Dezenas de negativos encontrados em 2000 foram declarados como sendo de Ansel Adams, um dos grandes nomes da fotografia do século XX, e estimados em 150 milhões de euros. O neto do fotógrafo, Matthew Adams, explicou ao P2 por que a família contesta.
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Por Ana Dias Cordeiro
Numa entrevista por telefone ao P2, Matthew Adams conta como o avô era meticuloso na sua arte: registava tudo o que fotografava e, em cada imagem que fazia, anotava o tempo de exposição usado. Era desta forma que Ansel - é assim que a ele se refere o neto -aperfeiçoava, em cada fotografia, a técnica de revelação. E com o tempo Ansel tornou-se num dos mais importantes fotógrafos de sempre. Moonrise, Hernandez, New Mexico ou Clearing Winter Storm são apenas algumas das suas fotografias mais conhecidas.
Considerado por muitos como o pai da fotografia norte-americana, Ansel Adams era filho único e teve uma "infância diferente" e solitária, lê-se numa das suas biografias, escrita por William Turnage, também director do Ansel Adams Trust, que hoje detém todos os direitos de publicação do artista.
Tímido e de difícil adaptação à escola, teve um ensino especial à distância e compensou a solidão com a paixão pela natureza e pela música, a que se dedicava tocando piano.
Com o conhecimento que tem da vida e do trabalho do avô, é Matthew - também presidente da Ansel Adams Gallery no Yosemite Park, onde existe uma colecção importante dos seus originais - quem responde, em nome da família, a Rick Norsigian. Este coleccionador de antiguidades de Fresno, na Califórnia, diz ser dono de 61 negativos em placa de vidro de Ansel Adams, encontrados em duas caixas numa venda de garagem em 2000.
Esta semana, uma equipa de especialistas contratados pela firma de advogados de Beverly Hills a que Rick Norsigian recorreu em 2003 veio dar-lhe razão, dizendo que as fotografias teriam sido tiradas entre 1919 e 1932. E anunciou, ao fim de sete anos de investigação, que os negativos fazem parte da obra de Adams. Contactados, nem Norsigian nem a firma de advogados responderam às questões do P2.
Além de uma página pessoal, Norsigian criou um sítio na Internet (www.lostnegatives.com) para vender imagens reveladas a partir de 17 desses negativos, com preços que podem ir até aos 7500 dólares (perto de 6000 euros). O conjunto, diz o especialista em fotografia Patrick Alt também contratado na equipa de peritos, valerá 200 milhões de dólares (150 milhões de euros). "Em quase todas as fotografias, as composições não apresentam nenhuma falha, sendo evidente que foram feitas por um fotógrafo com uma visão e um talento singulares", disse Patrick Alt citado pela CNN e o Los Angeles Times.
A arte da impressão
Matthew Adams começa por dizer que nunca o avô deixaria negativos sem ser ao seu cuidado e que o anúncio pela equipa de especialistas, "com tão poucas provas", é "irresponsável", além de "falso". Não imagina como chegaram ao valor de 200 milhões de dólares. Mas garante que não pode ser verdadeiro, para 61 negativos, de supostas imagens de início de carreira, quando o valor recorde atingido num leilão recente para uma impressão do próprio fotógrafo foi de 720 mil dólares. E explica ao P2: "O valor da obra de Adams está na impressão, que é a expressão da intenção do artista. O negativo é um meio para obter um fim."
Matthew Adams não crê, voltando à forma meticulosa como o artista registava tudo o que fotografava, que houvesse negativos sem registos desse tempo de exposição, que religiosamente anotava. E não há quaisquer registos destes negativos.
É verdade que em 1937 houve um incêndio na câmara escura que Adams tinha no Yosemite Park - tinha outra em São Francisco -, mas isso não explica tudo. "É difícil acreditar que todas as referências desses 61 negativos tenham sido destruídas", diz. No final, considera, a investigação apenas apresenta "provas circunstanciais".
Parte dessas provas diz respeito a esse incêndio - alguns negativos têm os cantos ligeiramente danificados. Além disso, pela semelhança destas imagens com o trabalho de Adams, os especialistas questionam: "Se não foi Adams, quem foi?"
A resposta é imediata e para Matthew parece óbvio que num lugar como o Yosemite, visitado por turistas, amantes e profissionais de fotografia, outra pessoa possa ter captado estas imagens. Volta a insistir que, "embora haja uma boa parte de criatividade e intenção no negativo", a arte está na impressão.
A conversa em tom tranquilo também conduz Matthew à avó, Virginia Best Adams, que nasceu e cresceu no vale de Yosemite. Pela sua proximidade com o marido, com quem se casou em 1928, podia ter sido ela a anotar os nomes dos locais fotografados nos envelopes onde foram encontrados os negativos. Foi o que concluiu a equipa de investigadores, na qual está incluído um especialista em caligrafia, e essa é a ligação a Adams mais concreta que apresentam. Mas é apenas mais uma refutada por Matthew. Os nomes nos envelopes contêm erros "impensáveis" para a sua avó. Como Glaciar Point em vez de Glacier Point ou Bridal Vail Falls em vez de Bridal Veil Falls. Além de conhecer bem cada canto do vale de Yosemite, a avó era "inteligente e culta", garante. "Parece-me inconcebível que Virginia não escrevesse bem qualquer lugar que pertencesse aoYosemite."
