sábado, 15 de fevereiro de 2020

pôr do sol na Praia do Bispo

* Victor Nogueira


foto joão sequeira seabra - pôr do sol na Praia do Bispo, em contraluz, o escriba e o Fernando, empregado doméstico.

O Fernando dizia que era filho dum soba no sul de Angola e que quando o pai morresse lhe sucederia.  (1)

As vivendas  na Praia do Bispo tinham um anexo independente para os empregados, com casa de banho privativa e era lá que vivia e mais tarde começou a viver também a companheira dele. 

Ao fim de cada mês, depois de receber o salário, ia para o musseque  (2) e durante uns três dias não aparecia, por estar a curar uma bebedeira de caixão à cova, como as de que fala António Jacinto no seu poema "Monangambé". (3)

«(...)  E as aves que cantam,
os regatos de alegre serpentear
e o vento forte do sertão
responderão:
— «Monangambééé...

Ah! Deixem-me ao menos subir às palmeiras
Deixem-me beber maruvo, maruvo  (4)
e esquecer diluído nas minhas bebedeiras
— « Monangambééé...»   

Depois, regressava de taxi .e retomava o trabalho..

Sempre tivemos uma relação de amizade e como eu gostava de ervilhas com chouriço e ovos escalfados, a meio da tarde, se eu estivesse em casa, perguntava-me se eu queria ervilhas com ovos escalfados, e lá me ia arranjar o pitéu. Amabilidade que não tinha para com o meu irmão, que mantinha uma relação mais distante com os empregados.

~~~~~~
(1)  Autoridade tradicional, chefe do quimbo ou sobado; chefe tribal, régulo.
(2) bairro pobre, desordenado e labiríntico, de casas precárias, de pau-a-pique e argila, com telhados de colmo ou de zinco, na cintura urbana das grandes cidades, principalmente em Luanda. O crescimento da cidade do asfalto empurrava para uma periferia cada vez mais distante a cidade vermelha (cor do barro  ou argila)
(3) carregador, moço de fretes, serviçal, filho de escravo, trabalhador contratado, trabalhador forçado
(4) Bebida resultante da seiva fermentada das palmeiras

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