* Victor Nogueira
Regresso à Cela Nova, cuja igreja dedicada a Santo André revejo pormenorizadamente, apercebendo-me também do seu pelourinho e do edifício do antigo celeiro. Sigo por outros caminhos em busca de Cela Velha; a povoação tem um ar de abandono, mas a visão de Cela Velha é ainda mais deprimente, embora paradoxalmente pareça mais recente: situa-se no fundo duma descida aprazível mas interminável e, quase no seu termo, uma placa partida indica a existência dum monumento. Lá ao fundo um largo, alguns edifícios degradados, uma bomba de gasolina, a estação do caminho de ferro e um segundo monumento, tal como o primeiro dedicado a Humberto Delgado. Estranho estes dois monumentos a
Humberto Delgado: o primeiro avista-se perfeitamente do largo da estação, lá em cima, a meia encosta.
(...) Uma carrinha e uma caravana de automóveis atroam os ares em propaganda eleitoral, mas não consegui distinguir se eram da CDU se do CDS/PP. Damos uma volta, mas tudo é desolado e em breve um operário (Ilídio Neves), despedido duma fábrica da região, contar-nos-à a explicação do Humberto Delgado, que afinal tinha ali uma quinta, donde saíra na véspera a idosa viúva por causa do mau tempo.
O monumento, uma iniciativa do Rancho Folclórico e Etnográfico “
Papoilas do Campo”, cuja autoria é do escultor alcobacense José Aurélio, resultou dum concurso público e do trabalho das populações sendo inaugurado em 22 Agosto 1976: uma série de gomos desagregam-se por acção dum ariete que me parece um cravo estilizado. Nos gomos destruídos palavras adjectivantes do fascismo:
obscurantismo, mordaça, repressão, mentira, castração, medo, humilhação, violência, colonialismo, ódio, opressão, exploração. Lá em baixo na Praça, os dois blocos representam
"o estilhaço impelido pela força indómita da liberdade."
A herdade da família Humberto Delgado - Quinta da Cela Velha - era uma granja, pertença dos monges de Alcobaça, situando-se a casa, recente, no cimo duma encosta, daí se avistando o fértil vale, outrora braço de mar, e as elevações em redor. Para lá dos portões, que franqueamos em visita proporcionada pelo sr. Isidro Neves, uma capela, despojada, a Ermida de S. Bento, donde foram retiradas as peças de valor, substituídas por estatuetas modernistas de autoria dum dos filhos do general. (Notas de Viagem, 1997.12.08)
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A Quinta de Cela Velha era uma das mais antigas quintas das granjas dos Monges de Alcobaça, que teve carta de emprazamento em 1431, pertencendo à família Andrade e Gamboa desde 1571. A capela, dedicada a São Bento, que ainda hoje integra o território da quinta, é referida pelos autores setecentistas como uma das mais antigas do reino, mas foi remodelada na primeira metade do século XVIII. Assim é mencionada nas Memórias Paroquiais de 1758, cujos dados foram confirmados em 1774 pelo cronista da Ordem de Cister, Frei Manuel de Figueiredo.
É possível que este restauro ou reedificação tenha sido patrocinado por António de Andrade e Gamboa, aqui sepultado em 1776. A inscrição tumular refere ainda o seu filho Francisco João de Macedo e Andrade, falecido em 1804.
A capela, de linhas muito depuradas, apresenta fachada principal em empena triangular e sineira do lado esquerdo sobre os cunhais. É marcada pela abertura do portal de verga curva, e pelo brasão de armas dos Andrades. No interior, e para além do nicho de madeira sobre o altar-mor, ganha especial interesse a pedra tumular já referida, com data de 1817.» in
.692.Quinta da Cela Velha, da família Humberto Delgado, foi de novo assaltada...
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Fotos em 1997.12.08
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