Escrevivendo e Photoandarilhando por ali e por aqui

“O que a fotografia reproduz no infinito aconteceu apenas uma vez: ela repete mecanicamente o que não poderá nunca mais se repetir existencialmente”.(Roland Barthes)

«Todo o filme é uma construção irreal do real e isto tanto mais quanto mais "real" o cinema parecer. Por paradoxal que seja! Todo o filme, como toda a obra humana, tem significados vários, podendo ser objecto de várias leituras. O filme, como toda a realidade, não tem um único significado, antes vários, conforme quem o tenta compreender. Tal compreensão depende da experiência de cada um. É do concurso de várias experiências, das várias leituras (dum filme ou, mais amplamente, do real) que permite ter deles uma compreensão ou percepção, de serem (tendencialmente) tal qual são. (Victor Nogueira - excerto do Boletim do Núcleo Juvenil de Cinema de Évora, Janeiro 1973

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Bocage na Rua - 30 + 1 Poemas - 02

* Victor Nogueira

Nesta 2ª ronda repetem-se alguns painéis e publicam-se outros, novos. Não fotografei os painéis 03 (Porta Nova - Rua Augusto Cardoso), 09 (Rua Edmond Bartissol) e 15 (Praça do Bocage, antigo Largo do Sapal) por não os ter localizado, tendo o 2º sido vandalizado e roubado. Terá sucedido o mesmo aos outros dois, cuja fotos retirei do blog  Nesta hora  ?




Bocage em caixa da EDP (R Augusto Cardoso)


11. - Jardim de Quebedo
cartório do avò e do pai de Bocage
intervenção plástica de Prahlad Fernando Aranda



No tempo em que ainda falavam
Os animais como a gente,
É tradição que tiveram
Conferência em caso urgente.

O burro, que não sei como
Se introduziu no conselho,
Quis, fingindo-se estadista,
Também meter o bedelho.

E, num tom que diferia
Bem pouco do que hoje é zurro,
Foi revolvendo a questão:
Discreteou como um burro.

Depois de lhe ter ouvido
Alguns conceitos de arromba
O carrancudo elefante
Lhe disse, torcendo a tromba:

«Esse tempo que tens gasto
Inutilmente a chamar,
Insensato, não podias
Aproveitá-lo em pastar?

Vens afectar eloquência,
Animal servil e abjecto!
Um tolo nunca é mais tolo
Que quando quer ser discreto.






10. - Rua Edmond Bartissol
casa onde teria nascido Bocage
intervenção plástica de Ricardo Campos









Já Bocage não sou!... À cova escura 
Meu estro vai parar desfeito em vento... 
Eu aos Céus ultrajei! O meu tormento 
Leve me torne sempre a terra dura; 

Conheço agora já quão vã figura, 
Em prosa e verso fez meu louco intento: 
Musa!... Tivera algum merecimento 
Se um raio da razão seguisse pura. 

Eu me arrependo; a língua quasi fria 
Brade em alto pregão à mocidade, 
Que atrás do som fantástico corria: 

Outro Aretino fui... a santidade 
Manchei!... Oh! Se me creste, gente ímpia, 
Rasga meus versos, crê na eternidade!. 


09. - Rua Edmond Bartissol / Rua do Forte
lugar da ermida de S. Sebstião
intervenção plástica de André Mares


Este painel foi vandalizado e roubado -foto retirada do blog  Nesta hora 
(http://nestahora.blogspot.pt/2016/09/bocage-poemas-solta-nas-ruas-de-setubal.html)
No seu local teria sido colocado um contentor de recolha de roupa


(Na morte do sr. D. José, príncipe do Brasil)

                        Louca, cega, iludida humanidade,
                        Miserável de ti! Não consideras
                        Que o barro te gerou, como que esperas
                        Evadir-te à geral fatalidade!

                        Pó, que levanta o sopro da vaidade,
                        Homem caduco e frágil, não ponderas
                        Que teus bens, teus brasões, tuas quimeras,
                        Nenhum valor terão na eternidade?

                        Ah! Volta, volta os olhos,  mais sisudo,
                        Ali na majestade aniquilada
                        Te faz o desengano aviso mudo:

