Dessa estadia não conservei registos da correspondência; embora seguramente tenha escrito para Luanda. Mas essas cartas, para os meus pai e tio, foram "arquivadas" no cesto dos papéis. Persistem apenas as fotos duma excursão de autocarro, à Batalha e Alcobaça, e três outras em Lisboa (1). Nesse ano morámos sucessivamente na Casa de Santa Zita (Rua de Santo António à Estrela, 35), na Pensão Distinta, (Rua Duque de Loulé), e num apartamento mobilado na Rua Andrade Corvo, 31, 2º ESqº.
Que retive desses dias em memória? Na Casa de Santa Zita o meu quarto dava para um pátio arborizado. Um dia, estando a estudar de costas voltadas para a entrada, ouvi bater à porta. Exclamei "Pode entrar" e como mais nada aconteceu reparei que ninguém entrara. Passado pouco tempo bateram novamente à porta e surgiram ... duas empregadas, para arrumarem o quarto, não fosse eu atentar contra a honra, virgindade e dignidade das raparigas. As Casas da Obra de Santa Zita eram e são uma instituição religiosa e de assistência onde se ensinavam as lides domésticas às raparigas que depois seriam empregadas de servir.
Naquele tempo os quartos das pensões não tinham casa de banho privativa, mas uma colectiva no corredor. Pagávamos um suplemento por tomarmos banho diariamente, enquanto que a generalidade do pessoal o fazia apencas ao fim de semana. Era uma fila no corredor, a marcar vez, com as toalhas e artigos de higiene na mão, desesperados porque os banhos do meu irmão eram por norma longos, demorados, e ele olimpicamente imune, surdo e alheio às recriminações e protestos.
O apartamento na Rua Andrade Corvo tinha duas assoalhadas, casa de banho e "kitchenette". A varanda das traseiras dava para as dum prédio sito na Rua Viriato e tinha grandes conversas, por vezes telefónicas, com uma rapariga que lá morava, salvo erro chamada Vitória, com uma irmã mais nova. Não me recordo se saímos alguma vez juntos mas lembro-me que na altura concluí que na escola primária - um em Luanda, outra em Portugal - tínhamos os mesmos folguedos e cantigas, como a "Tia Anica", "Ó Rosa arredonda a saia" e outras do mesmo género.
Lisboa vista do Castelo de S. Jorge, ainda sem a Ponte, que foi inaugurada 6 de agosto de 1966 (foto de 1963)
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