Escrevivendo e Photoandarilhando por ali e por aqui

“O que a fotografia reproduz no infinito aconteceu apenas uma vez: ela repete mecanicamente o que não poderá nunca mais se repetir existencialmente”.(Roland Barthes)

«Todo o filme é uma construção irreal do real e isto tanto mais quanto mais "real" o cinema parecer. Por paradoxal que seja! Todo o filme, como toda a obra humana, tem significados vários, podendo ser objecto de várias leituras. O filme, como toda a realidade, não tem um único significado, antes vários, conforme quem o tenta compreender. Tal compreensão depende da experiência de cada um. É do concurso de várias experiências, das várias leituras (dum filme ou, mais amplamente, do real) que permite ter deles uma compreensão ou percepção, de serem (tendencialmente) tal qual são. (Victor Nogueira - excerto do Boletim do Núcleo Juvenil de Cinema de Évora, Janeiro 1973

quarta-feira, 15 de outubro de 2025

Azenhas (moinhos de água) no Livro de viagens (26)

 


* Victor Nogueira

No meu Livro de Viagens não há muitas referências a moinhos de  maré e a moinhos de água ou azenhas. Aqui fia o que dele respiguei

Alcobaça

Por lá passamos, fico a saber que a povoação é atravessada por dois rios que lhe dão o nome: Alcoa e Baça,  que aqui originam o Alcobaça.  O Alcoa é atravessado por uma pequena ponte e nas suas margens ouve‑se o marulhar das águas correndo por entre dois paredões que lhe estreitam o leito. As casas têm varandas e janelas debruçadas sobre o rio e de noite poder‑se-ia imaginar que se trataria de Veneza, opinião de quem a conhece apenas de filmes, como em Sentimento ou Morte em Veneza, ambos de Visconti.

No rio Baça, no centro da povoação, vê‑se a roda duma antiga azenha, que já não é movida pelo correr das águas, cujo edifício agora é ocupado por uma loja de electrodomésticos, a TELE RIO.   (Notas de Viagem, 1997.10.25)

Fotos ao Mosteiro e à azenha do rio Baça e ao Rio Alcoa  (1998.02.21)

 Alhos Vesdros

A vila possui pelourinho, coreto e um desactivado moinho de maré, com um muito degradado palácio com varandas de sacada. Estes dois edifícios situam-se no Largo do Descarregador, ao qual se chega pela rua do Marítimo, perto dum esteiro  mal‑cheiroso, onde vogam ainda algumas embarcações.

Nesta vila os reis e fidalgos refugiavam‑se quando havia peste em Lisboa. A cortiça e as salinas foram uma importante actividade económica. A pacatez da vila foi quebrada pelo cruzamento de viadutos, mesmo ali ao lado do cemitério, cujos mortos vêm o seu sono perturbado pela passagem dos comboios e dos automóveis. A porta do cemitério contém uma data - 1880 - e uma inscrição: "Só Deus é eterno". (Notas de Viagem, 1997)

Arraiolos

O meu avô barroso tem uma casa no Mindelo, onde há uma praia rochosa que me deslumbra pela violência com que as ondas batem na rocha em cascatas de espuma que salpicam o rosto. ou então aquele moinho [azenha] que eu visitei ao inquirir dois velhotes, lá para os lados de Arraiolos. Gostava de passar as férias, p.ex., num sítio assim. (MG - 1973.08.02)

Atalaia /Montijo)

De Setúbal à Atalaia o percurso ainda é feito por estreita e movimentada estrada, passando por povoações à beira da estrada sem algo de notável para assinalar. O Santuário da N. Sra da Atalaia era a primeira agradável surpresa, lá no cimo da escadaria que parte do amplo terreiro onde existe um cruzeiro. Depois a ponte das Enguias, periclitante, onde se situava um arruinado edifício que outrora fora caiado de branco, que não confirmei se teria sido um moinho de maré, para além de salinas e arrozais. (Memórias de Viagem 1997)

Azurara

Esta povoação já foi sede de concelho, com pelourinho ainda existente. Num outeiro encontra‑se a Capela de Sant'Ana,  muito venerada - defronte, o mosteiro de Santa Clara e o Aqueduto, separado pelo rio Ave, onde existem ainda vestígios de azenhas. A igreja de Santa Maria, matriz do século XV, tem um púlpito exterior na torre sineira, tendo alguma semelhança com a de Vila do Conde. O cruzeiro, tal como outros que encontrei por essas terras fora, como em Óbidos, ostenta nas duas faces as esculturas de Cristo na cruz e Santa Maria.  (Memórias de Viagem, 1997)

Macieira da Maia

A ponte do Ave,  ligando Macieira e Bagunte, é românica, de seis arcos de volta redonda, desiguais, por baixo dos quais correm as águas do rioAave, tendo a jusante duas azenhas, uma de cada lado, correndo as águas em pequenas cascatas. Para montante as águas correm por entre margens arborizadas. Um pouco mais acima, semi-escondido pela vegetação, à beira da estrada, um portal armoriado.   (Memórias de Viagem, 1997)

