Escrevivendo e Photoandarilhando por ali e por aqui

“O que a fotografia reproduz no infinito aconteceu apenas uma vez: ela repete mecanicamente o que não poderá nunca mais se repetir existencialmente”.(Roland Barthes)

«Todo o filme é uma construção irreal do real e isto tanto mais quanto mais "real" o cinema parecer. Por paradoxal que seja! Todo o filme, como toda a obra humana, tem significados vários, podendo ser objecto de várias leituras. O filme, como toda a realidade, não tem um único significado, antes vários, conforme quem o tenta compreender. Tal compreensão depende da experiência de cada um. É do concurso de várias experiências, das várias leituras (dum filme ou, mais amplamente, do real) que permite ter deles uma compreensão ou percepção, de serem (tendencialmente) tal qual são. (Victor Nogueira - excerto do Boletim do Núcleo Juvenil de Cinema de Évora, Janeiro 1973

terça-feira, 15 de novembro de 2022

Necrópoles e túmulos (19) - Fotos de capa em 2022 11 01 / 10

 * Victor Nogueira


2022 11 01 -Foto victor nogueira - Hoje e dia de Todos os Santos, véspera de dia Finados. Mas como o feriado é a 1 de Novembro, as pessoas antecipam e é no Dia de Todos os Santos que são feitas as visitas aos cemitérios para colocar flores nas campas, jazigos e mausoléus. No 1º de Novembro, todos os finados são Santos, sejam anjos ou demónios, embora muitas vezes isto resulte apenas das diferentes perspectivas e olhares!

A cavalo no Fiesta II no regresso da estação ferroviária de Campanhã, no Porto, rumo ao Mindelo apercebi-me que a igreja do Bonfim estava aberta. Ao lado, muitas pessoas entravam e saíam do Cemitério do Prado do Repouso, onde tirei esta foto.

O dia de hoje, soalheiro com céu azul, contrastava com o de ontem, cinzentonho e chuviscoso. 


2022 11 02 - Foto victor nogueira - O Cemitério do Prado do Repouso, adjacente á Igreja do Bonfim, no Porto foi o primeiro cemitério público construído nesta cidade.

Na sequência das Revoluções Liberais do século XIX, em 1835 o Governo proibiu os sepultamentos dentro de igrejas e cemitérios privados.

Em consequência e nos terrenos da Quinta do Prado do Bispo (século XVI) foi inaugurado este Cemitério do Prado do Repouso, em 1 de Dezembro de 1839, que se distribui por vários níveis, ligados entre si por escadarias.

Nele estão sepultados personagens ilustres da política, artes e cultura. A maioria das campas, jazigos e mausoléus ostentam uma cruz.

Embora o cemitério se encontre num ponto elevado, ele está parcialmente encoberto pela Igreja de Santa Clara e do Senhor do Bonfim. construída de 1874 a 1894.

Despertou-me a atenção este mausoléu, construído num nível mais alto. Não subi a escadaria para saber quem é que deste modo se quis perpetuar tão desafogada, impositiva e sobranceiramente 


2022 11 03 - Fotos victor nogueira -Porto - cemitério de Agramonte - talhão dos soldados mortos na Grande Guerra

«É a guerra aquele monstro

(...) Começando pela desconsolação da guerra, e guerra de tantos anos, tão universal, tão interior, tão contínua: oh que temerosa desconsolação! É a guerra aquele monstro que se sustenta das fazendas, do sangue, das vidas, e quanto mais come e consome, tanto menos se farta. É a guerra aquela tempestade terrestre, que leva os campos, as casas, as vilas, os castelos, as cidades, e talvez em um momento sorve os reinos e monarquias inteiras. É a guerra aquela calamidade composta de todas as calamidades, em que não há mal algum que, ou se não padeça, ou se não tema, nem bem que seja próprio e seguro. O pai não tem seguro o filho, o rico não tem segura a fazenda, o pobre não tem seguro o seu suor, o nobre não tem segura a honra, o eclesiástico não tem segura a imunidade, o religioso não tem segura a sua cela; e até Deus nos tempos e nos sacrários não está seguro. Esta era a primeira e mais viva desconsolacão que padecia Portugal no princípio deste mesmo ano.

(...) Que de tempos costuma gastar o Mundo, não digo no ajustamento de qualquer ponto de uma paz, mas só em registar e compor os cerimoniais dela! Tratados preliminares lhe chamam os políticos, mas quantos degraus se hão de subir e descer, quantas guardas se hão de romper e conquistar, antes de chegar às portas da paz, para que se fechem as de Jano? E depois de aceitas, com tanto exame de cláusulas, as plenipotências; depois de assentadas, com tantos ciúmes de autoridade, as juntas; depois de aberto o passo às que chamam conferências, e se haviam de chamar diferenças; que tempos e que eternidades são necessárias para compor os intricados e porfiados combates que ali se levantam de novo? Cada proposta é um pleito, cada dúvida uma dilação, cada conveniência uma discórdia, cada razão uma dificuldade, cada interesse um impossível, cada praça uma conquista, cada capítulo e cada cláusula dele uma batalha, e mil batalhas. Em cada palmo de terra encalha a paz, em cada gota de mar se afoga, em cada átomo de ar se suspende e pára. (...)»

