Escrevivendo e Photoandarilhando por ali e por aqui

“O que a fotografia reproduz no infinito aconteceu apenas uma vez: ela repete mecanicamente o que não poderá nunca mais se repetir existencialmente”.(Roland Barthes)

«Todo o filme é uma construção irreal do real e isto tanto mais quanto mais "real" o cinema parecer. Por paradoxal que seja! Todo o filme, como toda a obra humana, tem significados vários, podendo ser objecto de várias leituras. O filme, como toda a realidade, não tem um único significado, antes vários, conforme quem o tenta compreender. Tal compreensão depende da experiência de cada um. É do concurso de várias experiências, das várias leituras (dum filme ou, mais amplamente, do real) que permite ter deles uma compreensão ou percepção, de serem (tendencialmente) tal qual são. (Victor Nogueira - excerto do Boletim do Núcleo Juvenil de Cinema de Évora, Janeiro 1973

domingo, 13 de junho de 2010

Steve McCurry - Maior fotógrafo vivo do planeta fala de sua vida e das imagens que fez -



CADERNO DE DOMINGO - [ 13/06 ]
Gustavo Ferrari - Redação Cruzeiro do Sul
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Notícia publicada na edição de 13/06/2010 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 2 do caderno D - o conteúdo da edição impressa na internet é atualizado diariamente após as 12h.

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  • Agência Magnum / Divulgação  
  • Steve McCurry é atualmente o principal fotógrafo da Agência Magnum, fundada pelo francês Henry Cartier-Bresson
     
