Escrevivendo e Photoandarilhando por ali e por aqui

“O que a fotografia reproduz no infinito aconteceu apenas uma vez: ela repete mecanicamente o que não poderá nunca mais se repetir existencialmente”.(Roland Barthes)

«Todo o filme é uma construção irreal do real e isto tanto mais quanto mais "real" o cinema parecer. Por paradoxal que seja! Todo o filme, como toda a obra humana, tem significados vários, podendo ser objecto de várias leituras. O filme, como toda a realidade, não tem um único significado, antes vários, conforme quem o tenta compreender. Tal compreensão depende da experiência de cada um. É do concurso de várias experiências, das várias leituras (dum filme ou, mais amplamente, do real) que permite ter deles uma compreensão ou percepção, de serem (tendencialmente) tal qual são. (Victor Nogueira - excerto do Boletim do Núcleo Juvenil de Cinema de Évora, Janeiro 1973

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

O Google virou arte

28/11/2010 - 12:15 - Atualizado em 28/11/2010 - 12:15

Parecem instantes cinematográficos, mas não são. Imagens flagradas pelas câmeras do Google Street View, e compiladas pelo artista canadense Jon Rafman, se transformam em arte 
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LAURA LOPES
O Google pode ser mais do que uma simples ferramenta online. Ao menos para o artista canadense Jon Rafman, de 29 anos, que usa os aplicativos do site para compor suas obras. Cenas ordinárias do cotidiano, flagradas pelas câmeras do Google Street View e pacientemente selecionadas por Rafman, fazem parte de seu projeto Nine Eyes – nome em alusão à câmera cheia de lentes que percorre as ruas de cidades do mundo filmando em 360º.
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Uma mulher nua em uma praia da Itália (confira galeria abaixo). Um homem armado caminha numa rua do Jaraguá, em São Paulo, enquanto policiais revistam um grupo de jovens no bairro do Ipiranga. Um casal se beija em uma rua de Paris. Parecem instantes cinematográficos, mas não são. Algumas imagens são pura poesia, outras extremamente borradas e esteticamente inferiores. "Algumas seleções fazem alusão a antigos estilos fotográficos, enquanto outras tentam incorporar a teoria estética crítica. Explorando, descobrindo ou criticando, eu presto muita atenção aos aspectos formais de cor e composição", afirma.

O projeto virtual se tornou físico, transformou-se em livro (16 Google Street Views) e foi parar em museus e galerias de arte. Agora, Nine Eyes está no New Museum, de Nova York, onde fica até 23 de janeiro. Antes, houve exibições em pequenas galerias do Brooklyn, também em Nova York, na Fotofest Gallery, em Houston, Texas, e nos festivais Ars Electronica Festival de Linz, Áustria (setembro de 2010), Breda Photo Festival, na Suíça (setembro de 2010), e no Fotografia Festival de Roma, na Itália (setembro de 2010).

A seleção de imagens de Rafman reflete a experiência moderna, os sentimentos humanos de solidão e alienação, mas também uma beleza inesperada. Caso de uma foto em que lençóis balançam ao vento, ou uma praia de areias brancas com bancos extremamente coloridos. Há flagras divertidos, de pessoas que acabaram de cair, de um cachorro urinando no muro ou de um guarda dormindo dentro de sua guarita. 
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O que motivou Rafman foi a estética "ruidosa e amadora" das imagens do Street View. "Com sua aparente neutralidade no olhar, as fotos do Street View têm uma espontaneidade livre da sensibilidade ou background de um fotógrafo", diz. O artista vê as imagens como uma representação neutra e privilegiada da realidade, arrancadas de qualquer contexto social ou geoespacial, e capazes de criar verdadeiros documentos fotográficos ao capturar fragmentos da realidade despojados de intenção cultural.

Arquivo
Bebê engatinha sozinho em frente a uma loja da Gucci: algumas imagens são inusitadas
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É um projeto que se pretende inacabado, mesmo porque o banco de imagens do Street View só tende a aumentar. Para selecionar as fotos, o artista leva em conta "o impacto da tecnologia sobre nossa consciência, a captura da dimensão moral em um mundo ambíguo, a alienação contemporânea expressa muitas vezes através da tensão entre o ideal e o real, o romântico e o irônico, e o conflito entre o passado, o presente e o futuro". 
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O processo de escolha não é fácil: exige preparo, dedicação, concentração. Segundo o artista, é um quase um estado de transe. "Muitas vezes eu pesquiso de seis a 12 horas antes de encontrar qualquer coisa, mas, em outras, eu encontro meia dúzia de fotos numa única sessão", diz. Normalmente, ele investiga lugares que visitaria na vida real, o que não impede que de vez em quando solte o ícone do Street View ao acaso, em qualquer ponto no mundo. 
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Há quem pense que, ao se apoderar de imagens criadas sem critérios estéticos, Rafman esteja se virando contra a fotografia como criação humana. Engana-se. "Eu ainda concordo que os aspectos formais de composição e de sentido ou de mensagem são importantes, mas novos desenvolvimentos tecnológicos e artísticos criam uma nova liberdade e dão uma nova energia para a fotografia", afirma. Para ele, não existe apenas uma maneira de se fazer fotos.
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O Street View não é a única plataforma para a obra de Rafman. Ele também usa o Google 3D Warehouse, um site que permite compartilhar criações em 3-D, na série Brand New Paint Job. "Eu faço download de modelos em 3-D criados por qualquer pessoa, de adolescentes que desenham o carro dos seus sonhos a arquitetos que projetam o prédio ideal", afirma. Rafman, então, aplica à superfície desses objetos tridimensionais texturas e criações de artistas famosos, como Paul Signac, Paul Klee, Miró, Edward Hopper, De Chirico e Picasso. 
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Para ele, a tecnologia só tem a incrementar a arte. É sua forma de celebrar, e ao mesmo tempo criticar, a realidade contemporânea. 
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. ele, a tecnologia só tem a incrementar a arte. É sua forma de celebrar, e ao mesmo tempo criticar, a realidade contemporânea. 

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http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI190602-15220,00.html
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