Escrevivendo e Photoandarilhando por ali e por aqui

“O que a fotografia reproduz no infinito aconteceu apenas uma vez: ela repete mecanicamente o que não poderá nunca mais se repetir existencialmente”.(Roland Barthes)

«Todo o filme é uma construção irreal do real e isto tanto mais quanto mais "real" o cinema parecer. Por paradoxal que seja! Todo o filme, como toda a obra humana, tem significados vários, podendo ser objecto de várias leituras. O filme, como toda a realidade, não tem um único significado, antes vários, conforme quem o tenta compreender. Tal compreensão depende da experiência de cada um. É do concurso de várias experiências, das várias leituras (dum filme ou, mais amplamente, do real) que permite ter deles uma compreensão ou percepção, de serem (tendencialmente) tal qual são. (Victor Nogueira - excerto do Boletim do Núcleo Juvenil de Cinema de Évora, Janeiro 1973

terça-feira, 25 de agosto de 2015

Entre o Mindelo e Vila Chã

* Victor Nogueira

Ao longo da costa e entre os rios Ave e Douro, para sul da freguesia de Azurara estão as de Árvore, Mindelo, Vila Chã e Labruge [ver mapa de localização das freguesias no final desta nota].  Azurara, defronte de Vila do Conde e na margem esquerda do Ave, é uma freguesia antiga e com alguma monumentalidade. Árvore parece-me das quatro que conheço a que mais recentemente se urbanizou, devido às praias, com malha ortogonal e edifícios de apartamentos ou vivendas com qualidade estética. Em Labruge, a mais meridional, situam-se importanes vestígios arqueológicos, como a Mamoa de Vilar ou da Ínsua, para além das ruínas dum castro, denominado Sam Payo, e azenhas, no rio Onda.

 O Mindelo tem vários lugares que o desenvolvimento urbano foi interligando numa malha contínua entre a EN 13 e a costa, ao longo da quilométrica e rectilínea Rua da Praia. Junto ao litoral é que se desenvolve o núcleo urbano mais recente, com prédios de apartamentos e vivendas mais ou menos espaçosas. Pela freguesia há núcleos rurais, casas de lavoura e caminhos vicinais, estreitos e tortuosos. Embora ainda haja campos agrícolas e de mata, a pesca e a apanha do sargaço desapareceram. Do núcleo piscatório primitivo já nada existe. Esclarece o site da CM de Vila do Conde que Mindelo era "terra de lavradores, a freguesia floresceu em número de pescadores, sendo frequentes as estreitas ligações dos agricultores com o mar. Aliás, a lavoura estava tão relacionada com a pesca que os grandes agricultores tinham casa na praia, a chamada casa do mar. "

Por Vila Chã, sem o sol para me orientar, andei uma noite e há meses perdido para encontrar o caminho para o Mindelo. Pareceu-me então uma povoação de ruas estreitas, tortuosas, sem atractivo. Depois de visitar o site da Câmara Municipal de Vila do Conde e o que nele se diz de cada uma das freguesias resolvi retornar a Vila Chã, ao fim da tarde (1). Os caminhos são estreitos, a condução perigosa pelo bater do sol nos olhos, mas acabei por desembocar junto à Doca da Pesca, defronte da qual e num painel um cartaz meio arrancado se refere às propostas eleitorais do PCP. A praia é pouco rochosa, de ondas batidas e alterosas,  coberta de sargaços,  o cheiro a maresia é intenso e no areal mistram-se pegadas humanas e das gaivotas, para além dos rastos de rodados de tractores. Varados no areal dois botes e meia dúzia de barcos de pesca, estes já não movidos à força de braços mas com motores fora de borda. A sirga dos barcos também já não é feita à força de braços ou de juntas de bois mas através dum gincho motorizado. Segundo o referido site "Vila Chã conheceu tempos áureos no que concerne à faina da pesca. Exercida por lavradores e pescadores, chegou a envolver cerca de 230 pessoas, entre homens e mulheres, mas, nos nossos dias, não se vê mais do que uma dúzia de pequenos barcos. No entanto sente-se na freguesia o cheiro a mar." Presumo que nas casas de pasto se possa saborear um bom peixe fresco. Será esta zona o chamado Lugar do Facho, "Aqui, provavelmente desde o século XVII, era usual acender fogueiras, preciosas ajudas à navegação, e que, mais tarde, deram origem à rede de faróis, símbolos da ajuda que “as gentes” de terra proporcionavam aos homens do mar." (1)

