* Victor Nogueira
A minha estada em tabernas foi sempre ocasional, salvo quando ia a Santo Amador (Moura) ou à Salvada (Beja), acompanhando os meus cunhados, o João ou o Manuel.
.Exceptuando eu, o "mano" da cidade, toda a malta bebia vinho mas, a partir de certa altura, os meus cunhados e outros passaram a beber ... chá.
Para alem da conversa, jogávamos às cartas, na Salvada, para grande desespero do Janicas que levava as partidas de sueca muito a sério, fazendo-me sinais que eu não decifrava malogrando as jogadas.
Breves referências a tabernas encontram-se nas minhas Notas e Memórias de Viagens. Relacionadas com as tabernas estão a venda de bebidas alcoólicas e o slogan "Beber vinho é dar de comer a um milhão de portugueses", uma campanha da Junta Nacional dos Vinhos
Por isso se referem as adegas, isto é, o lugar onde o vinho é armazenado em garrafas, barris ou em barricas, mas que também pode ser vendido como se taberna fosse. Consumo de vinho que com as sopas de cavalo cansado muito embruteceram criancinhas e milhões de portugueses in illo tempore.
Uvas fonte de saúde e de alegria
Cartazes de Mário Costa, produzidos em 1938 para a Junta Nacional dos Vinhos
Évora - Quis saber o que eu fazia - se era escritor e já escrevera o meu livro - e não acreditava que eu vivesse do ar e do vento. Enfim, que se tivesse 25 anos como eu estava mas é em Lisboa, que isso sim! E lá se ia agitando desequilibradamente o velho (de 57 anos), num asilo, convidando me (ou convidando- se) para um copo ali na taberna, beata ao canto da boca com um grande morrão e deitando perdigotos como nuvem rota em dia de inverno. Mas nem queiras saber a insistência com que ele duvidava da ida dos homens à Lua. (MCG - 1972.10.23)
Vimieiro (Arraiolos) - Daqui a pouco tenho de ir até à venda, ponto de encontro. Não me apetece estar lá, forasteiro. Antes esta quietude, esta serenidade do entardecer. Pássaros chilreiam e dois cães param além na esquina. Não é a primeira vez que estou nesta aldeia, tão grande ou maior que a Amareleja. Estou agora a fazer inquéritos à vida das famílias. (...) [Entro na taberna]: pedra ao longo das paredes, na altura de um homem, pintada de verde, um balcão corrido azulejado da mesma cor, uma ventoinha, um televisor e um frigorífico. Prateleiras cheias de garrafas, rebuçados e tabaco. Mesas oleadas e cadeiras, tresandando e brilhando de gordura. Em pé ao balcão ou sentados às mesas, homens que não primam pela elegância no vestir, bebem o seu copito e trocam o seu dedito de conversa. (MCG - 1973.03.16)
Igrejinha (Arraiolos) - Escrevo dum café aqui na Igrejinha, enquanto espero que o empregado me traga os comes e bebes que enganarão o estômago até à hora do jantar, em Évora. A tarde hoje está "porreirinha", mas a produtividade tem sido pouca. (..) A Igrejinha tem sido para mim uma terra "difícil". Numa venda, um velhote meio cego queria que eu o inquirisse, porque tinha muito que falar. Que nós só escolhíamos quem queríamos para falar e não quem sabia e dizia isto batendo com uma grossa bengala no chão. Tive pois que tentar desenlear os enredos de que me apercebi. Quando dei por isso estava no centro duma multidão, que na maioria me dava razão - pelo menos ali - incluindo o velhote, agora mais calmo. Eu até nem sabia que uma mulher me tinha posto na rua (segundo as conversas dela com as vizinhas) porque eu andava a querer saber da vida dela (se poupava dinheiro, onde o guardava, se fora ela que dera de mamar aos filhos, se o médico assistira ao parto...) - Tinha-la inquirido sobre a Vida da Família, cujo inquérito tem perguntas delicadas. e ela mostrara-se muito agreste e desconfiada, atitude que até compreendo, tanto mais que o marido emigrara há 15 dias. Mas depois do meu discurso as pessoas davam-me razão, que sim, que já outros tinham andado a fazer aquelas "procuras" ("A minha mulher e eu também respondemos e não tinha nada de mal, nenhuma falta de respeito" ou "Sempre há gente muito estúpida!") E assim se amainou a tempestade.
Mas outra me esperaria, ao inquirir um taberneiro velhote que é seareiro (este ano é o último, pois aquilo não dá) Às tantas um homem com ar espertalhote (46 anos, ao que me disse) intrometeu-se na conversa, porque quisera emigrar mas não pudera por causa da idade. E vai daí gerou-se uma conversa sobre o que valia mais, se o lido (estudos) ou o corrido (prática) e, portanto, se um jovem ou um homem da idade dele ("Qual escolhia o senhor?", perguntava-me); sobre o estado da agricultura, cuja solução, para os presentes (suponho que seareiros e proprietários ou rendeiros de quintais de 0.5 a 5 ha.) era a distribuição das grandes terras por quem quisesse nelas trabalhar, completamente inconscientes de que o mundo é outro para além daquelas terras, insensível a métodos e processos de exploração agrícola ultrapassados, sem respeito pelo "corrido" doutras eras. Um outro proprietário com quem falara - esse já com propriedades maiores, estava consciente - como alguns outros - da necessidade do cooperativismo e da agricultura de grupo, da mecanização e da introdução de novas culturas e processos de cultivo, do regadio e da exploração pecuária (que não é ter meia dúzia de ovelhas e uma vaca). Mas as pessoas, segundo eles, são muito desconfiadas, pensam sempre que o vizinho o quer enganar e armam-se em "espertalhões". (Notas de Viagens 1973.03.26)
Pinhal Novo - Pelo vidro da montra do café avista-se o edifício da estação dos caminhos de ferro: conto 4 chaminés, enquanto se cruzam um miúdo de bicicleta e um tractor com atrelado. Um vasto rossio de terra batida estende-se lá fora, rodeado de casas caracteristicamente incaracterísticas. Lá ao fundo, uma mata enfezada e amarelecida. Alguns carros parados e pessoas sentadas pelos bancos. O café do leite sabe mal. No largo uma igreja por caiar, um coreto e um parque infantil, tudo com um ar desgracioso.
Aqui no café as pessoas jogam à "batota", ali num canto, enquanto outras duas estão lendo os jornais. Um outro personagem, atarracado, de boné e óculos, vai vasculhando a carteira e lendo os papéis que dela retira. Por trás de mim ouço vozes e algaraviada, bem como os tacos batendo nas bolas de bilhar. O casaco incomoda me, pois tolhe-me os movimentos. Sinto-me encalorado. (...) São quase 17 horas e daqui a 10 minutos é o comboio. Farto-me de percorrer um Portugal desconhecido. (Notas de Viagens1974.11.28)
Lisboa - Já era tarde para jantar em Paço d'Arcos e dei uma volta, acabando por vir parar a um restaurantezeco aqui no Cais do Sodré, mesmo na rua dos bares e das prostitutas. Na cadeira ao meu lado ronrona um enorme gato. (MCG - 1975.03.25)
Amanhã regresso a Évora com o João Lucas. Vim ontem com o Viegas e a Violete; chegámos já tarde a Lisboa, onde jantei na tasca habitual lá para o Cais do Sodré, onde passeia o "bas fond" cá da cidade: prostitutas, chulos, clientes e chuis. (MCG - 1975.06.29)
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