Escrevivendo e Photoandarilhando por ali e por aqui

“O que a fotografia reproduz no infinito aconteceu apenas uma vez: ela repete mecanicamente o que não poderá nunca mais se repetir existencialmente”.(Roland Barthes)

«Todo o filme é uma construção irreal do real e isto tanto mais quanto mais "real" o cinema parecer. Por paradoxal que seja! Todo o filme, como toda a obra humana, tem significados vários, podendo ser objecto de várias leituras. O filme, como toda a realidade, não tem um único significado, antes vários, conforme quem o tenta compreender. Tal compreensão depende da experiência de cada um. É do concurso de várias experiências, das várias leituras (dum filme ou, mais amplamente, do real) que permite ter deles uma compreensão ou percepção, de serem (tendencialmente) tal qual são. (Victor Nogueira - excerto do Boletim do Núcleo Juvenil de Cinema de Évora, Janeiro 1973

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Aleksandr Ródtchenko - O olhar do pioneiro da fotografia moderna


Antonio Gonçalves Filho - O Estado de S. Paulo
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Arte e política sempre foi uma dobradinha perigosa, mas, no caso do russo Aleksandr Ródtchenko (1891-1956), essa mistura teve um desdobramento explosivo. Vanguardista de primeira hora, um ano antes da Revolução Russa ele alugou uma casa vazia na Rua Petrovka, em Moscou, e organizou uma exposição futurista junto a outros artistas que ficariam famosos - Maliévitch e Tatlin, entre eles -, antes de ser chamado para o serviço militar. Após a desmobilização, em 1917, de volta a Moscou, fundou o Sindicato de Artistas Pintores, virou secretário da esquerdista Federação Jovem e começou a trabalhar numa série de composições abstratas. Tudo caminhou bem até surgir Stalin e seu realismo socialista. Mesmo com a feroz censura e perseguição do ditador aos vanguardistas, Ródtchenko sobreviveu para se tornar o maior nome da fotografia experimental russa. E é com esse título que sua obra chega ao Brasil para a primeira grande retrospectiva do fotógrafo, que será aberta nesta quinta, 4, na sede do Instituto Moreira Salles no Rio de Janeiro.
Reprodução
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Composição oblíqua de 1929, recurso usado antes por Eisenstein no filme 'O Encouraçado Potemkin'
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Os paulistanos não precisam ficar com inveja. A gigantesca mostra chega a São Paulo em fevereiro e ocupará a Pinacoteca do Estado, reunindo não só as fotos mais conhecidas de Ródtchenko como suas primeiras fotomontagens futuristas, as capas feitas para os livros do poeta e amigo Vladimir Maiakóvski (1893-1930), as colagens satíricas para revistas de arte, os projetos de cartazes para documentários de Dziga Vertov (1896-1954) e dezenas de instantâneos registrados como fotojornalista. São imagens de tal força criativa que, quase um século depois, parecem ter sido captadas ontem, como observa Olga Svíblova, curadora da mostra e diretora do Museu Casa da Fotografia de Moscou, que emprestou parte dessa valiosa coleção. A mostra tem também impressões vintage pertencentes a colecionadores particulares.
Introdutor da estética construtivista na fotografia, Ródtchenko pesquisou métodos para aplicar os princípios estéticos do movimento a essa linguagem, sendo pioneiro na composição diagonal, que confere movimento à imagem e destaca a grandiosidade das formas - objetivo, aliás, do construtivismo, que ligava a emancipação artística às transformações sociais e arquitetônicas da metrópole na nova ordem surgida com o socialismo. Na mostra há vários exemplos desse olhar positivista que, em 1943, ficaria desiludido ao ver o regime stalinista usar a arte como ferramenta política para manipular o povo. Em seu diário, nesse mesmo ano, Ródtchenko conclui ter nascido cedo ou tarde demais para ver a arte separada da política. "Eu quero levar o povo à arte, não usar a arte para levá-lo a algum lugar."
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Cabe lembrar que Malevitch, que discordava de Ródtchenko sobre a instrumentalização ideológica da arte - o suprematista defendia a autonomia artística -, usou pela primeira vez o termo construtivista para definir um trabalho de Ródtchenko de 1917, justamente no ano da revolução blochevique. A poesia de Maiakóvski, marcada pela influência de Nicolai Asseiev e pelo cinema de Eisenstein - para o qual Ródtchenko desenhou cartazes - são filhos do construtivismo russo, que tentou conciliar experimentação formal com militância ideológica. O fotógrafo, por exemplo, registrou com entusiasmo as primeiras manifestações coletivas da nascente União Soviética e seguiu acompanhando a movimentação dos populares, seja nas reportagens sobre comerciantes de rua dos anos 1920 ou nos desfiles na Praça Vermelha nos anos 1930.
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A evolução do trabalho fotográfico de Ródtchenko pode ser notada claramente nos primeiros anos - das fotomontagens que serviam de ilustrações para livros dos anos 1920 (de Maiakóvski) ele passa à geometrização da paisagem nos anos 1930, fotografando monumentos e praças de Moscou numa angulação insólita, diagonal, que até hoje impressiona os fotógrafos pós-modernos. Ródtchenko, segundo Aleksandr Lavréntiev, "transformou a foto documental em arte". Esse papel de pioneiro do modernismo da ex-União Soviética nunca lhe foi negado, mas as formas de composição de Ródtchenko foram contestadas como originais em 1928, quando a revista Soviétskoe Foto insinuou que as fotos angulares dos pinheiros e sacadas de prédios feitas por ele deviam algo às experimentações do húngaro László Moholy-Nagy, na época fora da Bauhaus e editando uma revista de fotografia vanguardista, a International Revue. Moholy-Nagy jamais negou que sua principal influência fosse a escola construtivista russa.
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Ruttmann. No fim dos anos 1920, no entanto, Ródtchenko parecia mais interessado no cinema experimental de Dziga Vertov e do alemão Walter Ruttmann (1887-1941), que dirigira em 1927 o hoje clássico Berlim, Sinfonia de Uma Metrópole, um semidocumentário sem narrador sobre o cotidiano da cidade alemã, francamente influenciado pela teoria da montagem eisensteiniana e simpático às classes menos favorecidas. Tanto é verdade que as fotos do período que integram a retrospectiva são marcadas pela estética de Ruttmann, seja no enquadramento arquitetônico ou na perspectiva com que registra populares andando pelas ruas. Seguiu assim até 1933, ano em que declarou seu esgotamento formal.
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Dois momentos em particular devem atrair os visitantes da mostra. O primeiro mostra a foto da mãe do artista em 1924, em que metade do enquadramento destaca um lenço de cabeça e outra metade um par de óculos dobrado - lavadeira, ela começou a ler em idade avançada. No mesmo ano ele registrou várias imagens do amigo Maiakóvski contra a parede de seu laboratório. São as fotos mais conhecidas do poeta e revelam uma sintonia perfeita entre os amigos, tanto pela simplicidade da composição - não há artifícios - como pelo despojamento do cenário. Como se vê, modernidade era mesmo com Ródtchenko.
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Ródtchenko: Revolução na Fotografia
Instituto Moreira Salles (Rio). Rua Marquês de São Vicente, 476, Gávea. Inauguração quinta, 4, às 19h30. Até janeiro de 2011. A partir de fevereiro, a mostra ocupará a Pinacoteca do Estado, em São Paulo.
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http://www.danyanovikov.narod.ru/rofo/rodlogos2.html 

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