* Victor Nogueira
Nos meus tempos de estudante em Económicas e depois, quando vinha de évoraburgomedieval a Lisboa e almoçava com a minha ex-colega Emília, economista, que trabalhava no sucessivamente Ministério das Corporações e Previdência Social e Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, a Praça de Londres e adjacências eram um ponto de encontro. Mas no meu 1º ano em Portugal, ainda professando a religião católica, era à Igreja de S. João de Deus, no ano em que estive hospedado na Rua de S. João Nepomuceno, que vinha assistir à missa, pois me entediavam as homilias e prédicas do pároco da Igreja de Santa Isabel, assim como as suas ingénuas respostas e argumentações às minhas dúvidas e questões.
1968
Estou cansado, cheio de calor. Convidei a Milinha [Emília] para irmos à praia, mas não aceitou porque tem duas cadeiras para Outubro. Raio de miúda, ainda tem um feitio mais complicado e complicativo que o meu. Imaginais um Victor mais fechado na sua concha, mais tímido, mais brusco, mais fechado em si mesmo, mais impenetrável. Aí tendes um retrato a traços largos da Milinhas. E no entanto, eu creio que aquilo é fachada, é máscara. Se eu casasse com uma miúda com aquele feitio, que também é o meu, assim o creio, faríamos uma felicidade a dois, mas provavelmente teria de desistir dos meus projectos de revolucionário prático, de ser alguém importante, notável. Para isso teria de casar com uma moça como, por exemplo, a Teresa P. (NSF - 1968.08.21)
1969
(...)
Dizem que estou apaixonado
Mas isso não e verdade.
Ou é !?
Estar apaixonado é isto!?
Esta eterna espera pelo
incerto?!
Espero -te !
És a voz quente e cordial da
Emília
que de repente arrefece e
desaparece.
És a Maureen, borboleta
esvoaçante e carinhosa.
És a miudinha sorridente da
papelaria do Chiado,
essa mesma, que tinha uma
covinha no queixo.
Sois todas vós, oh mãos
estendidas,
oh lábios sorridentes, oh
verdes olhos pretos
ou pretos olhos verdes!
Todas vós.
Ninguém! (...)
(Évora, 1969.03.16)
1973
Almocei com a Emília. O almoço no "Isaura", ali na Avenida de Paris, estava bom e falámos dos nossos velhos companheiros de lides associativas - quantos já se integraram no sistema? Outros continuam a lutar, alguns mesmo à custa da própria liberdade. (MCG - 1973.10.02)
1974
Nunca o meu desencanto por Lisboa foi tão grande. Outrora no outro tempo ... Havia os grandes passeios, os encontros, as idas ao cinema. Era o tempo da disponibilidade do Luís, da Emília, do [António] Lampreia, do [Jorge] Zamith, do Martins Pereira, da Luísa Seia, estes [três] de Angola e meus velhos companheiros de Liceu (O Zamith já vinha da escola primária). Mas o tempo casou uns e levou outros e mesmo que ainda os veja, como estão distantes de mim! Passaram todos, e eu fiquei. (MCG - 1974.04.04)
Já é sábado, ao entardecer. Estou aqui na esplanada da pastelaria "Mexicana" [desenhada pelo arq. Jorge Ferreira Chaves], aqui na Praça de Londres. As pessoas falam animadamente; todo o comércio, no entanto, está todo fechado: está em vigor a semana de 5 dias de trabalho. Assisti, ao meio da tarde, ao encerramento dos cafés e pastelarias, cujos clientes as abandonaram calmamente - muitos com pacotinhos de bolos - não fossem os manifestantes (que não cheguei a ver) partirem os vidros. Esperemos que a "palavra de ordem" não se tenha esquecido que há muita malta que precisa dos restaurantes para almoçar e jantar; no 1º de Maio, um tipo ainda aguenta, mas agora... Ah! neste preciso momento abrem-se as portas da pastelaria. Talvez o encerramento tenha sido apenas para o tempo da manifestação dos caixeiros, iniciada no Rossio. (Foi mesmo!). (MCG - 1974.05.11)
Sentado aqui no "Copacabana" vejo as pessoas que passam aqui na rua ou que "estacionam" na esplanada. Um velho mal barbeado pede qualquer coisa às pessoas com chávena, pires e copos mais ou menos vazios diante de si, mas ninguém lhe liga. Relanceio o meu olhar ao meu redor e são velhos e velhas que enchem as cadeiras da esplanada. Além, na "Mexicana", a juventude é a nota característica. Que fazem estas pessoas ? De que vivem? Tão ociosas que estão!
Faço horas aqui na Avenida Guerra Junqueiro, junto à Praça de Londres. (...) Levanto o olhar e dou pela papelaria em frente; na montra títulos de livros ou assuntos na "berra": "Sobre o Capitalismo Português", "4 ismos" (uma porcaria!), "O Drama do Chile", "Tarrafal, Aldeia da Morte", "Watergate, o Processo do Século"´ (e eu a pensar nos julgamentos de Nuremberga ou de Estocolmo, respectivamente, sobre os crimes contra a humanidade, dos Nazis e dos Americanos no Vietname!), "O Capital "(Karl Marx), "O Estado e a Revolução" (Lenine), "Como Iludir o Povo" (idem)...(MCG - 1974.09.12)
1998
Esta zona das Avenidas de Paris, de Londres, do Brasil e dos Estados Unidos, incluindo as Praças de Londres e do Areeiro, ligadas pela Avenida da Igreja, correspondem ao desenvolvimento dos anos 50/60, aqui se pretendendo então que coexistissem em áreas recatadas e protegidas do bulício diversas classes sociais, espalhadas por vivendas ajardinadas e prédios de andares. Tudo isso ficou para trás e as avenidas de Roma, dos EUA e do Brasil são continuamente ocupadas por automóveis em movimento e atravessadas por viadutos ou por túneis, que facilitam o escoamento do tráfego. Os passeios da avenida de Roma foram parcialmente ocupados pelos automóveis e as ruas já não se atravessam com o descuido de outrora.
(...) Nunca achei muita piada à nudez da Alameda D. Afonso Henriques, onde se comemoraram alguns 1º de Maio pela CGTP, nem à Fonte Luminosa, que raramente vi trabalhar, nem à minúscula Praça do Chile, com a sua minúscula estátua. Como em muitas outras zonas de Lisboa, por aqui já não se ouve o barulho dos amarelos da Carris, como eram conhecidos os carros eléctricos. Mais simpática era a Avenida Guerra Junqueiro, que ligava a Alameda à Praça de Londres, onde se encontravam alguns cafés, alguns dos quais subsistem, como a Mexicana ou o Roma, este mais acima, já na avenida com o mesmo nome, para já não falar naquele que se situa na cave do antigo cinema Império. Em restaurantes em torno da Praça de Londres almocei ou jantei frequentemente com a Emília ou com a Beatriz. (Notas de Viagem, 1998.Maio)
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