Escrevivendo e Photoandarilhando por ali e por aqui

“O que a fotografia reproduz no infinito aconteceu apenas uma vez: ela repete mecanicamente o que não poderá nunca mais se repetir existencialmente”.(Roland Barthes)

«Todo o filme é uma construção irreal do real e isto tanto mais quanto mais "real" o cinema parecer. Por paradoxal que seja! Todo o filme, como toda a obra humana, tem significados vários, podendo ser objecto de várias leituras. O filme, como toda a realidade, não tem um único significado, antes vários, conforme quem o tenta compreender. Tal compreensão depende da experiência de cada um. É do concurso de várias experiências, das várias leituras (dum filme ou, mais amplamente, do real) que permite ter deles uma compreensão ou percepção, de serem (tendencialmente) tal qual são. (Victor Nogueira - excerto do Boletim do Núcleo Juvenil de Cinema de Évora, Janeiro 1973

terça-feira, 4 de maio de 2010

"Ser-se fotojornalista hoje, não é o mesmo que era sê-lo há dez anos"

Entrevista com Ayperi Karabuda Ecer

Presidente do júri do World Press Photo 2010, e também da primeira edição do prémio Estação Imagem/Mora, a vice-presidente de fotografia da Agência Reuters diz-se "pouco nostálgica" sobre o estado da profissão e abre as portas ao futuro