De acordo com um estudo sobre a comunidade de Vila Chã (2) "O crescimento de Vila Chã efectuou-se do interior da freguesia em direcção ao litoral. Era no interior que se localizavam as casas agrícolas detentoras de quase todo o território que compunha a povoação. Estes agricultores não se dedicavam exclusivamente ao trabalho agrícola, uma vez que possuíam pequenos barcos com os quais praticavam a pesca não muito longe da costa, mas era sobretudo a apanha do sargaço (conjunto de algas marinhas que crescem nas rochas à beira-mar) e do pilado (pequeno caranguejo que se desloca em grupo e muito mais rico em componentes minerais que as algas) que lhes ocupava o tempo dedicado à faina no mar. O sargaço e o pilado eram utilizados como fertilizantes naturais da terra, uma vez que eram ricos em azoto, cal, potássio e fósforo, o que contribuía para melhorar os rendimentos adquiridos na agricultura. Normalmente as casas agrícolas possuíam casas do mar, pois as residências ficavam longe do mar, onde eram guardados os apetrechos da pesca, o barco e o sargaço depois de seco. " E mais adiante "Com o decorrer dos anos, e no último quartel do século XIX, depois da ocupação do lugar do Facho por pescadores, verificou-se uma disponibilidade de mão-de-obra feminina que, além da ajuda nas lides do mar, se lançou na apanha do sargaço. Desta forma, os agricultores começaram a abandonar a actividade marítima dedicando-se exclusivamente às tarefas de cultivo da terra, uma vez que dispunham de grande quantidade de sargaço para fertilizante a um custo muito baixo, obtendo maiores rendimentos nas plantações e na criação de gado. Estes lavradores, nos inícios do século XX, começaram a vender as suas casas do mar existentes na Praia a pescadores."

Na estreita rua empedrada que parte do Largo da Lota e me parece ser do núcleo primitivo,  que percorro a pé, cheira apelativamente a refogados - é hora de preparar o jantar - e pelas portas abertas entrevejo o interior das casas. Nas fachadas viradas ao mar, onde bate o sol de chapa, a roupa seca em alguidares e improvisados estendais. Aquilo que suponho serem os edifícios primitivos dos pescadores, térreos ou com dois pisos, as chamadas "casas do mar", caracteriza-se pela sua estreiteza, com telhados de duas águas e grande inclinação,  Nos beirais dos telhados de alguns deles, tão imóveis que me parecem estátuas, descansam as gaivotas. 

A zona urbana e ao longo da costa parece-me mais antiga e a maioria das casas - vivendas - sem qualidade estética, mais estilo bairro clandestino suburbano.  De regresso o Mindelo e deixando Labruge para outra ocasião,  junto a um campo de milho, encontro acampado um circo pobre, o Circo da Allegria, duas ou três roulottes e algumas carrinhas. Como não vejo a tenda, devem estar aqui para banhos. Ou num intervalo entre romarias e feiras que nesta época se realizam pelo Norte acima.

A propósito de Romarias, as Festas Religiosas de S. Mamede realizam-se bienalmente em Agosto e delas dá conta este vídeo in https://www.youtube.com/watch?v=A-pZZoNjueE      

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(2)  Oliveira, Sónia - Oliveira, Isabel - Ferreira, Manuela "A Comunidade Piscatória de Vila Chã (Vila do Conde) - Cultura e Desenvolvimento" - Actas do XII Colóquio Ibérico de Geografia - 6 a 9 de Outubro 2010, Porto: Faculdade de Letras (Universidade do Porto) in http://web.letras.up.pt/xiicig/comunicacoes/63.pdf

Mindelo






Escudo de azul, banda ondada de prata e verde, acompanhada de uma graveta de ouro, dentada de prata e de um ramo de linho de ouro, florido de prata. Coroa mural de prata de três torres. Listel branco, com a legenda a negro: “MINDELO“.  (3)

Vila Chã















á esquerda o edifício do Serviço de Socorros a Náufragos e á direita a Doca da Pesca. Entre ambos casas que suponho serem das primitivas dos pescadores e os apetrechos e barcos de pesca. Em 1º plano, os sargaços. 
















Escudo de azul, barco de ouro, mastreado do mesmo, vestido de prata e realçado de negro, vogante em campanha ondada de prata e verde de três tiras; em chefe, duas espigas de milho de ouro, folhadas de prata. Coroa mural de prata de três torres. Listel branco, com a legenda a negro: «VILA CHÃ - VILA do CONDE». (3)



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(3)  in  Geo-Brasões - Brasões de Portugal ( http://saizbel.com/heraldica/kml1/1316.kml )

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