* Victor Nogueira
Ilha do Cabo e, mais a Sul, a do Mossulo, a caminho da Barra do Rio Cuanza
As ilhas do Cabo e do Mossulo
A imagem acima, no meio, representa a ilha do Cabo, de novo unida, e a linha amarela corresponde à antiga Avenida Marginal da Praia do Bispo e o assoreamento do braço de mar que a separava da ilha. A nossa casa deixou de estar junto ao mar e passou para o interior. Nos terrenos «conquistados» construiu-se um bairro de lata, tal como na ilha, onde outrora havia uma sanzala ou pequena aldeia de pescadores.
Há os amigos próprios
de cada um, dos tempos da infância ou da vida de cada, que poderão não ter sido
comuns, e os que depois foram surgindo, com o mesmo significado ou com
significados diferentes. Em Luanda, por exemplo, dos amigos, uns
iam e vinham, mas outros mantinham‑se. Uns e outros se juntavam periodicamente,
para irem à praia, ao cinema, aos restaurantes, na Ilha ou nos arredores da cidade,no Cacuaco ou na
Estrada de Catete, nas Ilhas do Cabo ou do Mossulo. (MCG - 1988.07.18/20)111
O meu pai construiu sucessivamente três barcos no quintal, com ajuda dum carpinteiro e segundo plantas da revista Popular Mechanics.
Quando havia barco, ao fim de semana aparecia montes de maralhal e era um vaivém para a ilha defronte da Praia do Bispo. Antes de haver barco a travessia era feita nas pirogas dos pescadores. Desaparecido o barco, desaparecia a maioria dos "amigos", que voltavam mal o seguinte era lançado ao mar. Um desses barcos foi o "Rascasso".
No princípio as idas para o Mossulo eram no "Ka Posoka", um transporte público de passageiros, mas depois passámos a ir no barco da família, ao longo da contracosta. O “Rascasso” foi lançado à água no Clube Naval e a inauguração uma festa com caldeirada de peixe e montes de convidados. Enquanto os seus antecessores não tiveram nome, a este o meu pai deu o dum peixe também conhecido como peixe-escorpião. (NID s/data)
~~~~~~~~~~~~~~~~~~
25 Janeiro 1959 – Domingo – Barco
Inaugurámos o 2º barco, construído pelo pai, em casa. Às 10 horas o barco foi posto na água. Eu, o Zé João, o sr Garcia (mecânico), os meus pais e o Zé embarcámos. O João Gaspar não apareceu. A barraca que o meu pai tem na ilha [defronte da nossa casa] está toda desmantelada. Nadei com os meus óculos aquáticos. Viemos para casa às 14 horas.
Há mais de um trimestre que a inauguração do barco vem sendo adiada. Sempre foi hoje.
O 2º "gasolina" foi roubado (estava fundeado na Praia do Bispo), dele restando apenas a âncora. O 1º que tivemos foi queimado, por lhe terem posto fogo inadvertidamente (pelos serventes da Câmara [Municipal]). Quando os bombeiros chegaram só existiam as ferragens e um bocado da quilha. A Câmara pagou-nos uma indemnização. (Diário I pag 88) (Diário III pag. 95) O terceiro ficou lá, no Clube Naval, quando da independência de Angola.
O 1º "gasolina"
O 2º gasolina
O 3º e último "gasolina" - O "Rascasso"
Rascasso ou peixe escorpião
Preparando o embarque
As pirogas ou dongos eram feitos dum tronco de arvora escavado, com travessas de madeira servindo de bancos, movidas à vela ou ximbicando, isto é, usando uma vara enorme que o pescador fincava alternadamente no fundo do mar, dando impulso para a canoa avançar. É uma embarcação instável e lembro-me de uma vez, no Parque Florestal da Ilha do Cabo, um dos pescadores ter caído ao mar, desequilibrando a piroga, que adernou, imediatamente lançando à água os restantes ocupantes. Como não sabia nadar, tinha receio de andar de canoa; uma vez recusei-me terminantemente a embarcar. Não conseguindo demover-me, o meu pai foi a casa, bastava atravessar a avenida, voltou, deixando-me em terra. Regressando a casa, não consegui entrar pois ele trancara todas as portas e janelas, deixando-me na rua, sem um tostão no bolso. Valeu-me um amigo da família, o Engº Boaventura, na altura de passagem em Luanda, que resolvera também não embarcar, e me fez companhia o dia inteiro, pagando-me o almoço num restaurante. No regresso, ao fim do dia, quando a minha mãe deu conta da atitude do meu pai, gerou-se mais um dos desacertos conjugais.
Quando havia muitos convidados ou autoconvidados, o nosso pai assegurava a travessia com tantas viagens quantas as necessárias, por vezes gastando nisso o dia inteiro. Alguns aproveitavam para fazer ski aquático. Uma vez um deles, o capitão Paulino, resolveu fazer acrobacias a grande velocidade, sendo projectado borda-fora, numa curva mais apertada, ficando o barco a rodar em círculo, até se esgotar a gasolina do depósito, pois era impossível abordá-lo. Para mim e para o meu irmão era um frete quando havia muitas convidados, pois o nosso pai por vezes obrigava-nos a carregar as imbambas ou bicuatas (bagagem) da maioria, enquanto os restantes miúdos se divertiam e folgavam. Regressados a casa, era retirado o motor fora de borda ou de popa, creio que de marca Johnson e 40 HP, que no quintal, era posto a funcionar dentro duma barrica cheia de água doce, para lhe retirar o sal.
Um motor Johnson, embora me pareça que o nosso era preto
Preparação do embarque (a minha mãe, o meu irmão Zé Luís e o escriba destas notas). Á esquerda o paredão que evitava que as marés vivas (calemas) destruíssem a marginal e as casas. Ao cimo do morro e nas traseiras fica e ficava o Palácio que outrora foi dos Governadores Gerais, sucessivamente alterado na sua traça ao longo dos tempos. A nossa casa era a da esquerda, na segunda vivenda geminada. Muito disto é referido no meu poema RAÍZES
As travessias
À esquerda o Dinho (Eduardo), o meu primeiro amigo a morrer na guerra colonial, anos depois
Mais um domingo sem
história. Passámo-lo no Mossulo, uma ilha ao sul de Luanda. O meu pai já lá estava
desde ontem, com os operários, pois está construindo uma casa de fim de semana
que, quando terminada, deve ficar interessante (...). No regresso, já noite
fechada, faltou a gasolina ao barco e andámos à deriva. Como já estávamos perto
do cais viram os sinais luminosos e rebocaram‑nos num barco a remos. Se tivesse
sido mais ao largo da baía podia ser uma chatice, pois embora houvesse
radiotransmissor a bordo a corrente poderia arrastar‑nos para o mar alto e até
que nos encontrassem passaríamos um mau bocado. É simplesmente inconcebível o
desleixo da maioria dos possuidores de barcos de recreio que se fazem ao mar
marimbando‑se para as normas regulamentares. Não sei como é agora [1971], mas
quando tirei a minha carta de marinheiro amador - que me autorizava a governar embarcações
até três toneladas - aquela era concedida após audição duma amena palestra
feita pelo Capitão do Porto de Luanda durante três horas, sem mais formalidades
ou provas!!! (NID -1971.08.22)
Carta de marinheiro
Os resguardos
Inicialmente, quer na Ilha do Cabo, quer na do Mossulo, armava-se um grande toldo, para resguardo do sol. Posteriormente, na Ilha do Cabo o meu pai adquiriu uma cubara a um pescador. As cubatas dos pescadores eram construções de pau a pique, com paredes de caniço, tecto de folhas secas de palmeira e chão de areia. No Mossulo, a partir de plantas publicadas na Popular Mechanics, edificou uma casa que não cheguei a ver concluída.
Mindelo - Era uma casa similar a esta que o meu pai começou a edificar em 1971, e que não cheguei a ver concluída, pois em 1973 não passei as Férias Grandes em Angola Desta casa não encontrei qualquer foto nos espólios familiares, embora saiba que foi concluída.
A maioria das fotos em Luanda são da autoria do meu tio José João
Sem comentários:
Enviar um comentário
Uma Photographia por si só vale por mil palavras?