Escrevivendo e Photoandarilhando por ali e por aqui

“O que a fotografia reproduz no infinito aconteceu apenas uma vez: ela repete mecanicamente o que não poderá nunca mais se repetir existencialmente”.(Roland Barthes)

«Todo o filme é uma construção irreal do real e isto tanto mais quanto mais "real" o cinema parecer. Por paradoxal que seja! Todo o filme, como toda a obra humana, tem significados vários, podendo ser objecto de várias leituras. O filme, como toda a realidade, não tem um único significado, antes vários, conforme quem o tenta compreender. Tal compreensão depende da experiência de cada um. É do concurso de várias experiências, das várias leituras (dum filme ou, mais amplamente, do real) que permite ter deles uma compreensão ou percepção, de serem (tendencialmente) tal qual são. (Victor Nogueira - excerto do Boletim do Núcleo Juvenil de Cinema de Évora, Janeiro 1973

sábado, 26 de setembro de 2015

o milho verde e a desfolhada portuguesa

* Victor Nogueira


Logo de manhãzinha oiço uma barulheira inabitual, assomo à varanda e passam tractores puxando enormes atrelados, saindo dum terreno contíguo. Vou às traseiras do quintal e assisto à apanha do milho, segado pelas ceifeiras-debulhadoras, transformado em grão e despejado num atrelado que caminha paralelo. Enchido este, outro lhe ocupa o lugar, numa faina ininterrupta e barulhenta. Pouco depois uma pequena empilhadora apanha o pouco restolho e em menos de duas horas o vasto campo está completamente "limpo", sem que ocorram as desfolhadas de outrora de que se fala no final deste post, após o registo fotográfico. O dia está de neblina, húmido e não soalheiro.


  



  
   





  
  

  












VER TAMBÉM   

A DESFOLHADA DO MILHO (1)

A desfolhada do milho é uma tradição que já perdeu alguns rituais de outrora, mas ainda permanece bem viva no quotidiano anual da aldeia.

A sementeira do milho é feita nos princípios de Maio. Quando o milho já é uma plantinha verde, o terreno é sachado para tirar as ervas daninhas. Estas já são raras devido aos produtos químicos lançados no solo. É nesta época que, vezes sem conta, os agricultores vão buscar as águas das represas. Quando o milho cresce, é-lhe cortado a bandeira que servirá de alimento aos animais. 

[Em Junho, começam as regas. Quando o milho cresce e que a espiga já começa a estar criada, cortam-se a canas, ou seja a parte que fica a seguir à espiga, que é um óptimo alimento para o gado]. Em meados de Setembro, princípios de Outubro, as espigas são colhidas. É aqui que a velha tela da tradição das desfolhadas é bem revivida como nos tempos de antigamente.

De dia, o milho é retirado dos campos e transportado, em gigas à cabeça, ou em tractores, para a eira ou a casa do lavrador. Antigamente eram utilizados os carros de bois. À noite, juntam-se os amigos, os vizinhos e os familiares para se ajudarem uns aos outros como forma de troca de trabalho. As espigas são desfolhadas, uma a uma, sendo amontoadas umas sob as outras em gigas. As gigas cheias são esvaziadas no canastro/espigueiro. Os adultos, pela noite dentro, vão contando histórias e as crianças brincando.

Antigamente a desfolhada terminava sempre com comes-e-bebes ao som de algumas canções populares. Não faltavam os petiscos gastronómicos, como a regueifa doce, as azeitonas e o vinho, que acalentava a alma de todos os que ajudassem como forma de agradecimento e de convívio. 

Actualmente, já são poucas as pessoas que retribuem alguns comes-e-bebes, é uma "pena". São estes belos e pequenos momentos, entre muitos outros, que tornam a vida repleta de alegria. Fazem-nos perceber de como os nossos antepassados, em tempos de trabalhos árduos e de fome, eram tão alegres e não se esmoreciam perante os trabalhos árduos.