Opiniões não coincidentes
Quando, na Primavera de 2000, entrou na venda de antiguidades numa garagem de Fresno, Rick Norsigian achou que os negativos embrulhados em papel de jornal tinham uma "aparência interessante" e comprou o conjunto por 45 dólares. Nada fazia adivinhar que de uma vida modesta, como pintor de paredes numa escola no distrito de Fresno, Norsigian passasse a uma vida cheia de surpresas, digna de um policial, e que chegaria a figura pública, como aconteceu esta semana. O coleccionador não conhecia a obra de Adams mas, entusiasmado com a compra, mostrou as fotografias a familiares e amigos, que notaram a semelhança das imagens com o trabalho do conhecido fotógrafo.
A partir daí, Norsigian empenhou-se em conhecer a vida e a obra de Ansel Adams. Comprou todos os livros de fotografias do artista e leu todas as biografias publicadas. Queria especializar-se para descodificar cada pormenor de cada imagem e assim provar (ou excluir) a hipótese de estes serem negativos perdidos e fotografias inéditas.
Quanto mais lia e observava as fotografias, mais se convencia de que tinha encontrado um "tesouro nacional". Mas precisava de uma confirmação.
Ao contrário do que acontece com as pinturas, não existe uma autoridade oficial que autentique as fotografias e não há uma assinatura que ligue a obra ao artista. Além disso, pouco se sabia de como os negativos teriam chegado àquela venda de antiguidades. O vendedor disse tê-las encontrado num armazém de Los Angeles. Nas suas pesquisas, Norsigian descobriu que Adams se tinha mudado temporariamente para Los Angeles em 1941 para dar aulas. A descoberta deu-lhe ânimo, mas não era suficiente.
Contactou então três dos biógrafos de Ansel Adams, conta o Los Angeles Times num artigo de 2007. A primeira, Mary Street Alinder, encorajou-o. Considerou que algumas imagens pareciam ser de Adams, outras não.
Mais tarde, o coleccionador chegou a Anne Hammond, autora de outra biografia do fotógrafo, que não se pronunciou por ter dúvidas, e a Jonathan Spaulding, também biógrafo de Adams e curador do Museu de História Natural de Los Angeles. Este considerou que nenhum dos negativos chegava ao melhor do trabalho do artista mas que, na altura, Adams não teria ainda desenvolvido o talento que viria a comprovar-se a partir dos anos 30. Mas apontou duas referências nas imagens que estabeleceriam uma possível ligação a Ansel Adams: um carro, um Buick de 1926, como sendo de Albert Bender, que acompanhava Adams nas suas viagens, e uma figura que parecia ser de Ansel Hall, um naturalista de Yosemite que era amigo do fotógrafo.
Podia ou não ser trabalho de Adams. Spaulding não queria comprometer-se com a autoria. Apesar disso, Norsigian entusiasmou-se e, desde 2003, a firma de advogados a que recorreu contratou uma equipa de especialistas em fotografia, caligrafia e até meteorologia. Estes últimos foram ao detalhe de analisar a posição da neve num conhecido pico (Sentinel Dome) do Yosemite Park, as sombras e o modo como estavam formadas as nuvens. Concluíram que uma das imagens dos negativos só podia ter sido captada no mesmo dia de outra, uma fotografia conhecida do arquivo de Ansel Adams - a Jeffrey Pine, um pinheiro no alto de um rochedo.
Matthew, que também vive em Yosemite, diz que a luz, sombras e nuvens de neve na região são indistintas pelo menos durante dois meses num ano. E que a fotografia podia ter sido tirada em qualquer dia desses dois meses, e por outra pessoa que não Ansel Adams
Nos resta acompanhar..
Isto deve ser fraude...
Também acho muito estranho que Ansel Adams não tivesse anotado o tempo de exposição e a abertura das fotografias. Basta ler um qualquer livro «de» ou «sobre» Ansel Adams para reparar que ele anotava sempre tudo.Há que perceber que a fotografia em máquinas de grande formato é muito diferente do digital. Em grande formato, cada fotografia tem de ser pensada. Tirar uma fotografia em grande formato não é como fotografar em digital ou mesmo numa máquina de rolo. O tempo de trabalho é mais longo, cada fotografia é individualizada e anota-se sempre tudo. Quem não tem paciencia para tomar notas também não tería paciencia para usar o grande formato. Nessa altura, já havia máquinas de rolo.Além disso, Ansel Adams era conhecido por ser meticuloso. Como é que nunca ninguém tinha ouvido falar destes negativos? Afinal, são chapas de vidro.. não são nenhum rolo esquecido no fundo de uma gaveta. É dificil não dar pela existência de chapas de vidro de tamanho tipo A4. E Ansel Adams teve vários biógrafos. Como é que nenhum deles ouviu falar destas chapas? As fotografias são mesmo da época? O vidro (um líquido de viscosidade infinita) é mesmo da época? Que emulsão foi utilizada? Gostava de saber.Cá ...RE: Isto deve ser fraude...
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