Sílvia Souto Cunha - Visão
16:35 Sexta-feira, 30 de Abr de 2010

"Ser-se fotojornalista hoje, não é o mesmo que era sê-lo há 
dez anos"
DR




Fala português com um ligeiro sotaque e uma considerável velocidade. Uma primeira surpresa quando se conhece esta jornalista de ascendência sueca e turca. Ayperi Ecer começou a carreira como editora na Sipa Press, em 1984. Em 1991, juntou-se à Magnum, tendo aí trabalhado durante 12 anos. Hoje, vê diariamente milhares de fotografias de profissionais  a trabalhar nos quatro cantos do mundo. No âmbito do seu trabalho, já editou dois livros: The State of the World e Our World Now (ambos na Thames and Hudson) e está agora a desenvolver um projecto multimédia sobre a guerra no Iraque. A sua visão sobre a evolução do fotojornalismo, as influências tecnológicas e a globalização da informação, é lúcida - e sem lamúrias. Sentada num canapé acetinado e de estilo francês, plantado no Alentejo das brancuras, Ayperi faz o balanço das decisões polémicas da edição do World Press Photo 2010, do trabalho dos fotojornalistas portugueses presentes no prémio nacional Estação Imagem/Mora (de que foi presidente do júri composto pelo fotojornalista Francesco Zizola, co-fundador da Noor e premiado oito vezes no World Press Photo, por Daphne Anglès, coordenadora de fotografia do New York Times, e por Magdalena Herrera, editora de fotografia da Geo francesa) e das mudanças no fotojornalismo - um futuro de experiências a que já não se podem "fechar as portas".
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Foi a presidente do júri nesta primeira edição do Prémio Estação Imagem/Mora. O facto de premiarem histórias, em vez de imagens individuais, marcou a diferença?
O que achei interessante no Prémio Estação/Mora é que todos os prémios são dados para reportagens. Há poucos concursos internacionais que façam só isso, já que habitualmente têm as duas categorias. É um incentivo para os fotógrafos pensarem mais na narração. Isso é fundamental numa época em que a narração é um elemento-chave. Hoje, há várias maneiras de contar histórias no multimédia. Então, é uma coisa muito boa também para a criatividade.
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O que deve ter uma história contada por um fotojornalista? 
Há uma grande especificidade na imagem fixa, e numa história contada por imagens. Mas o desafio é que estamos num tempo em que podemos encontrar a importância singular da fotografia. Porque é que se faz fotografia e não vídeo, porquê usar imagens e em que situações, são questões que toda a gente terá de se perguntar a si própria. Vai haver muitas mudanças. Haverá certos assuntos que só poderão ser contados em imagens fixas, e outros que poderão ser contados em vídeo. Há uma relação entre fotógrafo e memória  que é muito diferente da existente entre vídeo e memória. Mas isso não quer dizer que a fotografia seja o único meio em que um fotojornalista se pode exprimir.  Pelo contrário: se misturar os meios, pode chegar a resultados interessantes.
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É fantástico quando se pode contar uma história em apenas oito imagens. Só a edição consegue alcançar tal na fotografia. Ficámos muito satisfeitos com a qualidade das histórias apresentadas em Mora. Eu tenho um interesse particular em Portugal, penso que é um país de literatura. As pessoas são muito literadas na forma de falar, nas referências. Portugal já tem uma boa fotografia, mas creio que possivelmente também terá um multimédia interessante no futuro. A Estação Imagem escolheu investir energia nas reportagens. É um grande trabalho. Ao falar com os fotógrafos presentes, todos disseram que é um grande desafio pois não fazem este trabalho profissionalmente: não há ninguém para os publicar. É uma vitória que eles digam: "Ainda vou continuar a fazer isto, vou puxar por mim e não vou ser apenas uma vitima das circunstâncias, dos modelos económicos, etc."
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Os prémios, incluindo o World Press Photo, tornaram-se numa montra para o verdadeiro fotojornalismo?
Antes, os prémios eram o lugar onde se via apenas o best off. Agora, são um showcase [montra] para a profissão. E é fascinante poder tomar parte nisso. Aqui em Mora, vimos mais de cinco mil imagens. No World Press, vimos mais de cem mil fotografias produzidas em todo o mundo. Para quem se interessa em saber qual é o estado da profissão, é uma oportunidade única para ver o que se produz. 
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E qual é o estado da profissão?
É frágil. Mas eu não sou uma pessoa nostálgica. Há uma diferença entre os modelos económicos vigentes então e agora, a informação está a mudar. Ser-se jornalista ou fotojornalista hoje, não é o mesmo que era sê-lo há dez ou 20 anos. Mas ser-se carteiro ou trabalhar para as companhias aéreas hoje, também não são a mesma coisa: já não se carregam cartas, já não há emissão de bilhetes... Mas os fotojornalistas parecem estar muito surpreendidos com a mudança. E isso é bastante contraditório, pois é suposto serem eles a compreender a mudança, a prevê-la e a descobrir formas de avançar. Em vez disso, parecem estar a ser apanhados por ela e a sentirem uma grande nostalgia pelos tempos passados. Eu não faço parte disso. Tenho mais de 50 anos. Conseguimos imaginar a sociedade dentro de 30 anos? É claro que será diferente, é muito tempo.
