Escrevivendo e Photoandarilhando por ali e por aqui

“O que a fotografia reproduz no infinito aconteceu apenas uma vez: ela repete mecanicamente o que não poderá nunca mais se repetir existencialmente”.(Roland Barthes)

«Todo o filme é uma construção irreal do real e isto tanto mais quanto mais "real" o cinema parecer. Por paradoxal que seja! Todo o filme, como toda a obra humana, tem significados vários, podendo ser objecto de várias leituras. O filme, como toda a realidade, não tem um único significado, antes vários, conforme quem o tenta compreender. Tal compreensão depende da experiência de cada um. É do concurso de várias experiências, das várias leituras (dum filme ou, mais amplamente, do real) que permite ter deles uma compreensão ou percepção, de serem (tendencialmente) tal qual são. (Victor Nogueira - excerto do Boletim do Núcleo Juvenil de Cinema de Évora, Janeiro 1973

sábado, 23 de outubro de 2021

Templos religiosos 38 - Em torno de Aljubarrota e da Batalha

 * Victor Nogueira

Igreja de S. Vicente  (Aljubarrota), Capela de S. Jorge (Calvaria de Cima), Ermida de Nossa Senhora das Areias (Chãos de Aljubarrota), Capela de Nossa Senhora da Luz (Chãos de Aljubarrota), Capela de Santa Maria (Castanheira), Mosteiro de Santa Maria da Vitória (Batalha)

S. Vicente de Aljubarrota



     

Igreja de S. Vicente



Cruzeiro, no local da forca


Pelourinho e Casa da Câmara

Aljubarrota, que integrou os Coutos de Alcobaça, é uma vila pequena, de cuidadas casas brancas e ruas estreitas, ali mesmo ao lado da Estrada Nacional onde desliza o trânsito veloz e ruidoso. Já foi sede de município, como o demonstra o pelourinho defronte ao antigo edifício da Câmara. Parece uma vila alentejana e esta parecença talvez provenha da presença dos árabes há longos séculos. Presença atestada por topónimos como Aljubarrota, Alcobaça, Alvaiázere, Aljustrel, Alpedriz, Alfeizerão... e outros que facilmente se encontram no mapa. Aliás os topónimos Nazaré e Fátima terão nos árabes a sua origem remota. 

Em abono da parecença com as povoações alentejanas está o facto dos quintais das casas darem para ruelas mais modestas, muradas, de piso em saibro. Há dois largos principais, aquele onde se situam o pelourinho, a torre da antiga Câmara, o antigo celeiro (hoje venda de artesanato), a igreja matriz e o edifício dum centro comercial onde se reúnem os jovens, barulhentos, e o Largo de S. Vicente. 

Neste encontra-se a Igreja de São Vicente, datada de 1549, substituindo uma ermida do século XII, com a mesma evocação. O templo foi remodelado no início do séc. XX e reconstruído em 1972, tendo o interior e o exterior sido modificados. Possui uma fachada simples, com uma torre quinhentista encimada por um invulgar coruchéu em forma de "tiara" ou de três coroas sobrepostas. No adro estão duas arcas tumulares, lado a lado, adossadas à fachada principal.

«Localizada nunm dos termos da povoação, esta igreja, modesta, com uma torre manuelina, tem dois túmulos no exterior, defronte da fachada principal. É insólita a existência destas duas arcas tumulares, qualquer delas com caveira e duas tíbias cruzadas. Insólita porque os enterramentos nas igrejas se faziam no seu interior, sob o lajedo ou em arcas tumulares em capelas próprias ou nas criptas, até que as reformas do século XIX os proibiram, o que deu então origem a levantamentos populares como os que são descritos em "A Morgadinha dos Canaviais", de Júlio Dinis.

Mas voltando ao Largo da Igreja, este situa-se num dos termos da vila, com casas de um ou dois pisos, uma delas alpendrada, um cruzeiro, árvores, bancos e dois bebedoiros de pedra lavrada. Parece um largo de aldeia, com o cri cri dos grilos abafado pela passagem veloz dos carros na estrada que liga Alcobaça à Batalha.

Neste largo, já noite adiantada, procuramos saber da vila junto de dois homens que conversam a uma esquina e que se revelam ser o pároco, pessoa simples envolta num amplo cachecol que lhe tapa meia cara até aos olhos, e outro o "senhor doutor", enfatuado, com William Beckford sempre na ponta da língua em citação .

Este William Beckford foi um viajante inglês um pouco cáustico que esteve em Portugal em 1794 e escreveu "Recollections of an Excursion to the Monasteries of Alcobaça and Batalha", numa tradução de 1914 que o doutor enfatuado considerava de má qualidade, preferindo outra recentemente publicada.