                         Atenta de José na cinza amada:
                         Que serás, se ele é já, se há de ser tudo,
                         Pasto da morte, vítima do nada?

~~~~~~~~
~
Do Tempo sobre as asas volve o dia,
O ponto do meu triste nascimento;
Vedado à luz do sol este momento, 
Fúrias, com vossos fachos se alumia!

Nascido apenas, pavorosa harpia
Ao berço me voou de imundo alento,
Impestando o misérrimo aposento,
Eis me roga esta praga horrenda, impia:

"Esteja sempre o bem de ti remoto,
Vivas sempre choroso, amargurado,
Dane teus dia o destino imoto."

Caiu-me a imprecação do monstro alado,
Curto mil males, e entre sombras noto
Outros com que me espera ao longe o fado.


08. - Porta de S. SEBASTIÃO
intervenção plástica de Prahlad Fernando Aranda









07. - Postigo do Cais
intervenção plástica de André Mares








06. - Baluarte de N. Sra da Conceição
 intervenção plástica de André Mares







01. - Rua Luís de Camões
antiga Rua dos Açougues, sítio da antiga livraria de Francisco Dias Raposo
intervenção artística "Argumento falacioso", de Ricardo Guerreiro Campos






Vós, ó Franças, Semedos, Quintanilhas,
Macedos e outras pestes condenadas;
Vós, de cujas buzinas penduradas
Tremem de Jove as melindrosas filhas;

Vós, néscios, que mamais das vis quadrilhas
Do baixo vulgo insossas gargalhadas,
Por versos maus, por trovas aleijadas,
De que engenhais as vossas maravilhas,

Deixai Elmano, que inocente e honrado
Nunca de vós se lembra meditando
Em coisas sérias, de mais alto estado;

E se quereis, os olhos alongando,
Ei-lo! Vede-o no Pindo recostado,
De perna erguida sobre vós mijando!




Pilha aqui, pilha ali, vozeia autores,
Montesquieu, Mirabeau, Voltaire, e vários;
Propõe sistemas, tira corolários,
E usurpa o tom d'enfáticos doutores:

Ciência de livreiros e impressores
Tem da vasta memória nos armários;
E tratando os cristãos de visionários,
Só rende culto a Vênus, e aos Amores:

A mulher, que a barriga lhe tem forra
Do jugo da vital necessidade,
Deixa em casa gemer como em masmorra:

obiltre, labéu da humanidade,
É um tal bacharel Leitão de borra,
Lascivo como um burro, ou como um frade.


02. - Postigo de Santa Catarina
intervenção artística "Chuço", de Jaf



É pau, e rei dos paus, não marmelleiro.
Bem que duas gamboas lhe lombrigo;
Dá leite, sem ser arvore de figo,
Da glande o fructo tem, sem ser sobreiro:

Verga, e não quebra, como o zambujeiro;
Occo, qual sabugueiro tem o umbigo:
Brando ás vezes, qual vime, está comsigo;
Outras vezes mais rijo que um pinheiro:

Á roda da raiz produz carqueja:
Todo o resto do tronco é calvo e nú;
Nem cedro, nem pau-sancto mais negreja!

Para carvalho ser falta-lhe um u;
Adivinhem agora que pau seja,
E quem adivinhar metta-o no cu.


Esse disforme, e rigido porraz
Do semblante me faz perder a còr;
E assombrado d′espanto, e de terror
Dar mais de cinco passos para traz:

A espada de membrudo Ferrabraz
De certo não mettia mais horror:
Esse membro é capaz até de pôr
A amotinada Europa toda em paz:

Creio que nas fodaes recreações
hão de a rija machina soffrer
Os mais corridos, sordidos cações:

De Vénus não desfructas o prazer:
Que esse monstro, que alojas nos calções
É porra de mostrar, não de foder.


03. - Porta Nova
Rua Augusto Cardoso, antiga Rua dos Sapateiros
intervenção plástica "Anatomia para burro na partida de Bocage" de Prahlad Fernando Aranda


Quer ver uma perdiz chocar um rato,
Quer ensinar a um burro anatomia,
Exterminar de Goa a senhoria,
Ouvir miar um cão, ladrar um gato;

Quer ir pescar um tubarão no mato,
 Namorar nos serralhos da Turquia,
 Escaldar uma perna em água fria.
Ver uma cobra castiçar co’um pato;

Quer ir num dia de Surrate a Roma,
Lograr saúde sem comer dois anos.
Salvar-se por milagre de Mafoma;

Quer despir a bazófia aos castelhanos,
Das penas infernais fazer a soma.
Quem procura amizade em vis gafanos?

~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~


Tejo, que à minha voz abonançavas,  
Que, para me atender, nem murmuravas, 
Quando injustos ciúmes 
Me arrancaram mil prantos, mil queixumes,  
Quando à bela  constância de Gertrúria 
Fiz com suspeitas vãs cruel injúria; 

Antiga Pátria minha e lar paterno,  
Penates a quem rendo um culto interno, 
Lacrimosos parentes, 
Que inda na ausência me estareis presentes; 
Adeus! Um vivo ardor de nome e fama  
A nova região me atrai, me chama. 

Ó vós, que nos altares da Amizade  
Votastes exemplar fidelidade, 
Vasconcelos, Couceiro, 
Lis benfeitor, Andrade prazenteiro, 
Vós, que em doce união viveis comigo,  
Ouvi o terno adeus de um terno amigo. 

Os mares vou talhar, cujos furores  
Descreve o grão cantor, por quem de amores  
Inda as Musas suspiram; 
Aqueles mares, onde os Gamas viram 


foto retirada do blog  Nesta hora 
(http://nestahora.blogspot.pt/2016/09/bocage-poemas-solta-nas-ruas-de-setubal.html)


15. - Praça de Bocage
antigo Largo do Sapal


Liberdade querida e suspirada,
Que o Despotismo acérrimo condena;
Liberdade, a meus olhos mais serena
Que o sereno clarão da madrugada!

Atende à minha voz, que geme e brada
Por ver-te, por gozar-te a face amena;
Liberdade gentil, desterra a pena
Em que esta alma infeliz jaz sepultada.

Vem, ó deusa imortal, vem, maravilha,
Vem, ó consolação da humanidade,
Cujo semblante mais que os astros brilha;

Vem, solta-me o grilhão d’adversidade;
Dos Céus descende, pois dos Céus és filha,
Mãe dos prazeres, doce Liberdade!

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Liberdade querida e suspirada,
Que o Despotismo acérrimo condena;
Liberdade, a meus olhos mais serena
Que o sereno clarão da madrugada!

Atende à minha voz, que geme e brada
Por ver-te, por gozar-te a face amena;
Liberdade gentil, desterra a pena
Em que esta alma infeliz jaz sepultada.

Vem, ó deusa imortal, vem, maravilha,
Vem, ó consolação da humanidade,
Cujo semblante mais que os astros brilha;

Vem, solta-me o grilhão d’adversidade;
Dos Céus descende, pois dos Céus és filha,
Mãe dos prazeres, doce Liberdade!


fotos em 2017.12.17

AUXILIARES
http://www.teatroestudiofontenova.com/outros-projectos/bocage-na-rua-30-poemas/

http://nestahora.blogspot.pt/search/label/poemas%20na%20rua

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Bocage na Rua - 30 + 1 Poemas - 01 - 2ª edição




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