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O discurso actual dos fotojornalistas centra-se, então, nas limitações de espaço nos media, de diminuição de investimento económico. Quais são as vantagens dessas mudanças?
Há potencialidades fantásticas. Hoje, ser-se fotógrafo é ser-se automaticamente editor, porque se é o único que sabe efectivamente o que está dentro da câmara. O que nunca aconteceu antes. Há vinte e cinco anos, os fotógrafos iam trabalhar, enviavam o resultado sem o ver e outros editavam-no. Hoje, têm um acesso fenomenal à informação e são editores das suas imagens. Uma outra fraqueza da foto reportagem até agora, era a ausência de ligação à informação: o fotógrafo ia para algum lado, fotografava os refugiados no Congo ou algo assim, mas era sempre uma informação subjectiva. Francamente, quantas dessas histórias nos contavam realmente algo sobre a realidade desses países? Contavam-nos alguma coisa das emoções que o fotógrafo criava para nós e ficávamos abalados com as imagens. Mas nunca tínhamos dados na mão para fazer algo com essa informação. Agora, pode-se clicar numa fotografia e ir mais fundo. É um puzzle maior, mais complexo. Os modelos económicos ainda não estão a funcionar com esta realidade, mas não podemos deixar de ver que há também oportunidades incríveis. É claro que a imprensa online vai ser o grande media de amanhã, mas tenho a certeza que aí haverá maneiras de os fotojornalistas se expressarem. A fotografia terá o seu papel, e será muito interessante. Mas não será a mesma coisa que é hoje. Isso é uma certeza.
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É uma falsa questão pensar que, nesse cenário, a visão do fotógrafo será cada vez mais importante e mais 'política'?
Trabalho numa grande agência, a Reuters, onde todos os fotógrafos são jornalistas. Porque têm de o ser: são eles que providenciam as imagens sobre o que se está a passar, é um ambiente completamente diferente. As pessoas que não estão a trabalhar assim, têm de tornar-se verdadeiros jornalistas: têm de conseguir responder a questões, obter acesso, ter a certeza de que a informação é correcta pois ela estará na internet num segundo. Sim, acho que é verdade que o papel do jornalista na relação com a informação será mais forte. Fala-se em crise, mas teremos novas profissões ligadas ao fotojornalismo, ao nível da produção da imagem e do design. A pós-produção será muito importante, tal como a produção multimédia. O design gráfico online será fundamental, pois trabalha a forma como vemos. Teremos equipas a trabalharem juntas, incluindo obviamente os que trabalham o texto. Haverá muitos empregos relacionados com o fotojornalismo, mas diferentes dos que até agora funcionaram.
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Regressando ao caso português, recordo-me de, em anteriores prémios de fotojornalismo, o júri mencionar por vezes que os fotojornalistas portugueses precisavam de editar mais e melhor. Concorda?
Sim, absolutamente. Mas é um problema de todos os fotojornalistas em todo o lado. No fim, quando temos de escolher  a imagem vencedora, é o elemento da edição que decide. Fomos unânimes na atribuição do grande prémio Estação Imagem/Mora [a Paulo Pimenta, com a reportagem sobre a extinta linha de comboio do Sabor]. Foi uma reportagem de que todos gostávamos: evocativa, a preto e branco mas não sentimental, e que nos convidava ao futuro. Estava muito bem editada e comoveu-nos.
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Um outro comentário ouvido nas mesmas circunstâncias: o trabalho dos fotojornalistas portugueses era bom mas ainda muito local. Sentiu o mesmo?
Francamente, acho que isso é uma coisa positiva. E que dizemos também de outros países. O tempo do observador estrangeiro acabou. Não quer dizer que não se possa ir para lugares distantes fazer o trabalho. Mas o fotojornalista que viaja em trabalho para um pais durante pouco tempo, tendo a pretensão de conseguir dar um retrato completo dessa realidade, acabou. Por causa da informação em circulação,  e por causa de uma fantástica geração de profissionais que existem hoje em todos os países. Trabalho com fotógrafos extraordinários, que são do Bangladesh, da Indonésia... Têm um olhar, têm a tecnologia (porque muitas vezes a tecnologia vem dos seus próprios países), e têm coisas para dizer.
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Há, portanto, também uma emergência de novos valores do fotojornalismo?
Sim. É verdade que os grandes fotojornalistas famosos têm muito menos páginas para publicar as suas histórias maiores. Mas também é verdade que temos fotógrafos fantásticos em todo o mundo. Creio que existem cerca de onze mil jornais no mundo. Quando vemos a sua qualidade fotográfica, é extremamente alta em quase todos. Há uma geração de fotógrafos que se desenvolveu no mundo emergente, e uma qualidade geral maior da que existia há vinte anos. Ainda voltando à questão do local: fotografar no próprio país, e fazer uma grande diversidade de temas nacionais, é muito importante. Não se deveria ser forçado a fazê-lo. Como qualquer artista, o fotojornalista deve ter a hipótese de escolher. Mas deve trabalhar também essa realidade. Vimos no prémio Estação Imagem/Mora que havia muitos trabalhos sobre Portugal: alguns muito bem feitos, muitos não eram suficientemente bem feitos. Sentimos que os fotojornalistas passaram apenas um dia a fazer o trabalho, e que, se tivessem investido mais tempo, haveria tanto mais para fotografar. Portanto, não penso que ser um bom fotografo esteja relacionado com o trabalhar a nível local ou internacional.
