* Tiago Gabela, em 23.09.19
Após um período ausente, pois
também mereço descansar, eis que me lembrei de escrever sobre algo de que gosto
muito e que nem sempre é bem tratado – o graffiti.
É difícil definir o que é arte, e
não é o objetivo desta publicação, contudo arrisco afirmar que arte está
relacionada com a produção de algo que causa uma emoção a quem observa e que
depois emite uma opinião com base no estilo, no material usado, entre outros
elementos. De forma mais completa, e de acordo com Ferreira &
Oliveira apud Júnior
(2007), “arte é a transmissão de ideias, pensamentos e emoções, através de um
objeto artístico, adquirida da experiência humana e que possui seu valor, no
entanto, para entendê-la é necessário aprender sobre ela, seu histórico, para
assim poder observar, a analisar, a refletir, a criticar e a emitir opiniões
fundamentadas sobre gostos, estilos, materiais e modos diferentes de fazer
arte” (p.3).
O homem, desde a pré-história,
sentiu necessidade de se expressar no meio que o rodeava através de inscrições
em rochas, muros e paredes, sendo exemplo disso a arte rupestre e a forma como
os egípcios representavam a sua história nas paredes dos palácios e templos.
Atualmente verificamos um conjunto de imagens verbais e não-verbais espalhadas
pelas cidades e arredores (em locais públicos ou privados), umas mais
elaboradas que outras, umas ilegais e outras legais, servindo tudo para se
expressar desde muros, paredes, comboios, entre outras.
O Graffiti é característico da
cultura hip-hop (agrega a expressão visual, a expressão musical e a expressão
cultural) que surgiu nos bairros mais desacreditados dos Estados Unidos da
América, entre o fim dos anos 60 e o início dos anos 70, do século XX, com o
objetivo de promover o respeito pelo próximo e pela diferença, a solidariedade,
a criatividade, entre outros.
O Graffiti pode ser definido em
seis pontos-chave: “(i) a utilização do espaço público; (ii) o muro; (iii) a
transgressão; (iv) o anonimato; (v) o público e (vi) a palavra/imagem”
(Eugénio, 2013 apud Campos,
2010, p. 20).
O Graffiti assumiu várias
vertentes, a mais antiga é o Tag (ou Graffiti Writing) que era
utilizada como demarcação do território e afirmação perante a sociedade onde
era identificado o nome da pessoa e o nome da rua, associado à cultura Hip Hop.
O Tag aparece na Europa nos anos oitenta do século XX e no final dessa década
em Portugal. Hoje, o Tag consiste, simplesmente, na assinatura do artista,
sendo pouco elaborada na forma e nas cores e as cidades encontram-se
preenchidas com essas assinaturas, sendo desenvolvida mais por jovens e de
forma ilegal. Eugénio (2013) refere que um writer, por constrangimentos legais
preserva o seu anonimato, tem como objetivo a disseminação do seu Tag daí que
use técnicas simples, o importante é que esteja espalhado por todo o lado para
proporcionar ao writer reconhecimento na comunidade do Graffiti e quanto mais
inacessível seja o lugar mais valor ganha (p. 28).
Outra vertente parecida com o Tag
é o Bombing. É um Graffiti realizado, de forma ilegal, em grande
quantidade, por vezes com recurso à tridimensionalidade, com o objetivo do
writer adquirir reconhecimento e fama dentro da sua comunidade.
Outra vertente do Graffiti
consiste na realização de desenhos bastante complexos e coloridos que podem ser
realizados por uma pessoa ou mais, resultando num conjunto de pinturas de
vários artistas numa parede longa, normalmente uma pintura legal, a que
designamos por hall of fame.
Crew é outra vertente
do Graffiti que assenta em pintar em conjunto, semelhante a uma equipa, e cada
crew tem uma assinatura em forma de sigla.