Da janela de seu apartamento, localizado em Manhattan, Nova Iorque, nos Estados Unidos, Steve McCurry presenciou, a três quarteirões de distância, o símbolo do capitalismo norte-americano ruir diante dos próprios olhos. Acostumado a cobrir guerras e catástrofes naturais, o ‘papa’ do fotojornalismo da Revista National Geographic não pensou duas vezes: pegou a sua câmera e registrou o que foi sobrando das torres gêmeas. Era 11 de setembro de 2001. Era o fim do World Trade Center. “Acordei com um telefonema. Confesso que não acreditei no que via. Uma sensação horrível.”
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Membro da elitista Agência Magnum desde 1986, fundada por ninguém menos que o francês Henri Cartier-Bresson, morto em 2004, McCurry estudou cinematografia na Universidade do Estado da Pensilvânia, em 1968. No entanto, acabou se formando em artes cênicas e graduou-se em 1974. Se interessou pela fotografia quando começou a produzir imagens para um jornal de sua universidade, o The Daily Collegian.
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O americano começou a sua carreira de fotojornalista cobrindo a invasão soviética ao Afeganistão. Para isso, utilizou vestimentas típicas para se disfarçar e esconder seu equipamento. Suas imagens estavam entre as primeiras do conflito e por isso foram largamente publicadas. McCurry continuou a fotografar conflitos internacionais no Afeganistão (onde esteve mais de 30 vezes) e em outros países como Camboja, Filipinas, Líbano, além do Irã-Iraque e também no Golfo Pérsico.
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O drama humano - principal marca de seus registros em campo - chama a atenção pelo contraste de cores, ao mesmo tempo em que é carregado de sofrimento, tristeza e emoção. Capturar a essência e a condição do homem é o que McCurry busca nas imagens. Ele observa o fotografado e espera pelo momento em que “a alma da pessoa é revelada”, seja pela expressão, pelo olhar ou pelas ações.
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Além de regiões em conflito, o ‘papa’ do fotojornalismo percorreu e explorou países exóticos, que lhe renderam belas fotos, como Índia (onde esteve 90 vezes), Nepal, Vietnã, Iêmen, Camboja, Paquistão (onde morou por dois anos) e Filipinas. Mas foi com a célebre imagem da menina afegã de olhos verdes Sharbat Gula, então com 13 anos de idade, em 1984, fotografada num acampamento de refugiados em Nasir Bagh, no Paquistão, que McCurry ganhou notoriedade. A foto, capa da National Geographic, publicada em junho de 1985, rendeu-lhe fama, respeito, e mais trabalho.
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Aos 60 anos de idade e com um currículo invejável, que inclui prêmios como a Medalha de Ouro Robert Capa, o Magazine Photographer of the Year, o Oliver Rebbot e o World Press Photo, McCurry esbanja carisma e paixão pelo que faz. Humildade e técnica são duas de suas qualidades. Ele é o único fotógrafo a utilizar a última geração de filmes Kodachrome, produzido apenas no formato fotográfico 35mm, em ISO 64, cuja produção encerra-se em novembro deste ano. Devido à complexidade do processo de revelação, apenas um laboratório no mundo oferece esse tipo de serviço, o Dwayne’s Photo, em Kansas, EUA.
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Minutos antes de palestrar para um respeitável público, formado em sua maioria de fotojornalistas, no projeto Grandes Mestres da Fotografia, que lotou o auditório do Museu da Imagem e do Som (MIS), na nobre avenida Europa, coração do Jardins, São Paulo, em dia 20 de maio, - sua quarta estada em território brasileiro -, McCurry concedeu entrevista ao Cruzeiro do Sul. Assim como na palestra, falou sobre a Índia, seus desafios, sua carreira.
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O início
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“Comecei a minha carreira fotográfica na Filadélfia, Estados Unidos, trabalhando em um empresa na repartição de cartas. Tinha 19 anos e percebi que havia um mundo a ser descoberto. Me inspirei a viver na Europa durante um ano e depois quis continuar viajando. Decidi voltar à escola e fazer fotografia.”
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National Geographic
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“Fui a primeira vez para a Índia, em 1978, e trabalhei mais de 90 vezes lá. A viagem era para durar seis semanas, mas eu me entusiasmei e permaneci por dois anos. De lá fui para o Nepal e Paquistão. Quando retornei aos EUA fui para a National Geographic. Eles me deram um compromisso, pois sou uma pessoa muito insistente. No fundo, penso que ficaram com pena de mim. O meu compromisso com a National era de três meses, mas eu levei sete meses para concluir o trabalho. Foi muito difícil. O pior foi que a história nem chegou a ser publicada. Mesmo assim, o pessoal da revista fez questão de me pagar. Fiquei deprimido. O pagamento foi feito via correio. Quando abri o envelope, com o cheque, vi que havia algo errado. O acerto pelo trabalho era de US$ 3 mil, mas me enviaram US$ 30 mil, mesmo com a história não sendo publicada. Me disseram: ‘Você não quer ir para Bombai (atualmente Mombai), na Índia?’”
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Histórias da Índia