A propósito de personagens, afinal ia ficando de fora um terceiro largo, o da Padeira de Aljubarrota, de sua graça Brites de Almeida, a tal que matou vários soldados castelhanos, sendo lembrada por uma estátua moderna, de metal, enquanto na parede duma das casas estão colocados vários painéis de azulejos naif. Outro filho desta terra é Eugénio dos Santos, um dos arquitectos reconstrutores da Lisboa pombalina após o terramoto de 1755.

No outro termo da vila encontra-se uma terceira igreja, com portal românico, no Largo da N. Sra. dos Prazeres, onde teria estado D. Nuno Álvares Pereira por alturas da batalha de Aljubarrota. No Largo destaca-se uma casa com varanda de alpendre e com escadaria exterior. O cruzeiro não está em local destacado, como é habitual, mas sim encostado à torre sineira.

Já fora da vila, à beira da estrada, no Terreiro de D. Maria, surge inopinadamente um cruzeiro carcomido, com uma caveira sob duas tíbias em cruz, como nas arcas tumulares de que atrás falei. sem que se vislumbre qualquer igreja ou capela nas cercanias. Mistérios que não são quebrados por breve visita nocturna. Esclareço depois que neste sítio se enforcavam os supliciados. (Notas de Viagem, 1997.10.31).

No túmulo a estátua jacente está coberta, "dormindo", com a cabeça destapada, sobre a arca tumular. O interior da igreja foi remodelado, em estilo "moderno". Reconstruções do povo e do respectivo pároco em 1911 e em 1972. Conserva os altares-mores e laterais do século XVIII. (Notas de Viagens 1998.06.03)


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Capela não identificada

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S. Jorge de Aljubarrota


A Capela de São Jorge localiza-se na freguesia de Calvaria de Cima, concelho de Porto de Mós, na área envolvente do Campo Militar de São Jorge, onde  ocorreu  a Batalha de Aljubarrota, em 1385. Mandada edificar por D. Nuno Álvares Pereira, em agradecimento pela vitóri alcançada pelas hostes de D. João I, de Portugal,  Aqui existia uma ermida de S. Jorge; as obras do novo templo iniciaram-se em 1393, sete anos após a batalha, e na sua origem, a capela não foi de invocação de São Jorge, mas sim da Virgem Maria. o longo dos séculos a capela foi diversas vezes intervencionada, o que teráalterado a forma primitiva. A configuração actual resulta da intervenção feita em 1940.

Centro Interpretativo da Batalha de Aljubarrota


"Alegoria a D. Nuno Álvares Pereira - Atoleiros - Aljubarrota - Valverde", por Raúl Xavier, 1959

Museu - instalado num edifício com forma como se fora torre de assalto a castelo medieval. Para a direita, até às covas do lobo, oliveiras e alguns poços. Aqui, uma capela gótica, descaracterizada, conservando o altar mor ameado e arcos góticos.  As covas do lobo eram buracos escavados no solo com regularidade, disfarçados, para deter a cavalaria castelhana.  Um memorial em baixo relevo evoca a batalha e um rancho de mulheres "orientadas" por um homem cuidam da relva enquanto um rebanho de ovelhas pasta mais além. Tudo isto tem um ar muito "bucólico", sem o fragor da batalha ou o ruído dos automóveis que mais além passam apressados a caminho da  Batalha. O Museu possui alguns elmos e armas, mas a maioria do seu espólio são mapas explicativos e quadros sinópticos. Esperava mais! (Notas de Viagens 199.06.03)


Chãos de Aljubarrota

Entre Castanheira e Chãos de Aljubarrota, a dois km de Cós, encontra‑se uma Capela da Senhora da Luz, alpendrada, aqui se realizando as festas da Senhora da Luz ou dos pinhões, em 16/17 de Novembro.  Em Chãos de Aljubarrota um painel de azulejos na fachada dum largo desafogado reproduz uma igreja (Ermida de N. Sra. das Areias). No campo um burrico pasta calmamente. Ninguém sabe que ali foi a batalha de Aljubarrota, o que não admira, pois verifiquei posteriormente ser engano meu. (Notas de Viagem, 1998.02.22)


Ermida de Nossa Senhora das Areias e cruzeiro em Chãos de Aljubarrota.  Este templo foi outrora um local de grande romagem particularmente por doentes de febre e outras maleitas.





Capela da Senhora da Luz em Chãos de Aljubarrota. N. Sra da Luz aparece milagreira ou como orago em muitos outros sítios: Carnide (Lisboa) e em povoações dos Coutos de Alcobaça, como  Trabalhia, Alvorninha, Santa Rita (Cós) ... e  nesta, como em Carnide, há também uma lenda da descoberta duma escultura milagrosa.


