Escrevivendo e Photoandarilhando por ali e por aqui

“O que a fotografia reproduz no infinito aconteceu apenas uma vez: ela repete mecanicamente o que não poderá nunca mais se repetir existencialmente”.(Roland Barthes)

«Todo o filme é uma construção irreal do real e isto tanto mais quanto mais "real" o cinema parecer. Por paradoxal que seja! Todo o filme, como toda a obra humana, tem significados vários, podendo ser objecto de várias leituras. O filme, como toda a realidade, não tem um único significado, antes vários, conforme quem o tenta compreender. Tal compreensão depende da experiência de cada um. É do concurso de várias experiências, das várias leituras (dum filme ou, mais amplamente, do real) que permite ter deles uma compreensão ou percepção, de serem (tendencialmente) tal qual são. (Victor Nogueira - excerto do Boletim do Núcleo Juvenil de Cinema de Évora, Janeiro 1973

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Torrão e Bernardim Ribeiro

* Victor Nogueira


foto victor nogueira - Vila doTorrão (Alcácer do Sal) - estátua de Bernardim Ribeiro (Menina e Moça)

NÃO SOU CASADO, SENHORA
Não sou casado, senhora, 
que ainda não dei a mão, 
não casei o coração. 

Antes que vos conhecesse, 
sem errar contra vós nada, 
uma só mão fiz casada, 
sem que mais nisso metesse. 
Dou-lhe que ela se perdesse! 
solteiros e vossos são 
os olhos e o coração. 

Dizem que o bom casamento 
se há de fazer de vontade. 
Eu, a vós, a liberdade 
vos dei, e o pensamento. 
Nisto só me achei contento: 
que, se a outrem dei a mão, 
dei a vós o coração. 

Como, senhora, vos vi, 
sem palavras de presente 
na alma vos recebi, 
onde estareis para sempre, 
não de palavra somente; 
nem fiz mais que dar a mão, 
guardando-vos o coração. 

Casei-me com meu cuidado 
e com vosso desejar. 
Senhora, não sou casado, 
não mo queirais acuitar! 
que servir-vos e amar 
me nasceu do coração 
que tendes em vossa mão. 

O casar não fez mudança 
em meu antigo cuidado, 
nem me negou a esperança 
do galardão esperado. 
Não me engeiteis por casado, 
que, se a outra dei a mão, 
a vós dei o coração. 

Bernardim Ribeiro, in 'Antologia Poética'


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