“A foto que mais me marcou foi de uma mãe junto de sua filha pedindo esmola na janela do táxi que estava, em Bombai (Mombai). Essa foi a que liderou minha carreira. Outras foram de templos religiosos. Cheguei a ficar mais de duas horas, estático, para fotografar fiéis orando em uma árvore. Em outra situação, permaneci por quatro dias em uma vila inundada, localizada em uma área suja e nojenta, em um vilarejo. Outra foto marcante foi a de um alfaiate, que voltou para ‘salvar’ a sua máquina na inundação. Ele me viu e sorriu para a câmera. Essa foto foi capa da National Geographic, em dezembro de 1984. Não me cansei de fotografar o Taj Mahal. Sempre busquei registrá-lo sob um ângulo novo, diferente. Queria mostrar como era a vida do indiano em volta do templo. Uma história que me recordo bem foi a viagem de trem atravessando a Índia, Bangladesh e o Paquistão. Queria mostrar como o trem passava rente ao Taj. Consegui enquadrar o trem e o templo no mesmo quadro. Em outra situação, no mesmo trem, consegui pegar uma foto em que a tripulação serve café da manhã pela janela de um vagão ao outro. Fiquei quatro meses nesse trem. Gosto de fotografar as pessoas dormindo em lugares variados. Fiz várias fotos assim em Calcutá. Em março deste ano fotografei um festival na Índia. Foi a maior reunião humana na história do mundo. Reuniu 20 milhões de pessoas, que chegaram durante meses para o evento. O engraçado é fotografar e não compreender os rituais, principalmente porque lá se fuma muito haxixe.”
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Marca do olhar
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"Sharbat Gula era uma menina em que a dor estava visível em seus olhos. Ela estava meio acanhada, tímida, assustada. Resolvi ficar uns cinco minutos fotografando outra refugiada, no acampamento. Fiz isso com outras pessoas. Até que consegui sua confiança. Foram horas tirando fotos naquele local. Consegui pegar a expressão que queria do rosto da jovem. Uma foto inesquecível, que fala por si. Depois que a matéria saiu na National Geographic, recebi milhares de cartas de pessoas que queriam adotá-la. Outras pessoas queriam casar com a menina. Em 2001, voltei ao Afeganistão. Queria encontrá-la novamente. Uma mulher chegou a me convencer de que ela era a pessoa da capa da revista. Depois de muito procurar, apareceu um rapaz que dizia conhecer o irmão dela. Dezessete anos depois, em 2002, finalmente encontrei Sharbat. Estava casada e com filhos. Fiz uma nova foto, que também rendeu capa da National. Uma escola foi construída às pessoas refugiadas, em homenagem a foto. Tenho uma satisfação muito grande por isso."
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Cores
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“Não sou um fotógrafo de cores. O que me interessa é registrar a vida, o drama. Se tirar as cores das minhas fotos (deixá-las preto e branco), mesmo assim elas continuarão vivas, fortes. Não gosto de fotografar em ambientes na contraluz. Gosto de fotografar o ambiente em que as cores revelam uma situação. Muitos fotógrafos trabalham em preto e branco, porque a cor, às vezes, distrai a emoção. Mas é possível fotografar e ter prazer. O fotógrafo não deve explicar a foto. Ela (a foto) deve falar por si. Se você quiser mais explicação, então deve ser escritor, não fotógrafo. Sempre sinto que posso contar a história de uma forma visível. Ninguém que chegou no nível da National Geographic precisa escrever legenda para uma foto.”
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Desafios
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“Todo dia para mim é um novo desafio. Procuro criar algo novo, trabalhar em um nova situação. Uma história tem que vir de dentro; tem que ter um significado para você. Isso é um desafio. A rota da cocaína, na Bolívia, Colômbia, é uma história impossível de ser fotografada. Um amigo tentou fazê-la, mas não conseguiu. Os próprios traficantes não acreditaram que ele era um repórter da National Geographic. Uma foto curiosa que fiz foi de um homem se esquentando do frio com fogo, dentro de um árvore. Já em Mandalay, Mianmar, fiz foto de homens equilibrando uma pedra. Nessa ocasião, chegaram a me oferecer uma cobra como alimento. Mandaram eu ao Paquistão. Lá, cheguei a ser preso duas vezes. Na primeira vez, fiquei cinco dias no cárcere. Colocaram correntes nas minhas pernas. Era proibido fotografar no local em que estava.”
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Tristes lembranças
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“Certa vez fiquei emocionado com uma criança que não conseguia caminhar de forma ereta. Ela me viu e perguntou se eu não queria tomar café na casa dela. Isso serviu de inspiração. Tratava-se de uma pessoa que nunca teve nada na vida, a não ser disposição. Eu acho que cobrir situações de miséria, em lugares onde isso aconteça, como catástrofes, é algo que o fotojornalista deve almejar, sempre. Não posso sofrer com o que vejo. Eu vejo tragédias, dramas, dores envolvendo pessoas, animais... Vejo pessoas tentando entender o que acontece, sendo que nem elas sabem o por que passam por certas situações, situações extremas. No Peru, fiz uma foto de crianças torturando um garotinho. Ele tinha até uma arma de brinquedo. Um dos trabalhos mais importantes que fiz, porém triste, foi a explosão de mais de 600 postos de óleos na Guerra do Golfo, em 1991.”
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Lição
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“Pensei como seria diferente minha vida se tivesse vindo essas vezes ao Brasil (referindo a quantidade de vezes em que esteve na Índia). Conheci o Rio de Janeiro e fiz uma lista de histórias que pretendo registrar no país. É um lugar incrível. Tem muitas paisagens, uma geografia excelente, assim como a cultura. Um lugar único, bem diferente dos outros do mundo. Minha família entende o que faço. Nunca questiona onde e quando vou, nem quando volto. Cresci numa família muito religiosa, mas o budismo me ensinou a ter compaixão, a respeitar as pessoas, a ter paz. Essa é a grande lição que aprendi.” Galerias de fotos do entrevistado podem ser conferidas em www.stevemccurry.com.
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13 de junho de 2010 | N° 16365Alerta 