Pe António Vieira “Sermão Histórico e Panegírico nos Anos da Rainha D. Maria Francisca de Sabóia”
~~~~~~~~~~

Há por esse país fora muitos largos, praças, ruas ou avenidas dedicadas aos Combatentes ou Mortos da Grande Guerra e aos Heróis ou Combatentes da Guerra do Ultramar. Lembrados também em monumentos escultóricos. Aqui se coligem os textos das minhas Viagens em que tal é referido, incluindo fotografias de minha autoria.



2022 11 04 - Foto Victor Nogueira - altar da Santa Casa da Misericórdia no Cemitério de N. Sra da Piedade, em Setúbal

O cemitério da Santa Casa da Misericórdia de Setúbal foi construído fora de portas no século XVIII, na vizinhança da Igreja dos Grilos, pertencente ao Convento da Ordem de Santa Teresa dos Agostinhos Descalços (Grilos). Com a proibição dos enterramentos dentro das igrejas ou no adro destas, na sequência das Revoluções Liberais e por razões de saúde pública (sec XIX), presumo que tenha sido na cerca deste que o Cemitério de N. Sra da Piedade (ou Cemitério Velho) foi construído, delimitado a SW pela Igreja Paroquial de S. Sebastião e a SE pelo que resta dum dos baluartes setecentistas. No seu interior situava-se também, murado, o chamado Cemitério dos Ingleses, hoje com ar de abandono. de arquitectura sóbria e despojada, contrastando com o "barroquismo" dos portugueses.

Na cabeceira do que foi o Cemitério da Misericórdia - cuja entrada se faz(ia) pela Rua Santos Silva - encontra-se um altar de azulejos historiados e do cimo do baluarte existe uma esplanada em aterro com vista para a cidade e para o estuário do Sado. Já a entrada para o Cemitério dos Ingleses se faz(ia) pela Rua Francisco José Mota, ambas nas traseiras da Igreja do Grilos



2022 11 05 - Fotos victor nogueira - Os pobres seriam enterrados em valas comuns ou onde calhasse, deles restando apenas ossadas despersonalizadas. Houve p.ex em Lisboa o poço dos negros, para onde seriam lançados os cadáveres dos escravos.

As pessoas mais abonadas, nobres ou burgueses, mantinham a memória da sua existência em campas rasas, arcas tumulares ou capelas privativas, no interior das igrejas ou no exterior das mesmas.

Nesta sequência figuram a capela tumular de Garcia de Resende (Mosteiro de N. Sra do Espinheiro, em Évora), Igreja de S. Vicente (Atouguia da Baleia) e arca tumular de Vasco da Gama (Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa) 


2022 11 06 - Fotos victor nogueira - Gião (Vila do Conde) Cemitério - campas, jazigos e mausoléus

Nesta sequência figuram três concepções tumulares, desde os imponentes jazigos e mausoléus mais ou menos monumentais até simples e despojadas campas rasas, estas nos talhões mais recentemente abertos.

Em Setúbal o Cemitério da Paz, em Algeruz, inaugurado em 1975, era para ter apenas campas rasas e despojadas em campo relvado, como as que acima figuram, mas acabou por se transformar numa caótica cacofonia de estilos e representações tumulares. 


2022 11 07 - Fotos victor nogueira - necrópoles e túmulos - cemitério de Amareleja (Moura), Setúbal (Igreja de Santa Maria) e Aljubarrota (Igreja de S. Vicente)

Insólito neste cemitério de Amareleja é o facto das campas estarem dispostas em alvéolos, umas por cima das outras.

Embora na Sé de Setúbal existam várias campas rasas armoriadas sob o lajedo, mas este mausoléu está embutido numa parede.

Refiro as arcas tumulares no adro da Igreja de S. Vicente, em Aljubarrota, nas minhas Notas de Viagens, a saber:

«A Igreja de S. Vicente, modesta, com uma torre manuelina, tem dois túmulos no exterior, defronte da fachada principal. É insólita a existência destas duas arcas tumulares, qualquer delas com caveira e duas tíbias cruzadas. Insólita porque os enterramentos nas igrejas se faziam no seu interior, sob o lajedo ou em arcas tumulares em capelas próprias ou nas criptas, até que as reformas do século XIX os proibiram, o que deu então origem a levantamentos populares como os que são descritos em A Morgadinha dos Canaviais, de Júlio Dinis.

Mas voltando ao Largo da Igreja, este situa-se num dos termos da vila, com casas de um ou dois pisos, uma delas alpendrada, um cruzeiro, árvores, bancos e dois bebedoiros de pedra lavrada.

Parece um largo de aldeia, com o cri cri dos grilos abafado pela passagem veloz dos carros na estrada que liga Alcobaça à Batalha.

Neste largo, já noite adiantada, procuramos saber da vila junto de dois homens que conversam a uma esquina e que se revelam ser o pároco, pessoa simples envolta num amplo cachecol que lhe tapa meia cara até aos olhos, e outro o "senhor doutor", enfatuado, com William Beckford sempre na ponta da língua em citação.» (NOTAS DE VIAGEM, 1997.10.31) 

2022 11 08Fotos victor nogueira - necrópoles e túmulos - Alcobaça (panteão real no Mosteiro de Alcobaça), Vila do Conde (túmulo de D. Teresa Sanches, em capela privativa na Igreja do Convento de Santa Clara) e Mindelo (cemitério) 


2022 11 09 Fotos victor nogueira- cemitérios de Vendas de Azeitão, Vilar (Vila do Conde) e Vilar do Pinheiro (Vila do Conde)


2022 11 10   Fotos victor nogueira - Cemitérios de Amoreira (Alcobaça), Serra do Bouro (Caldas da Rainha) e Vilar de Mouros (Caminha)

Sem comentários: