Escrevivendo e Photoandarilhando por ali e por aqui

“O que a fotografia reproduz no infinito aconteceu apenas uma vez: ela repete mecanicamente o que não poderá nunca mais se repetir existencialmente”.(Roland Barthes)

«Todo o filme é uma construção irreal do real e isto tanto mais quanto mais "real" o cinema parecer. Por paradoxal que seja! Todo o filme, como toda a obra humana, tem significados vários, podendo ser objecto de várias leituras. O filme, como toda a realidade, não tem um único significado, antes vários, conforme quem o tenta compreender. Tal compreensão depende da experiência de cada um. É do concurso de várias experiências, das várias leituras (dum filme ou, mais amplamente, do real) que permite ter deles uma compreensão ou percepção, de serem (tendencialmente) tal qual são. (Victor Nogueira - excerto do Boletim do Núcleo Juvenil de Cinema de Évora, Janeiro 1973

segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

Murais em Setúbal 76 - Quinta do Alves da Silva e Francisco Finuras

* Victor Nogueira

Um dos murais, dedicado a Francisco Finuras, executado por Zé Nova e João Varela, já foi objecto de publicação neste Kant_O Photomatico. O outro é mais recente e da autoria  colectiva. O primeiro mural situa-se na Praceta Francisco Finuras e o segundo na escadaria de acesso a esta a partir da Rua Luís Gonzaga do Nascimento.~Contíguo encontra-se outro mural. "O sonho de Celina", da autoria de Mariana PTKS (@soniatropicos), coadjuvada por quem no mural é registado.














fotos em 2019.08.11



Praceta Francisco Finuras (Google Earth)

«Finura (13/04/1929 a 04/09/2012), personagem real do imaginário de várias gerações de Setubalenses, ”homem de mil e um ofícios”. Nasceu em Setúbal. Considerava-se um “operário especializado em trabalhos não especializados”

Francisco Augusto da Silva Finura, mais conhecido pelo Finuras, nasceu em 1929, começando a trabalhar aos 9 anos num estabelecimento que vendia bicicletas, iniciando o seu trabalho como afinador destes veículos.

Mais tarde, segundo o seu relato durante uma entrevista, exerceu a profissão de pintor de automóveis e serralheiro também na área da indústria automóvel, salientando o facto de, então, se desenrolar a II Grande Guerra. Explica que, pela situação bélica, se dedicou à construção de veículos “gasotérmicos” que funcionavam a carvão.

Após ter exercido outras profissões, nomeadamente recauchutador e bate-chapas, voltou de novo à profissão de afinador de bicicletas, com cerca de 20 anos, foi encarregado de vendas e polidor de metais, acabando por montar um estabelecimento de venda de bicicletas.

Então foi obrigado a cumprir o serviço militar, no exército. Terminada a “tropa” voltou para o ofício de serralheiro. “Corri então várias oficinas onde exerci as mais variadíssimas profissões como: torneiro, ferreiro, mecânico, cromador, electricista, polidor de metais […], vulcanizador […]”. Em todas estas profissões adquiri bastante experiência, que me veio servir e ajudar para a minha vida mais tarde, diz-nos a dado momento.

Decidiu então montar uma serralharia sua mas esta veio a arder algum tempo mais tarde. Dedicou-se ao artesanato, montou outra oficina com um sócio e, finalmente uma fábrica de conservas de peixe. Nomeadamente pasta de peixe, as latinhas de pasta de sardinha e de atum, fabricadas por Francisco Augusto Finura).

Entretanto dedicou-se também a outras actividades. Tirou o curso de mergulhador primeiro amador e depois profissional, sendo mesmo conhecido como “Homem Rã”, tendo salvo cerca de 30 pessoas.

Colecciona moedas e cachimbos, pratica arqueologia, hipnose, telepatia, ilusionismo, retenção memorial, psicanálise, magnetismo etc., segundo sua informação. E diz-nos: “No meio do rio [Sado] há uma casa subterrada virada a sul para Alcácer. Esta casa tem riquezas profundas. Era a casa da filha de um grande imperador. As coisas estão intactas mas ainda não se conseguiu lá chegar. Sabemos estas coisas por meio de telepatia”.

A telepatia foi sempre a sua grande paixão, chegando mesmo a realizar espectáculos públicos. Foi Rei do Carnaval de Setúbal três anos seguidos (1968-1970).

Dedicou-se à prática de vários desportos como Water-Pooll, natação, remo, basquetebol, voleibol, vela, hóquei em patins, ski aquático, pesca submarina, ciclismo, luta livre e boxe.

Após falar de muitas outras actividades diz-nos ter inventado uma escala musical por números, que facilita a prática da música a pessoas que não a aprenderam, como é o seu caso.

Termina a conversa com uma expressão de tristeza e pessimismo; “O mundo é belo, viver não custa, o que custa é saber viver porque os homens são maus”.

E ainda: “Eu sou aquele homem muito grande que vive num Mundo muito pequeno”.

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A ideia teria nascido no Benjamim, um dos Cafés mais frequentados de Setúbal na década de 60 e se situava no lado norte da Avenida 5 de Outubro, um pouco antes da Praça do Quebedo.

Creio que foi já pelo ano de 1971, ou talvez 1972, que um Grupo de “habituées”, uma autêntica tertúlia em actividade permanente naquele Café, e sob a batuta dos advogados Dr.Amadeu Costa e Dr.José Carlos Sequeira Lopes, com a “orientação” do Prof.Domingos do Rosário, resolveu escrever e editar um “cartão de apresentação” do Francisco Finura.

Com circulação restrita, este cartão apresentava na primeira página, a fotografia de um Francisco Finura, todo aperaltado e “pendurado” num belo cachimbo! O lenço imaculado que lhe caía do bolso do casaco já era lendário por essa altura… A pose era a de um cinéfilo consumado!…

Nas páginas centrais, eram descritas com alguma minúcia as “profissões” e as “habilidades” do Homem por quem todos tinham muita consideração e respeito… muito embora abusassem um pouco da sua bondade!

Vale a pena passar os olhos por tudo aquilo que o Francisco Finura sabia fazer naquele auge da sua popularidade em Setúbal e que ficou escrito e “escarrachapado” no Cartão de Visita que aquela “trupe” do Benjamim resolveu escrever por ele…
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Aquela do “Operário especializado em trabalhos não especializados.” não lembrava ao diabo! Lembrou ao Dr.Amadeu Costa… Mas analisando bem as coisas, era essa mesmo a ideia que tínhamos do Francisco Finura!»

por: João de Castelo Branco

http://memoriarecenteeantiga.blogspot.pt/2007/03/francisco-finura.html
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