Escrevivendo e Photoandarilhando por ali e por aqui

“O que a fotografia reproduz no infinito aconteceu apenas uma vez: ela repete mecanicamente o que não poderá nunca mais se repetir existencialmente”.(Roland Barthes)

«Todo o filme é uma construção irreal do real e isto tanto mais quanto mais "real" o cinema parecer. Por paradoxal que seja! Todo o filme, como toda a obra humana, tem significados vários, podendo ser objecto de várias leituras. O filme, como toda a realidade, não tem um único significado, antes vários, conforme quem o tenta compreender. Tal compreensão depende da experiência de cada um. É do concurso de várias experiências, das várias leituras (dum filme ou, mais amplamente, do real) que permite ter deles uma compreensão ou percepção, de serem (tendencialmente) tal qual são. (Victor Nogueira - excerto do Boletim do Núcleo Juvenil de Cinema de Évora, Janeiro 1973

terça-feira, 4 de janeiro de 2022

Fotos de capa em janeiro 04

 * Victor Nogueira


2022 01 04 - Maria Emília (Milaças) - 4 de Janeiro - 1920 - 2022

POEMA À MÃE, por Eugénio de Andrade
________________________________________
No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe

Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos.

Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais.

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.

Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos.

Mas tu esqueceste muita coisa;
esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!

Olha — queres ouvir-me? —
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;

ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;

ainda oiço a tua voz:
Era uma vez uma princesa
no meio de um laranjal…

Mas — tu sabes — a noite é enorme,
e todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber,

Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas.

Boa noite. Eu vou com as aves.


Eugénio de Andrade, in “Os Amantes Sem Dinheiro


2021 01 04 - Maria Emília - Porto 1920.01.04 Setúbal 2013.04.19
-  com 3 anos de idade (foto de estúdio)


2020 01 04 Foto de família- Hoje a Maria Emília (1920 - 2013), 2ª a contar da esquerda, celebraria o seu 1º centenário


2019 01 04 Em Paço de Arcos, foto victor nogueira - Maria Emília  (Porto, 1920 . Setúbal 2013). Hoje comemoraria 98 anos


2018 01 04 Maria Emília - Porto 1920.01.04 / Setúbal 2013.04.17 - Do livro dos finalistas dos cursos de  engenharia (1943)

As quadras contradizem o destino que não quis seguir, mas sim ser uma mulher independente e não uma prendada "fada do lar", apesar de devotada à família e às amizades.

LÁGRIMAS, um dos escritos de Maria Emília, a Milaças

Sonhei com um amor que não vivi
E perdido o encanto de viver,
Mortos os afagos que não senti,
Afundei-me num sombrio abismo.

Lágrimas profundas embaciaram
Meus olhos cansados deste vazio.
Cheios de amargura se ofuscaram
Não visionrando um longínquo clarão.

As lágrimas são alívio da dor,
Também de solidão e tristeza,
Deixando que se perca o calor.

Dum grande amor que não chegou a florir.
As lágrimas secarão por encanto
E meus olhos voltarão a sorrir


2017 01 04 foto de família - Luanda 1951 - baptizado do meu irmão José Luís. Hoje - 04 de Janeiro - a minha mãe faria 97 anos

ACOMPANHAMENTO MUSICAL - Chopin -Nocturno en do menor Op 48 Nº 1 (pianista  Arthur Rubinstein) in 



2016 01 04 maria emília - fases da vida ou as marcas do tempo (fotos de estúdio) - Porto 1920.01.04 / Setúbal 2013.04.17


2015 01 04 foto victor nogueira - maria emília -a chegada a Campanhã - Porto 1920.01.04 - Setúbal 2013.04.19


2014 01 04 Foto de estúdio em Luanda


Maria Emília - Porto 1920.01.04 Setúbal 2013.04.19
Manuel - Porto 1921.09.04 Setúbal 2013.06.06
Zé Luís - Luanda 1951.05.29 Paço de Arcos 1987.02.26
Victor Manuel - Luanda  1946.01.05 - ........

Fernando Pessoa - (Álvaro de Campos)
 
No TEMPO em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.
No TEMPO em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.
Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho...)
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!
O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas
lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!
Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais       copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas o resto na sombra debaixo do alçado —,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa, 
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...

15/10/1929

Sem comentários: