Castro Barroso Gato Nogueira - Blog Photographico - lembrança da moça do Alentejo
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“O que a fotografia reproduz no infinito aconteceu apenas uma vez: ela repete mecanicamente o que não poderá nunca mais se repetir existencialmente”.(Roland Barthes)
«Todo o filme é uma construção irreal do real e isto tanto mais quanto mais "real" o cinema parecer. Por paradoxal que seja! Todo o filme, como toda a obra humana, tem significados vários, podendo ser objecto de várias leituras. O filme, como toda a realidade, não tem um único significado, antes vários, conforme quem o tenta compreender. Tal compreensão depende da experiência de cada um. É do concurso de várias experiências, das várias leituras (dum filme ou, mais amplamente, do real) que permite ter deles uma compreensão ou percepção, de serem (tendencialmente) tal qual são. (Victor Nogueira - excerto do Boletim do Núcleo Juvenil de Cinema de Évora, Janeiro 1973
quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017
A fotografia que apanhou o grito do assassino vence World Press Photo
O vencedor da 60.ª edição do World Press Photo é o fotógrafo Burhan Ozbilici da Associated Press, que registou a expressão do assassino do embaixador russo em Ancara.
De arma na mão, a gritar por Alepo e com o cadáver do embaixador russo
prostrado a seu lado. É assim que surge Mevlüt Mert Altintas, o atirador de 22
anos que matou Andrei Karlov, na fotografia vencedora do World Press
Photo deste ano. A imagem intitulada An Assassination in Turkey foi
registada pela lente do fotojornalista turco Burhan Ozbilici, da Associated
Press (AP), e recebe agora a distinção de fotografia do ano do World Press
Photo (WPP), um concurso em que participaram mais de cinco mil fotógrafos de
125 países, que submeteram à apreciação dos júris mais de 80 mil imagens.
Foi a 19 de Dezembro de 2016. O momento captado por Ozbilici aconteceu na
Galeria de Arte Contemporânea de Ancara, na Turquia, pouco depois do diplomata
Andrei Karlov, que fazia um discurso de inauguração da exposição de fotógrafos
russos, ter sido assassinado. O autor dos disparos era polícia, tinha 22 anos e
fazia parte do dispositivo de segurança do embaixador.
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O atacante estava vestido à civil e fez um discurso sobre a guerra na
Síria, mencionando a situação dramática da cidade de Alepo. “Não se esqueçam da
Síria! Não se esqueçam de Alepo!”, gritou Mevlüt Mert Altintas, depois de
balear o embaixador russo pelas costas. “Só a morte me vai tirar daqui”,
bradou. Altintas ainda feriu três outras pessoas até ser abatido a tiro pela
polícia.
Burhan Ozbilici resolvera passar pela galeria à última da hora. Nunca
tinha, aliás, fotografado uma inauguração na capital turca mas, com a então
recente reaproximação entre a Rússia e a Turquia, achou que podia vir a ser
útil registar o momento. Nunca pensou, claro, que o momento seria aquele,
contou: “O acontecimento parecia rotineiro, a abertura de uma exposição de
fotógrafos da Rússia. Por isso, quando um homem de fato escuro e gravata puxou
de uma arma, eu fiquei aturdido e pensei que se tratasse de floreio teatral.”
Seguiram-se os disparos, "pelo menos oito", e o pandemónio
instalou-se. "Eu estava com medo e confuso, mas consegui cobrir-me
parcialmente atrás de uma parede e fiz o meu trabalho: fazer fotografias."