Seixal

É uma pequena povoação. uma rua central e duas laterais, transversais para o rio, dois pequenos jardins, um em cada extremo, e um passeio‑alameda ao longo do rio. O Ecomuseu tem vários núcleos, como o da construção naval, moagem (moinho de maré de Corroios) e romano. Situa-se num esteiro do rio Tejo, denominado Rio Judeu, em cujas margens ficam também Arrentela, Amora e Corroios. Barcos recuperados: um varino e dois botes de fragata. O moinho de maré de Corroios, o único de dez que se mantém em funcionamento; no século XVI ascendiam a 60, que abasteciam Lisboa com farinha. ([1]) À entrada do Seixal impõe‑se o edifício da fábrica corticeira da Mundet, hoje encerrada, em processo de degradação. . (Notas de Viagem, 1997)

Vilar de Mouros

Espigueiros. Igreja com  Adão e Eva, em baixo-relevo Célebre pelos festivais de música, o 1º realizado em 1972, um Woodstock à portuguesa. Bomba de poço. "Alminhas".  Portal do cemitério. Nova (?)

 

Situada na serra de Agra e atravessada pelo rio Coura, aqui proliferam os moinhos, azenhas e açudes, uma ponte medieval ligando as duas margens em que se situa a aldeia, célebre pelos festivais de música, o 1º realizado em 1972, um Woodstock à portuguesa. (1998.06.11)

~~~~~~~~~~
[1] - Outros moinhos são os da Quinta da Palmeira e do Zemoto (aldeia de Paio Pires), do Breyner (Arrentela), da Torre, do Capitão, do Galvão e da Passagem (Amora), Velho e Novo dos Paulistas (Seixal).

segunda-feira, 13 de outubro de 2025

Azenhas ou moinhos de água - estrutura e funcionamento (25)

AI Overview

Os principais mecanismos de uma azenha ou moinho de água são a roda hidráulica, que é movida pela força da água; as mós, que são as pedras que moem o cereal; a levadoura, que ajusta a distância entre as mós; e a moega e tegão, que guiam o cereal para o centro das mós. A água move a roda, que por sua vez faz girar as mós, transformando o cereal em farinha através de um processo mecânico. 

Componentes principais

Roda hidráulica: É o componente principal que converte a energia cinética da água em energia mecânica de rotação. A água de uma calha (levada) atinge as pás da roda, fazendo-a girar.

Mecanismo de transmissão: A rotação da roda é transmitida para o interior do moinho através de um sistema de engrenagens (entrosga e carreto), que faz girar a mó superior.

Mós: Duas pedras cilíndricas. A mó superior (chamador) é a que gira, enquanto a mó inferior (olho) fica estacionária.

Ajuste das mós (levadoura): O moleiro utiliza a levadoura para ajustar a distância entre as mós, controlando assim a finura da farinha produzida.

Moagem: O cereal é introduzido pela moega e guiado para o centro das mós pelo tegão, onde é moído entre as duas pedras.

Armazenamento e peneiramento: A farinha resultante é recolhida na tulha e pode ser peneirada para separar as partes mais finas das mais grossas. 

~~~~~~ooo0ooo~~~~~~

Legenda:


Legenda - 

a - Moega # b - Tremonha ou quelho # c - Rela ou chamadouro # d - Mó movente # e - Mó dormente # f - Suporte # g - Segurelha # h - Veio # i - Haste # j - Pela # k - Pena # l - Ponte # m - Trave do aliviadouro # n - Aliviadouro # o - Aguilhão # p - Cubo e agueira " q - Comporta ou pejadouro


Mas por força da inovação tecnológica, estes engenhos caíram em desuso na segunda metade do século XX, com a introdução de sistemas motorizados autónomos.

Apesar de assim conhecida trata-se de um moinho de rodízio. O engenho começa na construção de um açude que permite a represa de água e a sua condução para o interior do moinho através de um canal – a levada.

O desnível de água entre o açude e a sua entrada no cabouco põe em funcionamento o rodízio. O moleiro controla o caudal através de umas comportas.

