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“O que a fotografia reproduz no infinito aconteceu apenas uma vez: ela repete mecanicamente o que não poderá nunca mais se repetir existencialmente”.(Roland Barthes)

«Todo o filme é uma construção irreal do real e isto tanto mais quanto mais "real" o cinema parecer. Por paradoxal que seja! Todo o filme, como toda a obra humana, tem significados vários, podendo ser objecto de várias leituras. O filme, como toda a realidade, não tem um único significado, antes vários, conforme quem o tenta compreender. Tal compreensão depende da experiência de cada um. É do concurso de várias experiências, das várias leituras (dum filme ou, mais amplamente, do real) que permite ter deles uma compreensão ou percepção, de serem (tendencialmente) tal qual são. (Victor Nogueira - excerto do Boletim do Núcleo Juvenil de Cinema de Évora, Janeiro 1973

domingo, 13 de dezembro de 2009

Os sórdidos detalhes - Luiz Fernando Verissimo

Crônicas

Enviado por Luiz Fernando Verissimo -
O Globo - Blog do Noglat - 13.12.2009 - | 9h15m

Crônica - Os sórdidos detalhes

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A minicâmera e o grampo telefônico ainda podem fazer mais pela moral na política do que toda a fiscalização e todos os mandamentos cristãos juntos.
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Supõe-se que depois dos escândalos recentes as pessoas fiquem mais cautelosas, ou mais reticentes. Corruptos e corruptores continuarão a existir mas não agirão nem falarão mais tão livremente, pelo menos não antes de procurar a câmera e o microfone escondidos.O que deve no mínimo retar dar os negócios.
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Os avanços da técnica revolucionaram o registro histórico. Imagine se quando o Kennedy foi assassinado já existissem as gravadoras e os celulares que hoje substituem as câmeras fotográficas até no aniversário do cachorro. Em vez daquele precário filme em 8mm do atentado, estudado e reestudado quadro a quadro na busca de vestígios de uma conspiração, haveria teipes e fotos de todos os ângulos e com todas as respostas, como a cara, o nome e o CIC dos possíveis conspiradores.
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Mas a técnica pode empobrecer nossa percepção dos fatos. As grandes batalhas e os grandes eventos da era pré-fotográfica foram registrados em quadros épicos em que o artista ordenava a cena em função do efeito, não da verdade, ou não exatamente da verdade.
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A Primeira Guerra Mundial não foi mais terrível do que muitas guerras anteriores, só foi a primeira guerra filmada, a primeira com a imagem tremida e sem cor, e por isso parece tão mais feia do que as guerras heroicamente pintadas. A Guerra do Vietnã foi a primeira transmitida pela tevê, a primeira em que o sangue respingou no tapete da sala. Por isso deu nojo.
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Até surgir a possibilidade de ser tecnicamente denunciado, o político corrupto podia contar com a condescendência do público. Mesmo quando não havia dúvidas quanto a sua corrupção, havia sempre a suspeita de que não era bem assim.
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Sua culpa — até se ouvir sua voz gravada combinando a divisão dos milhões, ou ver sua imagem forrando os sapatos com dinheiro — era sempre uma conjetura. Imaginávamos o que acontecia nos bastidores do poder corrupto, mas era um pouco como imaginar uma orgia romana, ou visualizar uma orgia romana através da imaginação de um artista.
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Agora não. Com a banalização do grampo telefônico e da minicâmera escondida, temos o que faltava no quadro. Temos o que enoja. Temos os sórdidos detalhes.
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Sem o som e a imagem a corrupção presumida poupa o suspeito. De certa forma, o imuniza. Transformou o Maluf, por exemplo, numa figura folclórica, o corrupto da aldeia, tratado até com um certo carinho. Muitos outros sobreviveram politicamente a indiciamentos e denúncias por que faltaram o som e a imagem que os incriminariam. Faltaram os detalhes.
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http://oglobo.globo.com/pais/noblat/post.asp?t=os-sordidos-detalhes&cod_Post=249593&a=117
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