Os
graffitis são realizadas com tinta spray (aerossol) em paredes, muros,
comboios, entre outros espaços. No entanto, para além do spray, são utilizados
outros utensílios, formas e técnicas que permitem enriquecer as pinturas com
novas formas, cores, ou seja, hoje, o Graffiti mantém as suas características
iniciais mas recorre a conhecimentos da área do design, ilustração, artes
plásticas, entre outras, demonstrando assim uma evolução.
Dos grafites recorrendo à técnica salienta-se o masterpiece (abreviado por piece) que se refere aos grafites de qualidade elevada, do ponto de vista da técnica e do estilo, em que as letras pintadas têm mais de duas cores, podendo ter mensagens ou incluir figuras, sempre assinadas pelo writer, sendo mais dispendiosas e morosas; o stencil que consiste numa técnica de criação de figuras ou letras através do recorte de vários materiais por forma a servirem de molde que posteriormente é encostado à superfície pretendida e aplicado o spray (permite a repetição e é de rápida realização); o silver consiste em letras preenchidas com cor prata, embora também usem cores metalizadas; o bubble consiste num estilo de letras bastante arredondado assemelhando-se a balões de pastilha elástica; o sticker utiliza fitas adesivas; o wild style refere-se ao estilo de letras quase ilegível, um dos primeiros estilos a surgir e a ser utilizado em grafites de elevada complexidade; o throw-up é uma forma simples de Graffiti caraterizado por um traço de contorno preenchido com preto ou branco (acrescenta-se cor), bem como um aumento significativo do tamanho das letras.
Nos
anos 80 e 90, do século XX, o Graffiti adquire uma nova designação, não desaparecendo
a forma tradicional do Graffiti (Tag), post-graffiti ou street art que consiste numa
progressão do Graffiti tradicional, caraterizando-se pelas transformações das
letras, dos materiais e das técnicas (figuras, símbolos, abstração), embora continue
sendo ilegal. Segundo Eugénio (2013) “o post-graffiti ou street
art inclui intervenções como o stencil, a performance, colagem, posters, stickers,
escultura de baixo-relevo, pintura, mosaico, carvão, instalação, luzes,
projeções, etc. Por isso, já não fazia sentido serem chamados de writers, os intervenientes adquirem a
denominação de street artist ou
mesmo de artista” (p.34).
Apesar de não se considerarem
artistas do Graffiti marcaram a transição do Graffiti tradicional para o post-graffiti, Jean-Michel Basquiat e
Keith Haring, enquanto Basquiat escrevia frases assinadas com o pseudónimo de
SAMO, Haring, com formação artística, realizava desenhos (silhueta de bonecos,
televisões, naves espaciais, …), a giz, nas estações do metro de Nova Iorque.
Também de destacar Banksy, um street artist inglês, em que o seu trabalho é
marcado por mensagens contra as políticas governativas, acompanhadas de figuras
realizadas, na sua maioria, em stencil.
Banksy procura tornar legível o seu trabalho sobre os problemas da sociedade,
embora recorrendo ao sarcasmo, a todas as pessoas.
Uma outra transformação no
Graffiti foi a passagem das ruas para galerias ou espaços destinados à
exposição de arte, em que o Graffiti deixou de se centrar no Tag e perdera a
ilusão de movimento e de espontaneidade (Eugénio, 2013, apud Waclawek, 2011, p.37).
As cidades e arredores foram
invadidos, num curto espaço de tempo, por pinturas, muitas vezes, indecifráveis
e sem despertar a curiosidade das pessoas. O Graffiti, sobretudo o Tag ou
Graffiti Writing, é considerado, pela maior parte das pessoas, como uma atividade
vândala, destrutiva e ofensiva, talvez, também, por estar associado ao ilegal,
realizada na calada da noite. Para Eugénio (2013), o Tag “é talvez a forma mais
bruta do graffiti, a mais
agressiva à vista dos transeuntes e também a menos apelativa a nível estético,
e por isso mesmo é a forma que a sociedade mais encara como vandalismo”
(p.27).
