Escrevivendo e Photoandarilhando por ali e por aqui

“O que a fotografia reproduz no infinito aconteceu apenas uma vez: ela repete mecanicamente o que não poderá nunca mais se repetir existencialmente”.(Roland Barthes)

«Todo o filme é uma construção irreal do real e isto tanto mais quanto mais "real" o cinema parecer. Por paradoxal que seja! Todo o filme, como toda a obra humana, tem significados vários, podendo ser objecto de várias leituras. O filme, como toda a realidade, não tem um único significado, antes vários, conforme quem o tenta compreender. Tal compreensão depende da experiência de cada um. É do concurso de várias experiências, das várias leituras (dum filme ou, mais amplamente, do real) que permite ter deles uma compreensão ou percepção, de serem (tendencialmente) tal qual são. (Victor Nogueira - excerto do Boletim do Núcleo Juvenil de Cinema de Évora, Janeiro 1973

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

porto - nº 44 da travessa da carvalhosa 1949/1950


foto de família - porto - nº 44 da travessa da carvalhosa 1949/1950 - 


Para além do escriba, os meus avós António, Alzira e Zé Luís e os meus tios José e José João e a Maria Emília 

ELEGIA PELA MINHA FAMÍLIA DISPERSA

Meu avô António Barroso
primo de Bispo
..........de S. Salvador do Congo e do Porto,
..........a quem puxaram as barbas nos alvores da República,
filho de lavradores abastados de Barcelos
casado jovem
.............guarda livros num banco
passando noites somando
.............intermináveis colunas de cifras
.............e o dinheiro que faltava para tantos filhos.
Meu avô, quando jovem, tinha nas fotografias
.............um ar austero e severo
.............sempre de preto
.............viúvo.
Meu avô, já idoso
.............um ar jovem e sereno
.............um sorriso moço e tímido
.............uma fala mansa
.............um gesto amigo.
Minha avó, Francisca da Conceição, de Chaves
.............não conheci
.............casou mais velha
.............falava francês e tocava piano
.............alegre e generosa, dizem-me.
Minha avó trocou o convento pelo casamento
.............mas antes deixou os bens aos padres
.............das Oficinas de S. José,
Encontraram-se no Porto e muitos filhos tiveram
.............que não conheci senão minha mãe
.............e meu tio Zé Barroso
.............grandiloquente e folgazão
.............curioso e letrado.
Minhas tias Marias Almira e José
Meu tio Joaquim
.............estes só conheço das recordações da minha mãe
Meu avô Zé Ferreira
.............nascido em Mora
.............filho de comerciante ribatejano
Meu avô quimico-analista
.............alegre jovem despreocupado
.............que em menino me levava ao café
.............e de quem recebia o Pim Pam Pum e o Cavaleiro Andante.
Meu avô que eu adorava e amo.
Minha avó Alzira gorda e doméstica
.............no seu colo me refugiava quando
.............à janela o homem do saco aparecia
.............na Travessa da Carvalhosa.
Minha avó morreu era eu menino em Luanda
..............................e meu pai chorou ao volante da carrinha.

Tiveram três filhos: Manuel Lili e Zé João.
Meu avô casou novamente
.............com a Alexandrina
.............e nasceram a Isabel e a Teresa
.............irmãs que não tive.
Meu bisavô centenário
.............que me teve no colo e conheço da fotografia
..............................................na cadeira do quintal sentado.
Meu tio Jorge, em S. Tomé
.............(não) conheci
.............em Évora companheiro de estróina do Zé Ferreira.
Minha tia Esperança. farmacêutica no Chiado
........................................................das primeiras mulheres na Universidade
........................................................minha amiga que não mais verei
........................................................partida em Janeiro de 84.
Minha tia Lili, modista em Paço de Arcos
.............minha confidente da juventude
.............minha amiga.
Meu tio Zé João, a calma em pessoa
.............hoje arquitecto em Chaves
.............tão longe
.............amigo da infância e da adolescência.
Meus tios não casaram
Apenas meus pais em Cedofeita se encontraram
.............e para Angola partiram.
Meu avô António viveu sempre na Rua dos Bragas
Meu avô que mandou fazer uma casa no Mindelo
.............................................................perto da praia e de Vila do Conde
.............com um quarto para o neto quando o fosse visitar
.............a casa fechada e abandonada
.............porque morreu em tempo de Páscoa.
Meu avô Luís viveu com os filhos em muitas terras
................................até em Angola onde nasci.
Meu avô Barroso católico ferrenho
............................apóstolo ingénuo
............................mas que depois de Abril aceitava os comunistas.
Meu avô Luís agnóstico
......................livre pensador e tolerante
......................que não aceita os bolcheviques.
Meu avô Luís que não vejo senão tão espaçadamente.
Meus primos de Barcelos
.............o Manuel o Joaquim a Laurinda
.............a Deolinda a Celeste a Cândida
.............e tantos outros
.............tímidos uns
.............alegres rosados e folgazões outros
Meus primos espalhados pelo mundo
.........................................pelo Brasil Inglaterra Alemanha Venezuela e terras de França.

Minha família grande e dispersa
......................conhecida e desconhecida
......................que a vida e a morte têm separado

Perdidos cada vez mais
...............na bruma dos tempos e da memória!

setúbal 1985.11.13

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