Exposição
Foi preciso uma verdadeira task-force para convencer António Barreto, de 68 anos, a publicar as suas fotografias. "Já tinha mostrado umas imagens tipo making-of do ''Portugal, Um Retrato Social'' na FNAC, mas esta é a primeira vez que tenho uma exposição como esta. Nunca pensei em mostrar as minhas fotografias. Várias pessoas me foram dizendo para o fazer, como a Mena [Maria Filomena Mónica], o meu irmão Nuno Barreto, a dona da galeria onde vou expor, Maria Libéria, até à Ângela Camilo Castelo-Branco. Se não fosse ela, talvez não houvesse livro", diz António Barreto.
Espião Voltando à história da G3. O professor universitário anda sempre com uma máquina fotográfica - como nos mostra ao tirá-la da pasta - e levou-a para Angola, nos anos 90, quando visitou Luanda com a Fundação Calouste Gulbenkian. "Fui como consultor, juntamente com o Presidente e o administrador da fundação. Visitámos os representantes do novo governo e numa das visitas fomos falar com o ministro da saúde. A conversa era sobre doenças e malária, como não percebia nada daquilo, peguei na minha máquina e fui à janela. A vista da baía de Luanda era deslumbrante. Comecei a fotografar e à segunda foto, oiço gente a berrar: ''Saí daí. Não podes fotografar.''" António Barreto guardou a máquina, mostrou as mãos vazias e afastou-se da janela. Minutos depois entram no gabinete do ministro 15 homens armados e levam-no. "Eles gritavam que eu era um fascista espião e levaram-me para um barracão, sempre com uma G3 apontada à minha cabeça e ao peito. Estavam bêbados e pediam-me o passaporte. Tirei o rolo da máquina, para lhes mostrar que já não tinha nada, mas foram 15 minutos de medo, quase a tocar o pavor." A aventura terminou quando o ministro da saúde e dez polícias entraram e convenceram os "ninjas", um grupo paramilitar da polícia angolana, que António Barreto era amigo. Esta foi a maior aventura causada pelo vício da fotografia. Ainda levou umas pedradas nos anos 70 quando tentou fotografar camponeses peruanos, que achavam que lhe António lhes ia roubar a alma, mas normalmente não é uma actividade perigosa.
Preto e branco O ex-deputado do Partido Socialista que foi ministro do Comércio e Turismo e depois da Agricultura e Pescas, gosta da straight photography, ou seja, da fotografia directa e espontânea. "Quase não faço retrato, dá muito trabalho. A pessoa tem de saber o que estamos a fazer, são precisas luzes. Gosto de fotografar à distância, a foto straight, tal e qual como as coisas estão." O sociólogo gosta de andar sozinho a fotografar, mas em Lisboa e no Porto são raras as vezes que o pode fazer sem ouvir: "Ó sô doutor, espere aí um bocadinho que vou ali buscar a minha mulher e os filhos e assim tira-nos uma fotografia a todos. Já agora, pode mandar-me para casa?" "Tenho uma cara conhecida. Fiz política há 300 anos já ninguém se lembrava de mim, mas a televisão é terrível."
Como se percebe pela exposição e pelo livro (ver caixa) , o professor universitário prefere fotografar a preto e branco porque "reduz a imagem a dois elementos essenciais: a forma e a luz". António Barreto ainda guarda as primeiras fotografias que tirou, mas que não vai mostrar nunca. Tinha 12 anos quando ganhou uma máquina no concurso do "Os Companheiros da Alegria", um concurso famoso nos anos 50. A partir daí nasceu uma relação próxima, que só se tornou um namoro sério nos anos 60. O casamento dá-se agora, com a exposição. "Tive pelo menos duas vidas, uma de académico outra de político, com regras muito diferentes. Na académica foge-se do juízo de valor, é-se independente, o contrário da política. A vida artística é diferente de tudo. Tem de se transmitir uma emoção, uma autenticidade. É mais fácil enganar na política do que na estética e na arte. Sinto que vou viver uma vida diferente das outras. Fico inquieto comigo próprio, sinto alguma insegurança. Pergunto-me se não sou um intruso." Adiantamos que não é.
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