Em Portugal, os primeiros
indícios de Graffiti surgem, em 1970, nas paredes com mensagens políticas
reivindicando a liberdade de expressão.
Os primeiros trabalhos de
Graffiti surgem em 1988 e 1989, no Porto e em Lisboa, e as primeiras exposições
de arte urbana surgem em 2003. Em 2008 surge, em Lisboa, a Galeria de Arte
Urbana criada pelo Departamento de Património Cultural da Câmara Municipal de
Lisboa com a pretensão de impulsionar a criação de arte urbana em espaços
autorizados e sensibilizar a comunidade em geral para que a arte urbana, as
intervenções artísticas, não sejam confundidas com atos de vandalismo.
Em Portugal existem alguns
artistas cujo trabalho é reconhecido, tanto a nível nacional como
internacional, como é o caso de Mr.Dheo, Hazul Luzah, Odeith, YouthOne, Bordalo
II, Tinta Crua, Ram, Tamara Alves, Sphiza, Alexandre Farto, entre outros.
Alexandre Farto (1987- ), vulgarmente conhecido como Vhils, dedica-se à
escultura de “rostos” esculpidos em paredes. Vhils tem desenvolvido uma técnica
única que consiste na utilização de explosivos, martelo pneumático e picareta,
entre outros através dos quais cria “rostos” de baixo-relevo. A salientar que
Vhils, atualmente, comercializa as suas obras de arte.
De realçar que, tanto a nível
nacional como internacional, apesar dos incentivos, o Graffiti é realizado, na
sua grande maioria, por homens, sendo poucas as mulheres que se sujeitam a um
risco tão elevado quanto o é pintar em lugares de difícil acesso (linhas do
metro, túneis), de forma ilegalmente, etc.
Também a frisar que no Graffiti existem regras, salienta-se o crossing ou going over de Graffiti e Street Art que significa o desrespeito de um writer para com outro/s ao utilizar o mesmo espaço sobrepondo o seu trabalho ao que já existia, mesmo que parcialmente (aplicando-se a um Toy e não por writers considerados Kings) e o biting que se refere ao plágio do estilo de um outro writer, no entanto pode ser visto como um sinal de respeito ou como forma de evolução no estilo, mas sempre condenável.
Hoje em dia, em Portugal, são
representados nas ruas os mais diversos temas, não só o político como esteve
associado à origem no Graffiti no nosso país, contudo o tema político ainda tem
muita importância, quer como meio de propaganda política, quer como forma de
representar um tema da história, como a revolução de 1974, quer como
comemoração de alguma data importante.
Exemplo de um graffiti autorizado, localizado na Avenida Túlio Espanca em Évora, cujo tema é a política, realizado para comemorar os 40 anos do 25 de abril. A fotografia da direita é uma montagem de autoria própria.
De realçar que as obras de arte
tendo por base o Graffiti tem como principal caraterística a efemeridade. Apresentamos
como exemplo um mural, situado em Évora, que surgiu próximo da revolução de
abril intitulado “a terra a quem a trabalha” e do qual já existem poucos
vestígios.
Fonte: a fotografia da esquerda foi retirada do site da Câmara Municipal de Évora enquanto a da direita foi retirada do facebook de António Couvinha (artista plástico).
O graffiti, hoje em dia, é uma
manifestação artística, entre outras como as estátuas vivas, a escultura, o
mosaico, os músicos, os malabaristas, os palhaços, o teatro, o flash mob, desenvolvida no espaço
público que compõe a arte de rua e que saiu da rua para as galerias de arte,
sendo que já é comercializada.
Posto isto partilho convosco
alguns (dos melhores, pelo menos para mim) graffitis que fui encontrando pelos
locais por onde tenho passado. As fotografias foram tiradas por mim, contudo
para evitar erros de identificação (a memória já fraqueja!) apenas digo-vos que
foram tiradas em Lisboa, Barreiro, Águeda, Oeiras e (talvez) Torres Vedras.
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