniz








Ponte 25 de Abril (antiga Ponte Salazar)




Capela do Hospital


Instituto de Medicina Tropical






Ponte 25 de Abril




árvore da borracha


Palácio Burnay



Ponte 25 de Abril


Garcia da Horta

Palácio Burnay (antigo ISCSPU)



Palácio Burnay, onde funcionava o Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina



os novos "amarelos" da Carris


ponte 25 de Abril




Ponte 25 de Abril e Cristo-Rei, em Almada


fotos em 2017.02.16

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