Escrevivendo e Photoandarilhando por ali e por aqui

“O que a fotografia reproduz no infinito aconteceu apenas uma vez: ela repete mecanicamente o que não poderá nunca mais se repetir existencialmente”.(Roland Barthes)

«Todo o filme é uma construção irreal do real e isto tanto mais quanto mais "real" o cinema parecer. Por paradoxal que seja! Todo o filme, como toda a obra humana, tem significados vários, podendo ser objecto de várias leituras. O filme, como toda a realidade, não tem um único significado, antes vários, conforme quem o tenta compreender. Tal compreensão depende da experiência de cada um. É do concurso de várias experiências, das várias leituras (dum filme ou, mais amplamente, do real) que permite ter deles uma compreensão ou percepção, de serem (tendencialmente) tal qual são. (Victor Nogueira - excerto do Boletim do Núcleo Juvenil de Cinema de Évora, Janeiro 1973

segunda-feira, 4 de julho de 2022

Sic transita gloria mundi - de novo o Palácio dos Arciprestes, em Setúbal

 * Victor Nogueira

Nas últimas semanas tenho passado frequentemente junto do Palácio dos Arciprestes, na estrada a caminho de Palmela, ali junto aos semáforos e ao que foi a Quinta da Varzinha e dum encantador chalet, hoje escritório de comércio de automóveis. Uma tarde destas apercebi-me da montagem duma estrutura em metal, para o que presumo seja um reaproveitamentos das paredes exteriores que não ruíram, estrutura essa que inclui as três águas furtadas que figuram numa antiquíssima foto minha. Estas são as minhas fotos, que há dias registaram o facto. Segue-se um texto de Rui Canas Gaspar, narrador de  coisas, gentes e factos de Setúbal cuja obra tenho adquirido ao longo dos tempos e lido com interesse.











Fotos em 2022 06 26

«Setúbal na História ou histórias de Setúbal (230), por Rui Canas Gaspar 

Estão a decorrer obras de restauro no Palácio dos Aciprestes, à entrada de Setúbal 

A propriedade teria pertencido à Ordem de Cavalaria de Santiago da Espada, que a alienou no distante ano de 1597, numa época em que ainda demandavam o Sado os mais diversos barcos entre os quais as míticas caravelas usadas pelos portugueses nas descobertas de terras até então desconhecidas. 

Em 1666 Henrique Camerini um rico mercador genovês comprou a quinta a Fernão Teles de Menezes, um fidalgo que se encontrava arruinado. Este nobre teria ficado na posse da propriedade por testamento de sua tia e mulher Ana Maria Coelho de Castro, neta do primeiro rendeiro, Jorge Coelho de Andrade, quando a propriedade ainda era pertença da Ordem de Cavalaria de Santiago da Espada. 

Durante os séculos XVII e XVIII a Casa dos Ciprestes viria a constituir a poderosa sede dos negócios e do património de uma importante família ligada ao comércio e exploração do mundialmente famoso sal de Setúbal, um produto de alta qualidade exportado para as mais diversas nações de todo o mundo. 

O fundador deste empório, o rico comerciante Henrique Camerini era casado com uma senhora flamenga de nome Margarida Cornelles e o seu enorme património estendia-se muito para além dos limites da sua propriedade em terras setubalenses. 

Camerini possuía importantes armazéns na Flandres, com um vasto stock de mercadorias em depósito em várias regiões costeiras, nomeadamente em Lisboa, Setúbal, Cádiz e naturalmente na sua Flandres natal. 

A sua mansão setubalense encontrava-se decorada com rico mobiliário, sumptuosas tapeçarias, bastantes peças de prata e naturalmente bons exemplares da pintura flamenga e francesa, para além das muitas sedas e brocados tão apreciadas sobretudo pelas senhoras da época. 

Mas, nem tudo correu de feição para o rico mercador genovês radicado em Setúbal! E, vamos lá nós saber porquê, o facto é que ele decidiu não pagar os impostos devidos a Sua Majestade por uma contribuição lançada cinco anos antes. 

Ora como com o fisco não se deve ser teimoso, pelo facto de manter a recusa de pagamento o mercador viu ser penhorada como cobrança coerciva a bela mansão e os terrenos da quinta. 

A propriedade foi vendida em hasta pública, tendo sido arrematada por Ricardo Henriques, seu genro, também ele um próspero mercador. Por incrível que pareça, na prática, o mercador genovês manteve a sua teimosia, a dívida ficou saldada, e a propriedade continuou na posse da família… »

Rui Canas Gaspar 

Excerto do livro: Histórias Coisas e Gentes de Setúbal 


VER  Sic transit, gloria Mundi - o Palácio dos Arciprestes (2ª edição)

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