"Nos anos 1990 já não há moda. É tudo encenado"
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Por Ana Brasil
F.C Gundlach é um dos mais importantes fotógrafos de moda alemães do período pós-Segunda Guerra Mundial. Na retrospectiva que chega esta sexta-feira, dia 25, à Galeria Torreão Nascente da Cordoaria Nacional, em Lisboa, depois de 16 anos na estrada e 54 cidades pelo caminho, é curador e um dos 39 fotógrafos representados. Em entrevista ao Life&Style sob o mote da exposição "Imagens de Moda - Moda de imagens. Fotografias de moda alemãs de 1945 a 1995", o célebre fotógrafo dá uma lição de história para concluir que algo se foi perdendo à medida que a globalização e a tecnologia se tornaram na linguagem da fotografia de moda.
Esta exposição pode ser considerada uma antologia de fotografia de moda alemã. Porque é que surgiu só agora?
A ideia da exposição surgiu em 1992, quando eu era docente de História de Moda na Hochschule der Künste, em Berlim. Editei um livro e o Sr. Herzogenrath, que na altura era programador de exposições do Institut für Auslandsbeziehungen (entidade que também produz esta exposição), teve a ideia de criar uma exposição a partir deste meu livro. Discutiu a proposta com o galerista René Block que achou que resultaria (a Arte é um importante impulso para a moda; ambas influenciam-se). Apresentei então um conceito para a exposição que foi aceite e depois estive um ano e meio a produzi-la. Esta também foi possível graças aos contactos pessoais com os fotógrafos (que na altura estavam no início das suas carreiras) que tinham sido seleccionados. Muitos ofereceram os seus trabalhos, o que possibilitou que a exposição se tornasse duas vezes maior do que estava previsto inicialmente. Entretanto a exposição teve uma itinerância de 16 anos e percorreu ao todo 54 cidades. Partiu de Berlim e passou por Nova Iorque e Milão, tendo estado patente em importantes museus no Brasil, na Rússia e em muito outros países.
A exposição começa com imagens do período pós- Segunda Guerra Mundial. Como é que era a moda nessa época?
A focagem está na cidade de Berlim, onde as fotografias foram feitas. Nessa altura, Berlim já era a capital de moda da Alemanha, estatuto que aliás já tinha tido no século XIX, durante o Kaiserreich (Império Alemão). A indústria da moda alterou-se depois da Segunda Guerra Mundial e recupera uma estrutura que ainda hoje é actual, por exemplo, em Paris (com a haute couture): os criadores faziam os desenhos de moda, havendo uma produção praticamente doméstica. Nessa altura, surgiram as primeiras empresas para a produção de roupas de moda. Nessa altura, o centro da moda encontrava-se no Leste de Berlim, onde estavam localizadas as empresas que produziam o vestuário. Depois da Segunda Guerra Mundial, os criadores de moda mudaram-se para a parte ocidental da cidade. A moda começa a ter cada vez mais importância. Começaram a surgir revistas de moda. Contudo, todo este desenvolvimento parou em 1961, ano em que se dá a construção do muro de Berlim e a moda acaba por perder importância. Posteriormente surgem as primeiras imagens do pós-guerra, nos anos de 1950 e 1960, mas estas são também as épocas mais contraditórias em si. As imagens apresentam as transformações da moda de então, mas também a transformação do mundo.
Qual a década que para si, enquanto fotógrafo, é a mais importante?
Os anos de 1960. Foi o tempo mais “fotogénico”. Acho que nos anos de 1990 já não há moda. É tudo muito encenado. Eu contava um conto de fadas com as minhas fotografias, depois dos anos conturbados da Segunda Guerra Mundial. Foi também uma época de grandes transformações na sociedade. A partir de 1950 dá-se uma quebra na “uniformidade” da moda segunda a qual a mulher foi educada. Surge um new look com a emergência de criadores como Dior. A imagem da mulher começa a mudar. A moda torna-se mais feminina, surge, por exemplo, as cinturas de abelha e os corpetes. Os anos de 1960 mudam tudo. Surgem os Beatles e a Pop Art. Aparece uma nova geração e novos movimentos, tanto a nível político como estudantil e dá-se também a emancipação da mulher, que deixa de estar somente em casas e arranja emprego. Muda o seu visual e a moda transforma-se como consequência dessa alteração social. Em meados dos anos 1960 surge também o prêt-à-porter e a moda torna-se acessível a um maior número de mulheres. A revista alemã Brigitte (na altura com uma tiragem de 1.4 mil exemplares), para onde trabalhei, teve um importante papel nessa altura, uma vez que era veículo dessa informação. Nos anos de 1950, a mulher nem podia mostrar os joelhos e em 1960 surge a mini-saia. Deu-se uma mudança de conduta em apenas 10 anos e que também se reflecte na imagem. Acho que a moda vem em forma de “ondas”. Neste momento estamos numa época muito calma. Depois dos modelos dos anos de 1990 e da primeira década de 2000, acho que a moda irá de novo tornar-se mais feminina.
Como define a fotografia de moda alemã?
Não há uma fotografia de moda alemã. A fotografia de moda está praticamente “internacionalizada”. Esta internacionalização deu-se a partir dos anos de 1950. Foram sobretudo as revistas norte-americanas como a Vogue ou a Harper’s Bazar que a introduziram. Foi a altura em que surgiram as agências de modelos. Antes havia manequins; só depois é que surgem os modelos. Por exemplo, quando se fotografava para a casa Dior, havia vestidos que tinham um corpete cozido com 20 botões, cada peça só podia ser usada por uma única mulher. Foram os EUA que criaram os modelos. Eram as mulheres com as tais “medidas perfeitas”: maiores, com pouco peito e altura de 5.7” (1,70m).
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