* Victor Nogueira
A tarde está soalheira, o céu azul com núvens brancas mas a brisa é fria e desagradável. O objectivo é o sítio arqueológico da Comenda, nas margens da ribeira da Ajuda, com o palacete como marca de água em realce. É maré cheia, o leito da ribeira é um lençol de água barrenta que a força da maré enchente ou preia-mar faz refluir para montante. em ondas de espuma branca e rendilhada, de som fragoso. É impossível chegar às ruínas pelo areal e sigo por um trilho mais acima e paralelo à margem, pelo meio da vegetação luxuriante, ao longo do qual há as marcas de paseantes pouco cuidadosos: pedras onde acenderam fogueiras para cozinhar, garrafas de água ou cerveja, entre outros detritos. Numa das árvores uma corda terá servido de baloiço improvisado a crianças.
Nada mais encontro senão o que na margem vi e prossigo até à foz, com as águas galgando em espuma por cima do murete que protege o que resta das ruínas, praticamente desaparecidas com a acção erosiva das marés e a depredação humana. Este estabelecimento romano, revelara a existência de estruturas de um balneário e de tanques de salga de peixe (cetárias) datando dos sécs. I e V d. C.
Prossigo pois pelo trilho até à foz e ao sopé do promontório no cimo do qual se encontra o palacete de Raul Lino, sobranceiro ao areal e às águas do rio Sado, com a península de Troia no horizonte Naquele lugar solitário um casal jovem fotografa. Regresso por outro trilho, cruzo-me com jovens que vão até à praia, atravesso a ponte sobre a ribeira e um grupo de jovens armados de canas de pesca dirige-se para o Sado.
O Parque de Merendas está deserto, algo degradado, a casa do Guarda é quase uma barraca de bairro de lata e apenas um café abarracado está aberto e sem freguesia nesta tarde primaveril.
Regresso a Setúbal em busca do Casal da Ajuda, vislumbro um cruzeiro para lá dos pilares dum portão, mas uma rede impede o acesso e já não estou em idade de acrobacias, especialmente cirandando sózinho. Tentarei aceder às ru´nas da Igreja pela praia, quando a maré estiver baixa.
Á estação romana referem-se entre outros os arqueólogos Victor dos Santos Gonçalves (cerca de 1963) e Carlos Tavares da Silva Deste último transcrevo o que escreveu em 2002:
"Aqui, entre o parque de merendas e a foz da ribeira da Ajuda, no talude sobranceiro a este curso de água, afloram numerosos vestígios da época romana, de que se destacam estruturas pertencentes a um balneário e a oficinas de produção de salgas de peixe. Esta ocupação humana constituía um dos núcleos do extenso complexo urbano-industrial que funcionou entre os séculos I e V d.C. na região do Baixo Sado. O que foi talvez o mais importante centro de produção de conservas de peixe do mundo romano ocidental possuía, além das fábricas de preparados piscícolas de Tróia e Setúbal – os dois aglomerados principais –, outros núcleos fabris de menores dimensões, como os da Comenda, Rasca e Creiro.
Ora, a estação arqueológica da Comenda tem vindo a ser destruída pela erosão fluvio-marinha. Todos os anos, principalmente durante o Inverno, as águas da ribeira da Ajuda e do estuário do Sado provocam o recuo do talude onde afloram as construções romanas que, deste modo, vão sendo desmanteladas. Contudo, um simples quebra-mar, com algumas dezenas de metros, seria suficiente para inverter este processo.
Hoje, ao contrário do que escrevi, algumas semanas atrás, sobre o sítio da Comenda, ouso sugerir que este arqueossítio, potenciado por um enquadramento paisagístico de excepção, seja objecto de um programa de escavações, estudo e recuperação, enquanto vertente de um plano de desenvolvimento turístico-cultural, como se espera de uma gestão territorial esclarecida e moderna." (in http://fotografiadejoaopalmela.blogs.sapo.pt/a-comenda-406895)
Os vídeos que fiz são demasiado "pesados" para poderem ser aqui publicados.
A Península e Complexo Turístico de Tróia no horizonte
Setúbal ao fundo, vendo-se as duas chaminés da Central Termo-Eléctrica
Setúbal ao fundo, vendo-se a estação elevatória da Belavista
Parque das Merendas
ruínas do sítio romano
Península de Tróia no horizonte
vestígio de fogueiras
porta do palacete da Comenda
Sem comentários:
Enviar um comentário