Escrevivendo e Photoandarilhando por ali e por aqui

“O que a fotografia reproduz no infinito aconteceu apenas uma vez: ela repete mecanicamente o que não poderá nunca mais se repetir existencialmente”.(Roland Barthes)

«Todo o filme é uma construção irreal do real e isto tanto mais quanto mais "real" o cinema parecer. Por paradoxal que seja! Todo o filme, como toda a obra humana, tem significados vários, podendo ser objecto de várias leituras. O filme, como toda a realidade, não tem um único significado, antes vários, conforme quem o tenta compreender. Tal compreensão depende da experiência de cada um. É do concurso de várias experiências, das várias leituras (dum filme ou, mais amplamente, do real) que permite ter deles uma compreensão ou percepção, de serem (tendencialmente) tal qual são. (Victor Nogueira - excerto do Boletim do Núcleo Juvenil de Cinema de Évora, Janeiro 1973

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

Tabernas e adegas

 * Victor Nogueira

A minha estada em tabernas foi sempre ocasional, salvo quando ia a Santo Amador (Moura) ou à Salvada (Beja), acompanhando os meus cunhados, o João ou o Manuel. 

.Exceptuando eu, o "mano" da cidade, toda a malta bebia vinho mas, a partir de certa altura, os meus cunhados e outros passaram a beber ... chá. 

Para alem da conversa, jogávamos às cartas, na Salvada, para grande desespero do Janicas que levava as partidas de sueca muito a sério, fazendo-me sinais que eu não decifrava malogrando as jogadas. 

Breves referências a tabernas encontram-se nas  minhas Notas e Memórias de Viagens. Relacionadas com as tabernas estão a venda de bebidas alcoólicas  e o slogan "Beber vinho é dar de comer a um milhão de portugueses", uma campanha da Junta Nacional dos Vinhos

Por isso se referem as adegas, isto é, o lugar onde o vinho é armazenado em garrafas, barris ou em barricas, mas que também pode ser vendido como se taberna fosse. Consumo de vinho que com as sopas de cavalo cansado muito embruteceram criancinhas e milhões de portugueses in illo tempore.



Quem beber vinho contribui para o pão de mais de um milhão de portugueses


Beber vinho é dar o pão a 1 milhão de portugueses














Uvas fonte de saúde e de alegria

Cartazes de Mário Costa, produzidos em 1938 para a Junta Nacional dos Vinhos

Évora - Quis saber o que eu fazia - se era escritor e já escrevera o meu livro - e não acreditava que eu vivesse do ar e do vento. Enfim, que se tivesse 25 anos como eu estava mas é em Lisboa, que isso sim! E lá se ia agitando desequilibradamente o velho (de 57 anos), num asilo, convidando me (ou convidando- se) para um copo ali na taberna, beata ao canto da boca com um grande morrão e deitando perdigotos como nuvem rota em dia de inverno. Mas nem queiras saber a insistência com que ele duvidava da ida dos homens à Lua. (MCG - 1972.10.23)


Vimieiro (Arraiolos) - Daqui a pouco tenho de ir até à venda, ponto de encontro. Não me apetece estar lá, forasteiro. Antes esta quietude, esta serenidade do entardecer. Pássaros chilreiam e dois cães param além na esquina. Não é a primeira vez que estou nesta aldeia, tão grande ou maior que a Amareleja. Estou agora a fazer inquéritos à vida das famílias. (...) [Entro na taberna]: pedra ao longo das paredes, na altura de um homem, pintada de verde, um balcão corrido azulejado da mesma cor, uma ventoinha, um televisor e um frigorífico. Prateleiras cheias de garrafas, rebuçados e tabaco. Mesas oleadas e cadeiras, tresandando e brilhando de gordura. Em pé ao balcão ou sentados às mesas, homens que não primam pela elegância no vestir, bebem o seu copito e trocam o seu dedito de conversa.  (MCG - 1973.03.16)


Igrejinha (Arraiolos) - Escrevo dum café aqui na Igrejinha, enquanto espero que o empregado me traga os comes e bebes que enganarão o estômago até à hora do jantar, em Évora. A tarde hoje está "porreirinha", mas a produtividade tem sido pouca. (..) A Igrejinha tem sido para mim uma terra "difícil". Numa venda, um velhote meio cego queria que eu o inquirisse, porque tinha muito que falar. Que nós só escolhíamos quem queríamos para falar e não quem sabia e dizia isto batendo com uma grossa bengala no chão. Tive pois que tentar desenlear os enredos de que me apercebi. Quando dei por isso estava no centro duma multidão, que na maioria me dava razão - pelo menos ali - incluindo o velhote, agora mais calmo. Eu até nem sabia que uma mulher me tinha posto na rua (segundo as conversas dela com as vizinhas) porque eu andava a querer saber da vida dela (se poupava dinheiro, onde o guardava, se fora ela que dera de mamar aos filhos, se o médico assistira ao parto...) - Tinha-la inquirido sobre a Vida da Família, cujo inquérito tem perguntas delicadas. e ela mostrara-se muito agreste e desconfiada, atitude que até compreendo, tanto mais que o marido emigrara há 15 dias. Mas depois do meu discurso as pessoas davam-me razão, que sim, que já outros tinham andado a fazer aquelas "procuras" ("A minha mulher e eu também respondemos e não tinha nada de mal, nenhuma falta de respeito" ou "Sempre há gente muito estúpida!") E assim se amainou a tempestade. 