Durante a época medieval, os moinhos e as azenhas constituíram importantes meios de produção, que  normalmente eram monopólio de monarcas, nobres e igrejas paroquiais. Supõe-se que este marco servisse para referenciar alguma propriedade pertencente á Colegiada da Igreja de São Pedro de Torres Vedras. A Professora Doutora Ana Maria Almeida Rodrigues no seu livro "Torres Vedras, a vila e o termo nos finais da Idade Média", regista a existência de 4 moinhos hidráulicos na ribeira de Alcabrichel na área de VIla Facaia/Ramalhal nos séculos XIV e XV. O achamento deste marco quando do restauro desta azenha em 1997, no cabouco da parede onde agora se encontra exposto,leva-nos a supor que ele demarcava uma propriedade que pertenceu á Colegiada de S. Pedro...talvez a própria azenha.(1)

AÇUDE: O açude é uma barragem ou muralha erguida no rio e lançada de margem a margem de modo a represar e consequentemente e ao mesmo tempo a elevar o nível da agua neste local. è uma construção mais ou menos poderosa e grosseira de pedras e terra aproveitando a curva do rio e utilizando já a penedia natural do leito como alicerce ou como elemento de apoio para tomar a feição de um muro inclinado. (2)

LEVADA E CUBO: Do açude até ao moinho a agua segue pela margem esquerda num canal - levada - de maneira a criar as melhores condições para accionar os rodízios. A levada é de construção mais ou menos cuidada e tem o comprimento em função da inclinação do rio, da localização do moinho e do necessário desnível a conseguir-se. Neste caso temos apenas uma diferença de cota de 0,70 metros o que normalmente seria reduzido. No entanto não nos esqueçamos que o engenho tem associados elementos desmultiplicadores de rotações que permitem aumentar as suas características (referencia ao carreto e entrosga intermédios que definem, portanto, uma transmissão sem ser directa) ao mesmo tempo que se tenta aproveitar o caudal volumoso da época das chuvas. À saída do açude, na boca da levada, uma comporta regula o volume de água que se pretende utilizar no moinho, evitando, que por excessiva (em relação com a sua saída no cubo do moinho), ela transborde durante o percurso até ao moinho, existindo uma comporta igual no seu final, á entrada do cubo. A levada termina junto ao moinho numa presa (característica das regiões onde há pouco agua de verão) que regula o volume da agua e de forma a encaminhar esta convenientemente para a roda motriz através de um cubo de pedra.(2)

APARELHO MOTOR - RODÍZIO: O rodízio é fixo á pela sendo uma peça constituída por uma roda de penas nas quais bate o jacto de agua que sai da seteira. As penas têm as pontas a entrar num rasgo circular cavado no fundo da pela, apertadas umas contra as outras e pregadas entre si e á pela e ainda envolvidas por um arco metálico que as contêm.(2)

PELA: É o eixo vertical que o rodízio acciona e consiste num pau elementarmente afeiçoado e com rudimentar intenção estética. A pela tem uma secção maior na extremidade inferior onde se situa o cepo ou maçã em que inserem as penas. Essa secção é quadrada no corpo da pela e circular no cepo. Na extremidade superior da pela está a entrosga e termina numa peça metálica que serve de eixo ao conjunto. A madeira de que é feito a pela será o pinho ou o carvalho podendo ser feiro com o troço inferior dessas arvores. (2)

VEIO: É um ferro direito contendo na parte inferior o carreto e terminando aí um tronco de cone que se apoia na rela situada no urreiro. Na parte superior tem secção quadrangular de forma a entrar no orifício da segurelha aguentando esta e suportando o peso da mó de madeira.(2)

SEGURELHA: É como já foi dito uma peça de ferro muito robusta com cerca de 25 cm de comprimento por 7 de largura, de formato quadrangular, abrindo ligeiramente em leque e com a face superior descaindo para as pontas - orelhas. A parte central da peça, direita e mais alta, possui um orifício de secção quadrada onde entra espiga do veio que desse modo, ela remata e com ela é solidário. A segurelha encaixa num rasgo cavado á sua feição no centro da face inferior da andadeira, impedindo-a de encostar ao pouso e imprimindo-lhe assim o movimento que recebe do veio. Ela é, portanto, a ultima peça do aparelho motor que o liga ao aparelho de moagem propriamente dito.(2)

AGUILHÃO E RELA: Na extremidade da pela está cravado um aguilhão que gira na rela encaixada no cabouco. Tanto a rela como o aguilhão terão sido feitos inicialmente de seixos duros do rio: o aguilhão oblongo e a rela espalmado. Chegou a durar cerca de dois anos podendo-se ainda trocar as posições de atrito.(2)

URREIRO E ALIVIADOURO: O urreiro é uma peça de madeira, um simples barrote, em que se fixa a rela que suporta o veio. Apoia uma das pontas numa parede e é suspenso pela outra do aliviadouro, varão de ferro de secção circular que depois de atravessar o sobrado vai terminar perto das mós, num dispositivo - a tarracha - que permite um pequeno curso de movimentos verticais: são estes que elevam ou baixam o conjunto carreto e mó andadeira, e permitem uma farinha mais ou menos fina. (2)

-------------

(1) Associação para a Defesa e Divulgação do Património Cultural de Torres Vedras - Placa Informativa afixada na azenha

(2) Martins, Jorge A. Reis - T.I.M.S. Portugal - The International Molinological Society

https://abrunhosa.blogspot.com/2006/04/moinhos-de-gua.html

Gravura em https://olesantoferna.blogspot.com/p/construcao-do-moinho.html