Escrevivendo e Photoandarilhando por ali e por aqui

“O que a fotografia reproduz no infinito aconteceu apenas uma vez: ela repete mecanicamente o que não poderá nunca mais se repetir existencialmente”.(Roland Barthes)

«Todo o filme é uma construção irreal do real e isto tanto mais quanto mais "real" o cinema parecer. Por paradoxal que seja! Todo o filme, como toda a obra humana, tem significados vários, podendo ser objecto de várias leituras. O filme, como toda a realidade, não tem um único significado, antes vários, conforme quem o tenta compreender. Tal compreensão depende da experiência de cada um. É do concurso de várias experiências, das várias leituras (dum filme ou, mais amplamente, do real) que permite ter deles uma compreensão ou percepção, de serem (tendencialmente) tal qual são. (Victor Nogueira - excerto do Boletim do Núcleo Juvenil de Cinema de Évora, Janeiro 1973

segunda-feira, 21 de junho de 2021

Murais 20 - A arte urbana – o Graffiti, por Tiago Gabela

 

* Tiago Gabela, em 23.09.19

Após um período ausente, pois também mereço descansar, eis que me lembrei de escrever sobre algo de que gosto muito e que nem sempre é bem tratado – o graffiti.

É difícil definir o que é arte, e não é o objetivo desta publicação, contudo arrisco afirmar que arte está relacionada com a produção de algo que causa uma emoção a quem observa e que depois emite uma opinião com base no estilo, no material usado, entre outros elementos. De forma mais completa, e de acordo com Ferreira & Oliveira apud Júnior (2007), “arte é a transmissão de ideias, pensamentos e emoções, através de um objeto artístico, adquirida da experiência humana e que possui seu valor, no entanto, para entendê-la é necessário aprender sobre ela, seu histórico, para assim poder observar, a analisar, a refletir, a criticar e a emitir opiniões fundamentadas sobre gostos, estilos, materiais e modos diferentes de fazer arte” (p.3).

O homem, desde a pré-história, sentiu necessidade de se expressar no meio que o rodeava através de inscrições em rochas, muros e paredes, sendo exemplo disso a arte rupestre e a forma como os egípcios representavam a sua história nas paredes dos palácios e templos. Atualmente verificamos um conjunto de imagens verbais e não-verbais espalhadas pelas cidades e arredores (em locais públicos ou privados), umas mais elaboradas que outras, umas ilegais e outras legais, servindo tudo para se expressar desde muros, paredes, comboios, entre outras.

O Graffiti é característico da cultura hip-hop (agrega a expressão visual, a expressão musical e a expressão cultural) que surgiu nos bairros mais desacreditados dos Estados Unidos da América, entre o fim dos anos 60 e o início dos anos 70, do século XX, com o objetivo de promover o respeito pelo próximo e pela diferença, a solidariedade, a criatividade, entre outros.

O Graffiti pode ser definido em seis pontos-chave: “(i) a utilização do espaço público; (ii) o muro; (iii) a transgressão; (iv) o anonimato; (v) o público e (vi) a palavra/imagem” (Eugénio, 2013 apud Campos, 2010, p. 20). 

O Graffiti assumiu várias vertentes, a mais antiga é o Tag (ou Graffiti Writing) que era utilizada como demarcação do território e afirmação perante a sociedade onde era identificado o nome da pessoa e o nome da rua, associado à cultura Hip Hop. O Tag aparece na Europa nos anos oitenta do século XX e no final dessa década em Portugal. Hoje, o Tag consiste, simplesmente, na assinatura do artista, sendo pouco elaborada na forma e nas cores e as cidades encontram-se preenchidas com essas assinaturas, sendo desenvolvida mais por jovens e de forma ilegal. Eugénio (2013) refere que um writer, por constrangimentos legais preserva o seu anonimato, tem como objetivo a disseminação do seu Tag daí que use técnicas simples, o importante é que esteja espalhado por todo o lado para proporcionar ao writer reconhecimento na comunidade do Graffiti e quanto mais inacessível seja o lugar mais valor ganha (p. 28).

Outra vertente parecida com o Tag é o Bombing. É um Graffiti realizado, de forma ilegal, em grande quantidade, por vezes com recurso à tridimensionalidade, com o objetivo do writer adquirir reconhecimento e fama dentro da sua comunidade.

 Outra vertente do Graffiti consiste na realização de desenhos bastante complexos e coloridos que podem ser realizados por uma pessoa ou mais, resultando num conjunto de pinturas de vários artistas numa parede longa, normalmente uma pintura legal, a que designamos por hall of fame.

