O Viajante Clandestino, por Daniel Filipe
Este é o local, o dia, o mês, a hora.
O jornal ilustrado aberto em vão.
No flanco esquerdo, o medo é uma espora
fincada, firme, imperiosa. Não
espero mais. Porquê esta demora?
Porquê temores, suores? Que vultos são
aqueles, além? Quem vive ali? Quem mora
nesta casa sombria? Onde estão
os olhos que espiavam ainda agora?
O medo, a espora, o ansiado coração,
a noite, a longa noite sedutora,
o conchego do amor, a tua mão...
Era o local, o dia, o mês, a hora.
Cerraram sobre ti os muros da prisão.
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o 1º de Maio de 1962, in Pátria, lugar de exílio, por Daniel Filipe
Regresso pelo tempo ao dia de hoje
primeiro de Maio de 1962
hora segunda da meditação
Ganho de novo consciência do lugar
chegam comboios há mais gente na rua
como se o rio humano recebesse
o agreste tributo de outra oculta nascente
Vêm com o rosto de todos os dias
o olhar de todos os dias
as mãos e os pés de todos os dias
cansados de preencher impressos
moldar metais
afeiçoar madeiras
rodar motores e válvulas
sujos de óleo e poeira
deslumbrados de sol
operários empregados de escritório vendedores de porta a porta
dir-se-ia que cantam
De súbito a cidade parece banhada de alegria
estamos juntos meu Amor
possessos da mesma ira justiceira
Damos as mãos como dois jovens namorados
e sorrimos felizes
à doce primavera acontecida
no magoado coração da pátria
Vêm de toda a parte sem idade
Redescobrem palavras esquecidas
e no silêncio cúmplice desfraldam
um novo e claro amanhecer do mundo
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Uma Photographia por si só vale por mil palavras?