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Detecta diferenças no olhar fotográfico e nos temas dessa nova geração de países emergentes?
É uma boa pergunta. Penso que demora tempo para se ter uma visão pessoal, no sentido de dominar a tecnologia e ter uma visão original. Mas há, claramente, um interesse diferente no tema quando se está a trabalhar no próprio país. Observo isso nos fotógrafos dos países emergentes: eles tratam o seu país como um todo. Não estão ali para documentar apenas o desastre, para serem testemunhas de uma acontecimento dramático. Estão ali para mostrar o seu próprio povo. O fotojornalismo tem de abordar estes temas: a economia, as classes médias, a tensão urbana... Actualmente, a economia é chave. Se, como fotojornalista, não se entende a economia, perde grande parte do quadro. E penso que os fotógrafos  dos países emergentes estão muito mais conscientes e interessados em pesquisar e compreender o desenvolvimento do que nós.
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Os prémios têm distinguido sobretudo as fotografias sobre os grandes conflitos. Essa valorização não influenciou também esse afunilamento de temas?
Mas porque eram as melhores fotografias. E porque as guerras são muito fotografadas. Quantos bons trabalhos se conhecem sobre pessoas ricas? Os fotojornalistas viram-se a si próprios como os profissionais que documentam a violência, a injustiça, a miséria. E isso é muito importante. Mas acho que, de alguma forma, limita o fotojornalismo. E em vez de serem vitimas, dizendo 'oh, andam a matar o fotojornalismo', é melhor fazerem perguntas a si próprios: "Como poderíamos ser mais próximos às realidades das nossas sociedades? O nosso trabalho terá sido suficiente? Teremos feito algo errado ao longo dos anos? Não terá sido pouco dar um retrato a preto e branco da miséria no mundo? Isso terá sido suficiente para fazer a fotografia sobreviver?" Penso que quando há fragilidades à nossa volta, devemos interrogar-nos. Tenho a certeza de que há respostas, que dão pistas sobre o que aconteceu ao fotojornalismo.
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São questões levantadas pela fotografia vencedora do World Press Photo 2010, Telhados de Teerão de Pietro Masturzo, onde não é imediatamente claro o que as mulheres fotografadas estão a fazer e como se estabelece a relação com a situação política iraniana...  
Primeiro que tudo, essa fotografia não foi uma escolha ideológica. Adorei logo estas imagens, mostravam o começo de algo. Eu não creio que a vida seja frontal, mas o fotojornalismo é. Há sempre uma vítima, fotografam-se campos de refugiados, ou um massacre... Mas é muito interessante captar o que as pessoas fazem e vivem além dessas circunstâncias. Sabia que todas as noites, desde os tempos do Xá, há 30 anos, que as mulheres sobem aos telhados a cantar pelo Irão? Gostei muito destas imagens: estas mulheres fotografadas não em espaços públicas, aquelas janelas onde podemos imaginar que vivem outros. Vemos pouco esse tipo de fotografias no fotojornalismo.
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A informação fotográfica tem sido dada de uma forma mais directa.
Quem decidiu que as notícias têm de ser dadas de determinada forma? A informação é muito importante para as nossas sociedades. Mas podemos contá-la de formas diferentes. Acredito que as pessoas ficam fascinadas pela informação quando esta é bem contada e lhes diz algo. Esta fotografia premiada tratou a informação de forma criativa. Mas tivemos o cuidado de premiar as fotografias em cada categoria que eram as melhores aí. Não é uma questão de dizer o que é melhor. O fotojornalismo está a mudar.  Mas isso é algo bom. Veja-se, por exemplo, o prémio  dado pela Estação Imagem à reportagem em S. João da Madeira [Crise em S. João da Madeira, de Ricardo Meireles]: é uma história muito narrativa sobre a crise, mas excelente. O que também quer dizer que, se calhar , são necessárias formas mais subtis de falar às pessoas.
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Atribuiram a Menção Especial do World Press Photo (o que apenas aconteceu em 1969, aquando da chegada do Homeme à lua) a um frame retirado do vídeo postado no You Tube, sobre a morte de Neda Agha-Soltan. É a aceitação do cidadão-jornalista? 
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O World Press Photo pediu-nos, antes de chegarmos para a avaliação em Amesterdão, para escolhermos o documento de cidadão-jornalista mais importante do ano. E todos escolhemos esta imagem, porque teve um impacto imenso. Esta imagem revelava uma face de uma situação que o fotojornalismo clássico não conseguiu cobrir por causa da censura. Mas também premiámos excelente trabalho fotojornalístico clássico sobre estes acontecimentos no Irão.
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Tem reservas sobre a figura do cidadão-jornalista e a utilização noticiosa de material produzido nesse contexto?