Crew é outra vertente do Graffiti que assenta em pintar em conjunto, semelhante a uma equipa, e cada crew tem uma assinatura em forma de sigla.


De salientar a vertente do Graffiti Top-to-Bottom que se refere aos graffiti realizados numa carruagem do comboio, do cimo ao fundo, e a vertente Whole Cars que são os grafites realizados, também, nos comboios, mas que ocupam toda a superfície do comboio, tanto em altura como em comprimento. O Graffiti realizado em carruagens veio atribui-lhe um novo significado, o de movimento, chegando a um maior número de pessoas. A criação das grafites nas carruagens torna-se mais perigoso que nas paredes por questões de vigilância, em que se tornam mais expostos. Ainda relacionado com os comboios de referir que os mesmos podem ser pintados em circulação, durante uma paragem de percurso ou numa estação ou apeadeiro a que se designa por Backjump.

Os graffitis são realizadas com tinta spray (aerossol) em paredes, muros, comboios, entre outros espaços. No entanto, para além do spray, são utilizados outros utensílios, formas e técnicas que permitem enriquecer as pinturas com novas formas, cores, ou seja, hoje, o Graffiti mantém as suas características iniciais mas recorre a conhecimentos da área do design, ilustração, artes plásticas, entre outras, demonstrando assim uma evolução.

 

Dos grafites recorrendo à técnica salienta-se o masterpiece (abreviado por piece) que se refere aos grafites de qualidade elevada, do ponto de vista da técnica e do estilo, em que as letras pintadas têm mais de duas cores, podendo ter mensagens ou incluir figuras, sempre assinadas pelo writer, sendo mais dispendiosas e morosas; o stencil que consiste numa técnica de criação de figuras ou letras através do recorte de vários materiais por forma a servirem de molde que posteriormente é encostado à superfície pretendida e aplicado o spray (permite a repetição e é de rápida realização); o silver consiste em letras preenchidas com cor prata, embora também usem cores metalizadas; o bubble consiste num estilo de letras bastante arredondado assemelhando-se a balões de pastilha elástica; o sticker utiliza fitas adesivas; o wild style refere-se ao estilo de letras quase ilegível, um dos primeiros estilos a surgir e a ser utilizado em grafites de elevada complexidade; o throw-up é uma forma simples de Graffiti caraterizado por um traço de contorno preenchido com preto ou branco (acrescenta-se cor), bem como um aumento significativo do tamanho das letras. 


Nos anos 80 e 90, do século XX, o Graffiti adquire uma nova designação, não desaparecendo a forma tradicional do Graffiti (Tag), post-graffiti ou street art que consiste numa progressão do Graffiti tradicional, caraterizando-se pelas transformações das letras, dos materiais e das técnicas (figuras, símbolos, abstração), embora continue sendo ilegal. Segundo Eugénio (2013) “o post-graffiti ou street art inclui intervenções como o stencil, a performance, colagem, postersstickers, escultura de baixo-relevo, pintura, mosaico, carvão, instalação, luzes, projeções, etc. Por isso, já não fazia sentido serem chamados de writers, os intervenientes adquirem a denominação de street artist ou mesmo de artista” (p.34).

Apesar de não se considerarem artistas do Graffiti marcaram a transição do Graffiti tradicional para o post-graffiti, Jean-Michel Basquiat e Keith Haring, enquanto Basquiat escrevia frases assinadas com o pseudónimo de SAMO, Haring, com formação artística, realizava desenhos (silhueta de bonecos, televisões, naves espaciais, …), a giz, nas estações do metro de Nova Iorque. Também de destacar Banksy, um street artist inglês, em que o seu trabalho é marcado por mensagens contra as políticas governativas, acompanhadas de figuras realizadas, na sua maioria, em stencil. Banksy procura tornar legível o seu trabalho sobre os problemas da sociedade, embora recorrendo ao sarcasmo, a todas as pessoas. 

Uma outra transformação no Graffiti foi a passagem das ruas para galerias ou espaços destinados à exposição de arte, em que o Graffiti deixou de se centrar no Tag e perdera a ilusão de movimento e de espontaneidade (Eugénio, 2013, apud Waclawek, 2011, p.37).

As cidades e arredores foram invadidos, num curto espaço de tempo, por pinturas, muitas vezes, indecifráveis e sem despertar a curiosidade das pessoas. O Graffiti, sobretudo o Tag ou Graffiti Writing, é considerado, pela maior parte das pessoas, como uma atividade vândala, destrutiva e ofensiva, talvez, também, por estar associado ao ilegal, realizada na calada da noite. Para Eugénio (2013), o Tag “é talvez a forma mais bruta do graffiti, a mais agressiva à vista dos transeuntes e também a menos apelativa a nível estético, e por isso mesmo é a forma que a sociedade mais encara como vandalismo” (p.27). 

Em Portugal, os primeiros indícios de Graffiti surgem, em 1970, nas paredes com mensagens políticas reivindicando a liberdade de expressão.

Os primeiros trabalhos de Graffiti surgem em 1988 e 1989, no Porto e em Lisboa, e as primeiras exposições de arte urbana surgem em 2003. Em 2008 surge, em Lisboa, a Galeria de Arte Urbana criada pelo Departamento de Património Cultural da Câmara Municipal de Lisboa com a pretensão de impulsionar a criação de arte urbana em espaços autorizados e sensibilizar a comunidade em geral para que a arte urbana, as intervenções artísticas, não sejam confundidas com atos de vandalismo.

Em Portugal existem alguns artistas cujo trabalho é reconhecido, tanto a nível nacional como internacional, como é o caso de Mr.Dheo, Hazul Luzah, Odeith, YouthOne, Bordalo II, Tinta Crua, Ram, Tamara Alves, Sphiza, Alexandre Farto, entre outros. Alexandre Farto (1987- ), vulgarmente conhecido como Vhils, dedica-se à escultura de “rostos” esculpidos em paredes. Vhils tem desenvolvido uma técnica única que consiste na utilização de explosivos, martelo pneumático e picareta, entre outros através dos quais cria “rostos” de baixo-relevo. A salientar que Vhils, atualmente, comercializa as suas obras de arte.

De realçar que, tanto a nível nacional como internacional, apesar dos incentivos, o Graffiti é realizado, na sua grande maioria, por homens, sendo poucas as mulheres que se sujeitam a um risco tão elevado quanto o é pintar em lugares de difícil acesso (linhas do metro, túneis), de forma ilegalmente, etc.

Também a frisar que no Graffiti existem regras, salienta-se o crossing ou going over de Graffiti e Street Art que significa o desrespeito de um writer para com outro/s ao utilizar o mesmo espaço sobrepondo o seu trabalho ao que já existia, mesmo que parcialmente (aplicando-se a um Toy e não por writers considerados Kings) e o biting que se refere ao plágio do estilo de um outro writer, no entanto pode ser visto como um sinal de respeito ou como forma de evolução no estilo, mas sempre condenável.

Hoje em dia, em Portugal, são representados nas ruas os mais diversos temas, não só o político como esteve associado à origem no Graffiti no nosso país, contudo o tema político ainda tem muita importância, quer como meio de propaganda política, quer como forma de representar um tema da história, como a revolução de 1974, quer como comemoração de alguma data importante.

Exemplo de um graffiti autorizado, localizado na Avenida Túlio Espanca em Évora, cujo tema é a política, realizado para comemorar os 40 anos do 25 de abril. A fotografia da direita é uma montagem de autoria própria.

De realçar que as obras de arte tendo por base o Graffiti tem como principal caraterística a efemeridade. Apresentamos como exemplo um mural, situado em Évora, que surgiu próximo da revolução de abril intitulado “a terra a quem a trabalha” e do qual já existem poucos vestígios.

 

 Fonte: a fotografia da esquerda foi retirada do site da Câmara Municipal de Évora enquanto a da direita foi retirada do facebook de António Couvinha (artista plástico).

O graffiti, hoje em dia, é uma manifestação artística, entre outras como as estátuas vivas, a escultura, o mosaico, os músicos, os malabaristas, os palhaços, o teatro, o flash mob, desenvolvida no espaço público que compõe a arte de rua e que saiu da rua para as galerias de arte, sendo que já é comercializada.

Posto isto partilho convosco alguns (dos melhores, pelo menos para mim) graffitis que fui encontrando pelos locais por onde tenho passado. As fotografias foram tiradas por mim, contudo para evitar erros de identificação (a memória já fraqueja!) apenas digo-vos que foram tiradas em Lisboa, Barreiro, Águeda, Oeiras e (talvez) Torres Vedras.



















VER  

A arte urbana – o Graffit  (Blog Vulgaris)

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