Mas outra me esperaria, ao inquirir um taberneiro velhote que é seareiro (este ano é o último, pois aquilo não dá) Às tantas um homem com ar espertalhote (46 anos, ao que me disse) intrometeu-se na conversa, porque quisera emigrar mas não pudera por causa da idade. E vai daí gerou-se uma conversa sobre o que valia mais, se o lido (estudos) ou o corrido (prática) e, portanto, se um jovem ou um homem da idade dele ("Qual escolhia o senhor?", perguntava-me); sobre o estado da agricultura, cuja solução, para os presentes (suponho que seareiros e proprietários ou rendeiros de quintais de 0.5 a 5 ha.) era a distribuição das grandes terras por quem quisesse nelas trabalhar, completamente inconscientes de que o mundo é outro para além daquelas terras, insensível a métodos e processos de exploração agrícola ultrapassados, sem respeito pelo "corrido" doutras eras. Um outro proprietário com quem falara - esse já com propriedades maiores, estava consciente - como alguns outros - da necessidade do cooperativismo e da agricultura de grupo, da mecanização e da introdução de novas culturas e processos de cultivo, do regadio e da exploração pecuária (que não é ter meia dúzia de ovelhas e uma vaca). Mas as pessoas, segundo eles, são muito desconfiadas, pensam sempre que o vizinho o quer enganar e armam-se em "espertalhões". (Notas de Viagens 1973.03.26)


Pinhal Novo - Pelo vidro da montra do café avista-se o edifício da estação dos caminhos de ferro: conto 4 chaminés, enquanto se cruzam um miúdo de bicicleta e um tractor com atrelado. Um vasto rossio de terra batida estende-se lá fora, rodeado de casas caracteristicamente incaracterísticas. Lá ao fundo, uma mata enfezada e amarelecida. Alguns carros parados e pessoas sentadas pelos bancos. O café do leite sabe mal. No largo uma igreja por caiar, um coreto e um parque infantil, tudo com um ar desgracioso. 

Aqui no café as pessoas jogam à "batota", ali num canto, enquanto outras duas estão lendo os jornais. Um outro personagem, atarracado, de boné e óculos, vai vasculhando a carteira e lendo os papéis que dela retira. Por trás de mim ouço vozes e algaraviada, bem como os tacos batendo nas bolas de bilhar. O casaco incomoda me, pois tolhe-me os movimentos. Sinto-me encalorado. (...) São quase 17 horas e daqui a 10 minutos é o comboio. Farto-me de percorrer um Portugal desconhecido. (Notas de Viagens1974.11.28)


Lisboa - Já era tarde para jantar em Paço d'Arcos e dei uma volta, acabando por vir parar a um restaurantezeco aqui no Cais do Sodré, mesmo na rua dos bares e das prostitutas. Na cadeira ao meu lado ronrona um enorme gato. (MCG - 1975.03.25)

Amanhã regresso a Évora com o João Lucas. Vim ontem com o Viegas e a Violete; chegámos já tarde a Lisboa, onde jantei na tasca habitual lá para o Cais do Sodré, onde passeia o "bas fond" cá da cidade: prostitutas, chulos, clientes e chuis.  (MCG - 1975.06.29)


Sobreiro (Mafra) - A aldeia {de João Franco] em labirinto pretende preservar a memória da região saloia: o castelo, a capelinha de Santo António e as caixas das esmolas dos Santos Populares, o largo com o seu coreto, a nora e a cegonha para extraírem água do poço, e as casinhas das profissões: à entrada o moleiro, o sapateiro, o alfaiate, o barbeiro dentista, cada uma delas com os respectivos instrumentos e objectos de trabalho e adereços. Tal como outras casas, pelas ruas, como as do relojoeiro, da curandeira, do albardeiro, do boticário, do oleiro, entre outras. Uma cozinha, uma adega, onde se pode beber à borla um minúsculo copo de vinho, a escola primária, a casa da Música, um quarto de dormir, o alpendre onde se guardam as carroças de trabalho ou de passeio, a casa do cão, a casa do porco, testemunham tempos passados. (Notas de Viagens  1997.08.15)


Santo Amador (Moura) fica num desvio da estrada para Safara. É uma aldeia pequena, onde as casas tradicionais coexistem e vão sendo substituídas pelas "mansões" dos emigrantes. Creio que é uma terra de pequenos seareiros, com os seus cafés (tabernas), a igreja e a sociedade recreativa. Nos arredores improvisa-se um cercado para as corridas de touros, que num certo ano ruiu. As mulheres permanecem em casa, às vezes na má-língua, enquanto os homens convivem de taberna em taberna, convidando-se mutuamente para copos de vinho, chegando ao fim do dia bêbedos a casa. Depois ... os copos acabaram por ser substituídos por chávenas de chá. Ao fim do dia os cérebros teriam deixado de estar toldados, mas os nervos talvez ficassem mais á flor da pele. (Memórias de Viagem, 1997.08.20)


Samouco - A povoação parece alentejana e nela existem portões trabalhados, como se fossem de quintas, se é que o não foram, e as casas estão enfeitadas com desenhos em estuque. (...)