ENTREVISTA

Retratos da condição humana

Steve McCurry, o fotógrafo que sensibilizou o mundo com a imagem de uma menina afegã, ensina o caminho para uma foto memorável

Em 1985, a revista National Geographic publicou na capa uma foto que mexeu com o mundo: uma refugiada afegã de 13 anos, com os cabelos cobertos por um pano velho, rosto sujo e olhos incrivelmente verdes e expressivos. Considerada uma das imagens mais marcantes do século 20, ela é de autoria do fotógrafo norte-americano Steve McCurry. Nesta entrevista, ele pontua que nem a melhor máquina, nem a melhor luz ou ângulo são suficientes para se fazer uma boa foto. É tudo uma questão de captar a essência do momento, do ser humano, ensina. Entre coberturas incríveis de guerras e prêmios internacionais, McCurry eleva o fotojornalismo à arte em seu mais puro conceito.

Pergunta – Qual é o caminho para uma foto se tornar mundialmente conhecida?

Steve McCurry –
Como em qualquer vocação, você precisa de tenacidade, perseverança e compromisso com o seu trabalho para ser um fotógrafo de sucesso. Eu acho importante a habilidade de ser capaz de isolar e reconhecer uma foto ou uma cena. Nas fotos de pessoas que fotografo, por exemplo, reconheço algo fascinante sobre a aparência daquela pessoa. Sejam seus olhos ou o jeito como está vestida. Eu procuro achar uma espécie de conexão que prenda a minha atenção.

Pergunta – Isso torna a foto especial?

McCurry –
Uma boa foto é aquela que diz algo sobre a pessoa ou a situação. Nós, de alguma forma, nos vemos nas outras pessoas, então um bom retrato também deve dizer algo sobre a condição humana. Nós vemos a emoção da pessoa que podemos relacionar – felicidade, tristeza, sofrimento. Quando o retrato não faz sucesso, é porque você não enxerga nada além dele. Você deve ser levado em alguma direção particular.

Pergunta – Qual foi o seu maior desafio profissional?

McCurry –
Foi durante a Guerra do Golfo, pelo impacto do ambiente. Não tanto pela guerra, mas pelo que sobrou do pós-batalha. Todos os poços de petróleo estavam pegando fogo. Isso era uma experiência absolutamente fora do normal, esteja você em outro planeta, num set de filmagem ou no fim do mundo. Seiscentos poços queimando. Às 11 horas da manhã, era como se fosse noite. Animais vagavam pelos campos perdidos, soldados iraquianos mortos por todos os lados. Era a visão do inferno.

Pergunta – Já passou algum tipo de situação inusitada para tirar uma boa foto?

McCurry –
Eu estava fotografando os efeitos dos foguetes e projéteis de morteiro em Cabul, no Afeganistão. De repente, um monte de foguetes começou a cair na cidade. Eu precisava achar um abrigo. O primeiro refúgio que encontrei foi o que parecia ser uma série de prédios abandonados. Entrei e me escondi. Quando vi, estava dentro de um sanatório abandonado, onde moravam vítimas de mais de uma década de guerra, soldados que perderam a sanidade mental e civis traumatizados pela indelével imagem de horror que presenciaram. Não tinha eletricidade, água potável, enfermeiras nem médicos. A maioria dos homens e mulheres ficava caminhando ou sentado o dia inteiro num estupor catatônico. Eu os fotografei, e eles pareciam completamente alheios à minha presença. Em um certo ponto, olhei para trás e um homem batia com uma pedra na cabeça de outro. Eu apenas lembro de ver uma enorme pedra de cem quilos balançando sobre a cabeça de outro homem. Nós o pegamos com dificuldade e corremos para levá-lo ao hospital.

Pergunta – É mais fácil fazer boas fotos com as câmeras digitais?

McCurry –
Uma das coisas mais interessantes da foto digital é que você é capaz de fotografar com muito pouca luz e, mesmo assim, parar uma ação, quando mesmo os filmes mais rápidos não podiam congelar a imagem tão bem. A velocidade do disparador era muito lenta, e objetos que se movem saíam borrados. Eu sempre fico atônito em poder fotografar com clareza e nitidez em condições extremas de luz baixa.

Pergunta – O que é mais importante para uma boa foto: o momento ou a condição?

McCurry –
Quando a foto é apenas baseada na preocupação da luz e da cor, não acho que vá muito longe. A cor sozinha e a estrutura não são, para mim, o que fazem a foto ser boa. Não penso muito sobre o uso da cor, a não ser quando quero suavizar uma paleta que pode estar distraindo ou chamando atenção. Eu penso que um fotógrafo precisa dizer alguma coisa sobre a pessoa: ou fornecer algum insight. Mostrar como a vida dela é diferente da minha.

Pergunta – Como foi seu primeiro contato com uma câmera fotográfica?

McCurry –
Estudei história e cinema na universidade. Eventualmente, me concentrando em fazer filmes. Durante minha busca por uma carreira no nicho de documentários, fiz aulas de belas artes na fotografia. Ao mesmo tempo, comecei a fotografar para o jornal da universidade. Era como se um novo mundo se abrisse para mim. A fotografia era um trabalho solitário, enquanto os filmes eram um esforço de equipe. Amei a ideia de poder sair por uma porta e começar um trabalho, a fotografar sem um plano particular em mente, apenas pensando e observando a vida ao que ela se revela, desde uma fascinante rachadura numa calçada ou parede a uma fotografia de uma pessoa interessante.
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Divulgação -
MARIA FERNANDA SEIXAS | Correio Braziliense
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