* Victor Nogueira
Ontem em conversa com um vizinho que mora mais distante
fiquei a saber que na enseada da ponta da Gafa restam apenas três das chamadas
casas do mar, para além doutra ao lado do edifício do antigo posto da
Guarda Fiscal, que é ou foi pertença do avô dele e onde este guardava o barco de pesca.
Nesse edifício actualmente e durante o Verão funciona uma extensão da Biblioteca
Municipal de Vila do Conde. As casas na rua do Norte foram construídas apenas
há cerca de 50 anos e nunca foram "casas do mar", contrariamente ao que
eu supusera. (2) As casas dos pescadores, os cabaneiros, eram cobertas a colmo.
A pesca e a apanha do sargaço e do pilado (caranguejo, também conhecido como navalheira) eram actividades
sazonais, sendo o sargaço um adubo bem poderoso e não poluente para as terras
arenosas onde se cultivam essencialmente o milho e a batata. Depois de
apanhado, o sargaço era levado para o alto das dunas, onde ficava a secar
estendido numa camada fina e compacta, a que se chama manta de sargaço.
“A expansão da
actividade agrícola devido à fertilização dos solos com sargaço (...) foi tão
intensa que a pesca do pilado e a apanha do sargaço se tornaram o verdadeiro motor
económico da região litoral norte, Os cabaneiros foram os verdadeiros povoadores
das dunas litorais, a partir de finais do séc. XVIII, construindo as suas
cabanas em madeira, criando a sua prole de filhos, uns empregues na pesca,
outros na agricultura, que deram origem às primeiras povoações na borda de água
e que estarão na origem de povoações como Moledo do Minho, Afife, Castelo do
Neiva, S. Bartolomeu do Mar, Apúlia, Aguçadoura, A-Ver-o-Mar, Póvoa de Varzim,
Caxinas, Vila Chã, Mindelo, Angeiras, Canidelo, Esmoriz, Murtosa e Ovar.“ (1)
A actividade piscatória era
sazonal, coincidindo com os meses de Inverno. Cada pescador tinha delimitada a
sua zona de pesca, sendo motivo de briga as invasões do "mar" alheio,
outrora muito mais rico em peixe: sardinha,faneca ... Muito
apreciado era o congro, pitéu para a consoada antes de ser destronado pelo
bacalhau. Alapadas nas rochas há crustáceos, como os percebes.
Voltei à praia para nova visita
prospectiva, seguindo para sul pela ciclovia pedonal que ao longo das dunas
corre todo o litoral do concelho. Sozinhos ou em grupo, em biquini ou calções
de banho, cruzam-se comigo rapazes e raparigas ostentando um bronzeado
baço e dum castanho muito escuro. Há bicicletas paradas ou ciclistas rodando e
pessoas conversando ao longo do passadiço e o mar refulge em tons
argênteos. Nalguns quintais cultivam-se pencas (couves) e nas dunas a vegetação
é rasteira e raquítica, aqui e além aflorando um canavial. O tempo está bom, a
praia quase vazia (a época estival terminou), mas não trouxe calções de banho e
guarda-sol para me sentar à beira-mar.
Resolvo lanchar no café no cruzamento de Árvore, onde na
tabacaria compro uma graphic novel e
um livro de contos de Oscar Wilde, um escritor cujo sentido do humor aprecio. A
caminho de Vila do Conde resolvo seguir não para leste mas para sul e quando
dou por isso estou a caminhar para leste, passo por baixo de dois viadutos e
dou por mim a caminho de Macieira da Maia. Em consequência resolvo seguir para
o bucólico e remansoso lugar onde se situam a ponte românica de D. Zameiro e as
azenhas com o seu açude, os campos e as margens cobertos do verde das árvores e das plantações agrícolas. (3) Desço até à beira rio Ave para o açude, entrevejo pela
porta entreaberta duma das azenhas e no seu interior uma mesa e uma cadeira de
espaldar com assento que me parece forrado a púrpura e saúdo dois indivíduos
que dele saem, fechando a porta atrás de si, um dos quais, idoso, com ar british e chapéu de palha –
pescadores desportivos. Este, um pouco mais tarde, cruza-se no carro dele com o
meu, fazendo-me um leve aceno.
Rumo à Rua de Paredes onde o site da CM de Vila do Conde diz existirem casas típicas de lavoura mas encontro apenas edifícios profundamente transformados. Nas ruas da Praia, da Igreja e da Lameira há casas da lavoura que me parecem ainda reflectir as doutros tempos.
Neste entardecer poucos patos nadam, preferindo a maioria a
lazeira de estar ao sol.
Regresso ao Mindelo mas conduzir no Verão ao entardecer é um
tormento, pelo encadeamento do sol baixo no horizonte, que os óculos escuros
não conseguem evitar. Como os automobilistas locais avançam impacientemente e por
cima de toda a folha por estes caminhos vicinais, estreitos e tortuosos,
resolvo estacionar perto dum cruzeiro até que o sol esteja prestes a mergulhar
no horizonte.
e
(3)
Mindelo
edifício do antigo Posto da Guarda Fiscal
extensão da biblioteca municipal de Vila do Conde
praia, enseada da ponta da Gafa, dunas e ciclovia
(antigas casas do mar)
~
(canavial)
casa de lavoura na Rua da Estrada Velha
rua de Paredes
Rio Ave em Macieira da Maia
(lugar da Ponte do Ave)
local não identificado
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