Caminhando pelo Largo 25 de Abril, o silêncio da noite é quebrado pelo falatório duma velha de negro a uma esquina, a mão na orelha, a cabeça inclinada ... Insólito, no largo deserto, a mulher de negro não estava louca, não, mas falava apenas pelo telemóvel ! Modernices. 

Nos muitos cafés, à noite, a freguesia era esmagadoramente masculina, talvez também operários da ponte Vasco da Gama, em construção.  (Notas de Viagem, 1998.01.09) 



Cós (Alcobaça) - A povoação possui muitos cafés e três ruas com nomes de maestros locais. No termo da povoação situa-se o degradado Solar do Outeiro, com escadaria exterior, varanda alpendrada e brasão de armas, que terá belas pinturas nas salas, condenado à demolição de acordo com notícia lida num jornal. 

Perto passa um riacho - era nesta povoação que as lavadeiras tratavam da roupa dos frades de Alcobaça - e para o centro da povoação numa antiga adega preservada está neste dia patente uma exposição de quadros variados, alguns deles interessantes. A povoação, outrora importante devido à riqueza dos campos, possui uma igreja de  Santa Eufémia, outrora ligada à Misericórdia. Do pelourinho não restam vestígios. (Notas de Viagens 1998.02.22)


Idanha a Velha -Numa taberna um velhote diz quadras “contestatárias” enquanto a dona do café lhe diz para recitar outras mais bonitas. Delas se dá exemplo:

Adeus Idanha a Velha | Duas coisas te dão graça | É o alto do castelo | O pelourinho na Praça  - Popular 
Adeus ó Idanha a Velha | Pequenina  airosa | À entrada tem um cravo | E à saída uma rosa  - Popular
Adeus ó Idanha a Velha | Que tanta nomeada tens | Que dentro de ti há dois burgueses | Que são senhores de todos os teus bens - José Bernardo (carvoeiro) (Notas  de Viagens 1998.07.13)


Beja - Taberna do Alhinho - várias fotos, com portal gótico e roupa estendida. Entre o Largo da Sé ou do Lidador e o Terreiro das Peças, encostada à muralha, situa-se a antiga Judiaria.  (Notas de Viagens 1999.02.20)


Serra do Socorro - A Capela, em obras na sequência dum incêndio, está repleta de ex-votos, tranças de cabelo e partes de corpos, em cera. Para além disto o terreiro possui as casas para os peregrinos, coreto,  loja para venda de artigos religiosos e ligados ao pagamento de promessas, para além duma taberna. Na referida loja um velhote mantém a porta aberta, para não “desiludir” os visitantes que chegam de longe. Chama-se Joaquim Correia, de Enxara do Bispo, e conta-nos da sua devoção, dos seus achaques e maleitas e das múltiplas operações cirúrgicas a que foi submetido. Em troca de duas pagelas deixamos-lhe 200 escudos, i.e, pouco menos que 1 euro! O velhote diz nos que vem para aqui com muita fé e alegria, para manter a capela aberta e “vigiada”. As festas da Senhora são a 5 de Agosto. (Notas de Viagens 1999.07.17)







Setúbal -  Taberna na Rua Fran Paxeco (2017 12)


Setúbal - Exposição O Homem e o Trabalho, precursora do Museu do Trabalho Michel Giacometti (1980)




Serpa - taberna (rolo 384 - 1999.02)


Sobreiro (Mafra) postal ilustrado




Cós (Alcobaça) - Nesta antiga adega do Mosteiro de Cós preservada funcionava na altura e creio que ainda funciona a Galeria A Dega, então com pinturas de vários autores, algumas interessantes (1998.02)


Lugar de Passos (Goios - Barcelos) - CASA DOS FERREIRAS DE PASSOS - Prensa e tanque do antigo lagar do vinho (2014)




Vila Nogueira de Azeitão - Adega José Maria da Fonseca - Rua José Augusto Coelho, N.º 11/13 




Setúbal - Adega dos Passarinhos . Rua Tenente Valadim e troço da muralha medieval, junto ao  antigo Postigo do Sapal, chamado o Buraco d'Água


Vila Real - taberna (rolo 417) 

 

Oeiras - A Taberna - Rua Cândido dos Reis 21 - Esta é a tasca que serve o bom petisco português / Aquele que apetece repetir / Sempre mais do que uma vez




(Matosinhos)




Vila do Conde -  Taverna A Badalhoca do Fredo - Rua de São Bento 29



Oeiras . Palácio do Marquês de Pombal - antigo lagar do vinho


Porto - Garrafeira do Carmo ( A catedral do vinho do Porto) - Travessa do Carmo 17 - 18 (rolo 352)


Taberna em Cuba - Baixo Alentejo  -  Amigos do Cante


memoriamedia

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