Capela de Santa Maria, tipo Igreja-salão maneirista, em Castanheira



Fotos em 1997 e 1998


 Mosteiro de Santa Maria da Vitória


Foto de família - Dia de mercado junto às Capelas Imperfeitas do Mosteiro da Batalha, presumivelmente nos fins do século XIX, meados do XX

foto JL Castro Ferreira (Mosteiro da Batalha)

De Fátima fomos à Batalha, ver o Mosteiro. Lembro‑me das Capelas Imperfeitas, de quando cá estive em 49/50. Gostei bastante de ver o Mosteiro, que é de calcário. Vi os claustros, a Sala do Capítulo, onde se encontra o Túmulo do Soldado Desconhecido. É proibido dar donativos naquela sala, mas os visitantes metiam‑nos no bolso do sentinela que lá estava perfilada. Vimos a sala de 14/18, mas à pressa. Eu gosto de ver as coisas calmamente.

A Igreja é estilo gótico, o mesmo da Sé do Porto ([1]). Vi a sala do fundador, com os túmulos de D. João I, D. Filipa, D. Henrique e outros. Vi também a campa do soldado que salvou a vida de D. João I na Batalha de Aljubarrota. Todo o mosteiro é bonito. (1963.09.02 - Diário III)

[1] - Mas é que não há qualquer semelhança. (Nota - 1996)






Férias Grandes de 1968, nma excursão de autocarro à Batalha e Alcobaça









Férias Grandes de 1988, a caminho do Porto, com paragem em Coimbra (Portugal dos Pequeninos) e na Batalha (Mosteiro e Igreja Matriz)




A vila está cheia de turistas e crianças, estas de bibe e de balão na mão. O artesanato está presente em muitas lojas, constituído por peças para turista comprar. No largo onde estão as esplanadas uma exposição de espantalhos. Nada disto tem a ver com o sítio por alturas do século XV ou mesmo com o século passado, "retratado" nuns postais reproduzindo desenhos dum tempo em que por aqui corria um riacho pelos campos descampados mas com vegetação e o povo era uma formiga na imensidão do edifício do mosteiro. (Notas de Viagens 1998.06.03)

Igreja Matriz da Exaltação a Santa Cruz





Pórtico manuelino da Igreja Matriz da Exaltação a Santa Cruz

A construção da Auto-estrada do Norte desviou o trânsito da antiga EN nº 1 e assim Leiria, tal como a Batalha e muitas outras povoações, saíram da rota dos viajantes apressados. 

Passo novamente na Batalha, numa noite escura e chuvosa. Estaciono o carro junto a uma das fachadas laterais do mosteiro, classificado como Património Mundial, aquela onde se situa uma estátua equestre que suponho seja de D. Nuno Álvares Pereira. A pedra calcária tem o seu amarelo realçado pela iluminação, que faz sobressair o seu rendilhado. O sossego e o êxtase são, contudo, quebrados pela forte iluminação circundante e pelo perpassar veloz dos carros na antiga Estrada Nacional nº 1, ali perto. 

Passeamos pela vila e paramos junto ao portal manuelino da Igreja Matriz ou da Exaltação de Santa Cruz, no Largo da Misericórdia, cujo portal é de Mestre Boitaca, o mesmo que construiu o Convento de Jesus em Setúbal. Mais adiante, junto a uma discoteca, há muito movimento juvenil ocupando as ruas como se nada mais existisse. 

Nesta terra nasceu Mouzinho de Albuquerque herói das guerras de ocupação em Moçambique e personagem principal dos filmes portugueses: “Chaimite” e “Aqui d'El Rey”. (Notas de Viagem, 1997.11.01)

«Iniciada a sua construção em 1514, por iniciativa do rei D. Manuel, a pedido dos habitantes da vila, uma vez que o Mosteiro não dispunha de serviço paroquial para a população local, é um testemunho importante da fase manuelina da vila da Batalha.

A data de 1532, inscrita no portal principal, assinala a conclusão das obras, que se pensa terem sido conduzidas por Boitaca. É uma igreja de nave única coberta de madeira, com capela-mor quadrangular com abóbada estrelada. Ao longo da história, o templo foi enriquecido por campanhas parcelares, de que se destacam a tardo-barroca levada a cabo na década de 70 do séc. XVIII e a revivalista já no séc. XX, contemplando esta última, no exterior, a substituição do arruinado campanário, provavelmente setecentista, pela torre sineira actual e, no interior na capela-mor, a colocação do retábulo de pedra renascentista, altar de embutidos em mármore que foi transferido do Mosteiro, da Capela dos Mártires, de descendentes de Lopo Dias de Sousa. Referência ainda no interior, para o formoso arco cruzeiro, para a pia batismal de cantaria igualmente proveniente do Mosteiro e para o revestimento azulejar vindo do extinto Convento Ara-Coelis, em Alcácer do Sal



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