Até 15 anos atrás, tinha-se também como ritual a descoberta do “milho rei”. Os mais jovens tinham sempre a esperança de encontrar milho-rei ou rainha (uma espiga vermelha) para poderem dar um beijo ou um abraço a um rapaz ou uma rapariga da qual gostassem. [Esta era uma oportunidade única para se aproximar fisicamente das raparigas , das namoradas, até das noivas porque, na época, as convenções sociais eram muitas e a vigilância por parte dos pais era muito apertada]Por outro lado, as pessoas também contam uma outra versão: quem encontrasse o milho-rei ou rainha teria que dar um abraço à pessoa que estivesse a seu lado. Quando aparecesse uma espiga sem milho significava dar um beliscão.

Actualmente o milho-rei ou rainha já não aparecem com tanta frequência, e quando aparecem, normalmente, chama-se uma criança e ela dá o beijo ou beliscão a uma pessoa.

Outrora, eram nas desfolhadas que se começavam muitos namoros. Os rapazes vinham das aldeias vizinhas e lá lançavam o seu charme a uma donzela de seu interesse. Neste cenário também surgia uma personagem chamada de curandeiro. Tratava-se de uma pessoa que aparecia no escuro sem que ninguém o visse e começava a proclamar sons e frases criticas.

(1)




Milho Verde - José Afonso


Desfolhada portuguesa, de Ary dos Santos por Simone de Oliveira



Romeiros - Ourém  - Grupo de música tradicional prtuguesa

"O milho da nossa terra" - Música e letra tradicionais



1. Milho Verde


Milho verde, milho verde

Ai milho verde, milho verde

Ai milho verde maçaroca



À sombra do milho verde

Ai à sombra do milho verde

Ai namorei uma cachopa

Milho verde, milho verde
Ai milho verde, milho verde
Ai milho verde miudinho

À sombra do milho verde
Ai à sombra do milho verde
Ai namorei um rapazinho

Milho verde, milho verde
Ai milho verde, milho verde
Ai milho verde folha larga

À sombra do milho verde
Ai à sombra do milho verde
Ai namorei uma casada

Mondadeiras do meu milho
Ai mondadeiras do meu milho
Ai mondai o meu milho bem

Não olheis para o caminho
Ai não olheis para o caminho
Ai que a merenda já lá vem


Letra e Música: Música Tradicional de Malpica, Beira Baixa, José Mário Branco e José Afonso
Álbum: Cantigas do Maio (1971)


2. Desfolhada Portuguesa (Ary dos Santos)

Corpo de linho
lábios de mosto
meu corpo lindo
meu fogo posto.
Eira de milho
luar de Agosto
quem faz um filho
fá-lo por gosto.
É milho-rei
milho vermelho
cravo de carne
bago de amor
filho de um rei
que sendo velho
volta a nascer
quando há calor.

Minha palavra dita à luz do sol nascente
meu madrigal de madrugada
amor amor amor amor amor presente
em cada espiga desfolhada.

Minha raiz de pinho verde
meu céu azul tocando a serra
oh minha mágoa e minha sede
oh mar ao sul da minha terra.

É trigo loiro
é além tejo
o meu país
neste momento
o sol o queima
o vento o beija
seara louca em movimento.

Minha palavra dita à luz do sol nascente
meu madrigal de madrugada
amor amor amor amor amor presente
em cada espiga desfolhada.

Olhos de amêndoa
cisterna escura
onde se alpendra
a desventura.
Moira escondida
moira encantada
lenda perdida
lenda encontrada.
Oh minha terra
minha aventura
casca de noz
desamparada.
Oh minha terra
minha lonjura
por mim perdida
por mim achada.

Simone de Oliveira interpreta "Desfolhada" no Festival RTP 1969, classificando-se em 1º lugar com 94 pontos.

3,
Milho verde, milho verde  
Ai milho verde, milho verde 
Ai milho verde, maçaroca.
À sombra do milho verde
Ai à sombra do milho verde
Ai namorei uma cachopa

.
Milho verde, milho verde
Ai milho verde, milho verde
Ai milho verde, miudinho
À sombra do milho verde
Ai à sombra do milho verde
Ai namorei um rapazinho
.
Mondadeiras do meu milho
Ai mondadeiras do meu milho
Ai mondai o meu milho bem
Não olhais para o caminho
Ai Não olhais para o caminho
Pois a merenda já lá vêm
.
O milho da nossa terra,
ai, o milho da nossa terra,
é tratado com carinho.
É a riqueza do povo,
ai, é a riqueza do povo,
é o pão dos pobrezinhos.




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