As coisas estão a mudar. Não se pode fechar as portas às experiências. As pessoas vão participar mais, a tecnologia foi feita para tal. E a informação vai para onde a tecnologia for. Mas desejaria que o cidadão-jornalista também fizesse coisas que  o fotojornalismo clássico não faz, em vez de apenas imitar o que este devia fazer.  É claro que, na história do fotojornalismo, sempre tivemos grandes scoops obtidos por cidadãos. Não é inédito mas, agora, é muito mais fácil. No entanto, a fotografia tornou-se algo tão democrático nas mãos das pessoas, que é entusiasmante pensar no que elas podem fazer e documentar da sua vida. Já imaginou que, daqui a 50 anos, teremos uma quantidade imensa de imagens a que nunca tivemos acesso antes? Além de que, se é necessário um acesso privilegiado a áreas como desportos, cenários militares, espectáculo, outras fontes de informação surgirão naturalmente. Mas eu sou uma forte crente na profissionalização. As pessoas tomam a boa informação como um dado adquirido - mas devem compreender que é um luxo, que exige muito esforço, muito investimento, muito dinheiro, a quem o produz.
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No futuro, os fotojornalistas serão tendencialmente freelancers ou haverá grupos associados por interesses comuns?
Acho que o tempo das agências de tamanho médio está acabado. Com o avanço da tecnologia, esse nível de intermediários está a findar.  As grandes agências de informação sobreviverão, apostadas na grande informação e no vídeo. Devido aos cortes orçamentais que estão a acontecer nos outros meios, mais a sua importância se destacará como fonte fiável.  Os colectivos de fotógrafos já não são como os de antigamente. Hoje, são grupos emocionais: cada fotojornalista está a fazer o seu trabalho mas tem ligações emocionais aos outros. Ou, então, são grupos orientados por objectivos. Decidem trabalhar em nichos, por exemplo escolhendo a saúde e sendo reconhecidos por essa especificidade. Mas há outras  entidades que estão a controlar a produção de imagens. Por exemplo, as ONGs estão a tornar-se grandes produtoras de fotojornalismo. Por um lado, é positivo. Por outro lado, pedem-te para produzir uma imagem do mundo que se adapta ao seu programa, que vai de encontro às suas necessidades. E é preciso questionar que necessidades são essas. Produz-se para quem paga, e isto levanta questões. Os fotojornalistas vão em busca de uma mensagem e não à descoberta.
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Que impacto sente ao entrar numa galeria e ver imagens produzidas por fotojornalistas em exibição?
Primeiro que tudo, não podemos generalizar. Nunca senti grande simpatia pelo uso de imagens de miséria humana nesse contexto, mas tudo depende de como o fotógrafo se posiciona. Mas não gosto desse oportunismo de transformar o fotojornalismo em arte. Acredito que há fotógrafos que são artistas,  e nós não os vemos nestes contextos. Muitas vezes, vemos nessas galerias fotojornalistas a tentar ser artistas - mas não o são. Existe uma enorme diferença entre ser um artista que usa a realidade e ser um fotojornalista a tentar transformar o fotojornalismo em arte. São dois mundos diferentes.
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Pensando na questão da criatividade de que o júri do Estação Imagem/Mora falou insistentemente, alguns fotojornalistas poderão sentir a tentação de cruzar essa linha.
E a criatividade pode ser muito interessante, mas é completamente diferente de pegar numa imagem e ampliá-la simplesmente.  Tem de se ter uma visão diferente. Mas esse cruzamento de fronteiras é interessante. Aliás, acho que passaremos a ter, no futuro, muito trabalho de vídeo produzido por fotojornalistas.
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Exibir uma imagem de fotojornalismo, nomeadamente de temas sensíveis, numa galeria, corre o risco de causar menos impacto? Isto é, o contexto pode empurrar para o efeito estético e criar um distanciamento emocional?
Bem... Será que esse facto alterou a percepção, por exemplo, na pintura? Pensemos historicamente nos quadros de Goya. Nós não impedimos as coisas de acontecerem. Todas estas questões levantadas pelo fotojornalismo é porque se estão a tentar coisas novas - o que é sempre melhor do que ficarmos quietos, sem fazer nada.
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Sentiu já essas mudanças e experimentações no World Press Photo?
Vimos algumas mudanças, não todas. Vimos muita repetição de temas, imagens que pareciam iguais. Mas sentiu-se já uma menor variedade nas reportagens - porque há menos trabalhos produzido e menos encomendas.  Os profissionais vão só para três ou quatro lugares: Iraque, Irão, Congo... Imagens sobre o Haiti, ver-se-ão seguramente na próxima edição do prémio. Isto é muito negativo, porque se vê muito menos do mundo. Mas, ao  mesmo tempo, surgiram mais histórias de quotidiano, o que quer dizer que os fotojornalistas estão a virar-se para os ambientes próximos. A necessidade cria oportunidades. Penso que em Portugal, a avaliar pelo prémio Estação Imagem/Mora, isso também será um factor interessante. Premiámos três histórias diferentes, que mostram formas de fotografar diversas: uma reportagem muito boa sobre a violência no Brasil, difícil de fotografar [Gangland, de João Carvalho Pina, já publicada na VISÃO]; uma história muito íntima sobre Alzheimer [Alzheimer, de Nacho Doce], e uma reportagem irónica e divertida sobre  o exército russo [Concurso de cozinheiros do exército russo, de Nelson d'Aires]. Uma produção que traz a fotografia para mais perto das pessoas - que é onde ela também deve estar.



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