Escrevivendo e Photoandarilhando por ali e por aqui

“O que a fotografia reproduz no infinito aconteceu apenas uma vez: ela repete mecanicamente o que não poderá nunca mais se repetir existencialmente”.(Roland Barthes)

«Todo o filme é uma construção irreal do real e isto tanto mais quanto mais "real" o cinema parecer. Por paradoxal que seja! Todo o filme, como toda a obra humana, tem significados vários, podendo ser objecto de várias leituras. O filme, como toda a realidade, não tem um único significado, antes vários, conforme quem o tenta compreender. Tal compreensão depende da experiência de cada um. É do concurso de várias experiências, das várias leituras (dum filme ou, mais amplamente, do real) que permite ter deles uma compreensão ou percepção, de serem (tendencialmente) tal qual são. (Victor Nogueira - excerto do Boletim do Núcleo Juvenil de Cinema de Évora, Janeiro 1973

terça-feira, 10 de maio de 2016

a ribeira da ajuda e o complexo romano da Comenda

* Victor Nogueira

A tarde está soalheira, o céu azul com núvens brancas mas a brisa é fria e desagradável. O objectivo é o sítio arqueológico da Comenda, nas margens da ribeira da Ajuda, com o palacete como marca de água em realce. É maré cheia, o leito da ribeira é um lençol de água barrenta que a força da  maré enchente ou preia-mar faz refluir para montante. em ondas de espuma branca e rendilhada, de som fragoso. É impossível chegar às ruínas pelo areal e sigo por um trilho mais acima e paralelo à margem, pelo meio da vegetação luxuriante, ao longo do qual há as marcas de paseantes pouco cuidadosos: pedras onde acenderam fogueiras para cozinhar, garrafas de água ou cerveja, entre outros detritos. Numa das árvores uma corda terá servido de baloiço improvisado a crianças. 

Nada mais encontro senão o que na margem vi e prossigo até à foz, com as águas galgando em espuma por cima do murete que protege o que resta das ruínas, praticamente desaparecidas com a acção erosiva das marés e a depredação humana.  Este estabelecimento romano, revelara  a existência de estruturas de um balneário e de tanques de salga de peixe (cetárias) datando dos sécs. I e V d. C. 

Prossigo pois pelo trilho até à foz e ao  sopé do promontório no cimo do qual se encontra o palacete de Raul Lino, sobranceiro ao areal e às águas do rio Sado, com a península de Troia no horizonte Naquele lugar solitário um casal jovem fotografa. Regresso por outro trilho, cruzo-me com jovens que vão até à praia, atravesso a ponte sobre a ribeira e um  grupo de jovens armados de canas de pesca dirige-se para o Sado. 

O Parque de Merendas está deserto, algo degradado, a casa do Guarda é quase uma barraca de bairro de lata e apenas um café abarracado está aberto e sem freguesia nesta tarde primaveril.

Regresso a Setúbal em busca do Casal da Ajuda, vislumbro um cruzeiro para lá dos pilares dum portão, mas uma rede impede o acesso e já não estou em idade de acrobacias, especialmente cirandando  sózinho. Tentarei aceder às ru´nas da Igreja pela praia, quando a maré estiver baixa.

Á estação romana referem-se entre outros os arqueólogos Victor dos Santos Gonçalves (cerca de 1963) e Carlos Tavares da Silva  Deste último transcrevo o que escreveu em 2002:

"Aqui, entre o parque de merendas e a foz da ribeira da Ajuda, no talude sobranceiro a este curso de água, afloram numerosos vestígios da época romana, de que se destacam estruturas pertencentes a um balneário e a oficinas de produção de salgas de peixe. Esta ocupação humana constituía um dos núcleos do extenso complexo urbano-industrial que funcionou entre os séculos I e V d.C. na região do Baixo Sado. O que foi talvez o mais importante centro de produção de conservas de peixe do mundo romano ocidental possuía, além das fábricas de preparados piscícolas de Tróia e Setúbal – os dois aglomerados principais –, outros núcleos fabris de menores dimensões, como os da Comenda, Rasca e Creiro.

Ora, a estação arqueológica da Comenda tem vindo a ser destruída pela erosão fluvio-marinha. Todos os anos, principalmente durante o Inverno, as águas da ribeira da Ajuda e do estuário do Sado provocam o recuo do talude onde afloram as construções romanas que, deste modo, vão sendo desmanteladas. Contudo, um simples quebra-mar, com algumas dezenas de metros, seria suficiente para inverter este processo.

Hoje, ao contrário do que escrevi, algumas semanas atrás, sobre o sítio da Comenda, ouso sugerir que este arqueossítio, potenciado por um enquadramento paisagístico de excepção, seja objecto de um programa de escavações, estudo e recuperação, enquanto vertente de um plano de desenvolvimento turístico-cultural, como se espera de uma gestão territorial esclarecida e moderna." (in http://fotografiadejoaopalmela.blogs.sapo.pt/a-comenda-406895)

Os vídeos que fiz são demasiado "pesados" para poderem ser aqui publicados.




A Península e Complexo Turístico de Tróia no horizonte


Setúbal ao fundo, vendo-se as duas chaminés da Central Termo-Eléctrica



Setúbal ao fundo, vendo-se a estação elevatória da Belavista












Parque das Merendas






ruínas do sítio romano










Península de Tróia no horizonte












vestígio de fogueiras






porta do palacete da Comenda


Casal da Ajuda (?)

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