A escolha da fotografia vencedora da 60.ª edição do World Press Photo foi
feita por um júri constituído por fotógrafos de vários países. “Foi uma decisão
muito difícil”, diz Mary F. Calvert, uma das juradas, citada no comunicado em
que o WPP divulga os premiados. “É uma imagem explosiva que mostra
verdadeiramente o ódio dos nossos tempos”, diz, referindo-se à fotografia do
ano. O fotojornalista
luso-sul-africano João Silva, que foi gravemente
ferido no Afeganistão em 2010 durante uma reportagem para o Times,
é outro dos membros do júri desta edição do World Press Photo. “Vejo o mundo a
caminhar em direcção a um abismo. Este é um homem que claramente chegou a um
ponto de ruptura”, afirma, reconhecendo em Mevlüt “o rosto do ódio”. Esta
imagem, acrescenta João Silva, faz lembrar os conflitos que estão a acontecer
na Europa, na América, na Síria e no Extremo e Médio Oriente.
O presidente do júri, entretanto, pronunciou-se publicamente contra a
escolha desta imagem "de terror" como foto do ano. "Promove a
ligação entre martírio e publicidade”, escreveu Stuart Franklin, num
artigo de opinião no The Guardian. "É a fotografia de um
homicídio, o assassino e a vítima, ambos na mesma imagem, e tão problemática de
publicar como uma decapitação terrorista", descreve o fotógrafo, que
considera merecido o prémio dado a Ozbilici na categoria de Spot News
Stories (Notícias Locais), mas não como foto do ano.
Burhan Ozbili nasceu em Erzurum, na Turquia, e trabalhou com vários jornais
do seu país até entrar para a AP, em 1989. Cobriu a guerra do Golfo na Árabia
Saudita, em 1990, e tem acompanhado muitos acontecimentos importantes na
Turquia, como a tentativa de golpe de estado de 2016. O vencedor recebe 10 mil
euros e algum material disponibilizado pela Canon. As fotografias premiadas vão
viajar por 45 países, onde serão expostas.
Na categoria de Temas Contemporâneos (Fotografia Única), o premiado foi
Jonathan Bachman, da Reuters, que fotografou a activista Ieshia Evans nos
protestos de Baton Rouge, nos Estados Unidos, a entregar-se pacificamente à
polícia. Entre os outros escolhidos encontram-se um ensaio sobre o vírus Zika,
feito pelo fotojornalista brasileiro Lalo de Almeida, da Folha de São
Paulo; um outro sobre Cuba, executado no rescaldo da morte de Fidel Castro
e da autoria de Thomas Munita, do diário The New York Times; assim
como muitos outros trabalhos que retratam a guerra e as suas consequências,
ataques, migrações e temas quotidianos. A galeria de fotografias premiadas pode
ser consultada aqui.
Este ano, nas oito categorias existentes foram premiados 45 fotógrafos de
25 países (Portugal está de fora da lista de países vencedores). Em 2016, Mário
Cruz, da agência Lusa, ficou em primeiro lugar na categoria de Temas
Contemporâneos, com um ensaio feito no Senegal e na Guiné-Bissau
sobre uma forma de escravatura contemporânea, a que atinge os talibés,
os rapazes que vivem nas escolas corânicas e que são obrigados a mendigar pelas
ruas.
A fotografia vencedora do World Press
Photo of the Year do ano passado foi a de Warren Richardson, um
fotógrafo australiano que registou o momento em que dois refugiados passavam um
bebé pelo buraco de uma vedação de arame farpado, na fronteira entre a Sérvia e
a Hungria.
Para
distinguir as melhores narrativas jornalísticas digitais foi criado, em 2011, o
World Press Photo Digital Storytelling. A sétima edição desta categoria
destinada a trabalhos multimédia escolheu como vencedores de 2017 o trabalho The
Dig, outro sobre a ginasta Simone Biles publicado no New York Times e uma reportagem focada
na construção do muro na fronteira entre o México e os Estados Unidos, feita
pelo The Washington Post. Entre os outros premiados estão também o
projecto cinematográfico When the Spirit Moves, de Justin Maxon e
Jared Moossy, e o vídeo Claressa. A galeria de trabalhos digitais
premiados pode ser consultada neste link.
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