imagens captadas em 2019.12.25,
em Setúbal, na Praceta Fernando Alcobia
* FERNANDO ALCOBIA (1914 - 1939) || DEPORTADO PARA O TARRAFAL, ONDE MORREU AOS 25 ANOS DE IDADE *
Fernando Alcobia foi um dos jovens comunistas a morrer no Tarrafal, vítima das condições desumanas a que os presos políticos eram sujeitos e de falta de qualquer assistência médica. Tinha 25 anos.
Filho de Júlia Alcobia, Fernando Alcobia nasceu em 15 de Fevereiro de 1914, em Lisboa.
Vendedor de jornais, era militante da Federação das Juventudes Comunistas Portuguesas e integraria o Comité de Zona N.º 1 do Partido Comunista, tendo a seu cargo a Agitação e Propaganda.
No âmbito da semana de agitação e de luta contra a fome, a guerra e o fascismo, preparada pelo PCP e que deveria decorrer entre 25 de Fevereiro e 2 de Março de 1935, afixou nos prédios de Alfama propaganda política.
Em Abril de 1935, segundo José Pacheco Pereira, participou na reunião do Pleno da FJCP realizada em Queluz e onde Álvaro Cunhal foi eleito seu Secretário Político.
No dia 10 de Junho de 1935, aquando do Cortejo do Trabalho Nacional que desfilou na Avenida perante Óscar Carmona e Oliveira Salazar, fez parte do grupo que se deslocou à Serra de Monsanto para tentar proceder à largada, falhada, de balões vermelhos com a foice e o martelo.
Dias depois, em 16 de Junho, participou, com Américo Gonçalves de Sousa, Fernando Moura e José Machado Pinto, na distribuição de manifestos no Parque Eduardo VII. Preso, conseguiu fugir na sequência da intervenção de José Machado Pinto que disparou contra o seu captor, o agente José Machado Pinto, guarda auxiliar Nº 264 da P. S. P. de Lisboa.
Procurado, refugiou-se em Espanha, onde seria preso pela Guarda Civil, por estar indocumentado, e entregue à Guarda Fiscal de Elvas.
Entregue, em 3 de Dezembro de 1935, à Secção Política e Social da PVDE, foi, primeiro, enviado para uma esquadra e, em 27 de Dezembro, seguiu para Peniche.
Entre 4 de Fevereiro e 8 de Setembro de 1936, andou constantemente a ser transferido, passando, cronologicamente, pela 1.ª Esquadra, Peniche, Aljube, outra esquadra, 1.ª Esquadra, Aljube, 1.ª Esquadra e, novamente, Aljube.
[RGP/2233]
Segundo o seu Cadastro Político, foi acusado de, em Agosto de 1936, ter tentado fugir do Aljube com José Machado Pinto através da "abertura de um buraco na parede da casa de banho da sala n.º 3" [ANTT, Cadastro 6006; Processo 1898].
De seguida, integrou a primeira leva de presos políticos enviada para o Campo de Concentração do Tarrafal, onde chegou em 29 de Outubro de 1936 e faleceu ao fim de três anos, em 19 de Dezembro de 1939.
Segundo relato dos seus companheiros, Fernando Alcobia
«passara muitas vezes pela frigideira. Pela primeira vez em Outubro de 1938. E a sua saúde sofreu o primeiro abalo. Foi depois a «brigada brava», de onde certa vez o trouxeram em braços. Numa outra altura meteram-no na frigideira com um abcesso no ouvido. Passou toda uma noite com dores agudas a pedir a vinda do médico. Não veio o Tralheira (nome pelo qual os presos tratavam o médico assassino). Queriam que trabalhasse e não o podia fazer e toda uma manhã ficou sentado numa pedra gemendo com dores. De volta ao campo, levaram-no para a frigideira e ali esteve vinte dias, sempre com um abcesso, sempre sem que Esmeraldo Pais Prata (o médico assassino) o tratasse. Trabalho, frigideira, frigideira, trabalho, foi o que Fernando Alcobia teve de sofrer até 15 de Dezembro, quando adoeceu com uma biliosa. O estado de fraqueza em que se encontrava quebrou-lhe todas as resistências à doença.
Esmeraldo Pais Prata veio enfim vê-lo. Estava na agonia. Acendeu uma lanterna e os olhos de Fernando Alcobia não reagiram. A morte já não tardaria muito. Fernando Alcobia tinha vinte e quatro anos e ia morrer assassinado.
-Se estiver pior amanhã, mandem-me chamar.
- E que tratamento lhe devo fazer, senhor doutor? - perguntou Virgílio de Sousa (o enfermeiro), que só depois de muito insistir conseguira que o Tralheira fosse ver o doente.
- Tratamento? Sim! Olhe, ponha-lhe umas compressas de água fria na testa.
Fernando Alcobia morreu pelas dez da manhã.
Morria muito jovem, devido à frigideira, ao trabalho da «brigada brava», às mãos daqueles que o fizeram sofrer tudo isto e tudo lhe negaram.» [Tarrafal - Testemunhos, Caminho, 1978, pp. 142-143].
Fernando Alcobia era o sustento da sua mãe, que vivia no Beco da Lapa - 56, e a sua namorada "pouco sabia dele e da sua vida e que só setenta anos mais tarde viria a saber quem ele era e o que lhe acontecera" [Blogue Cravo de Abril]. Segundo este mesmo Blogue, Fernando Alcobia é a personagem Simão, namorado de Teresa, no romance "O Tempo das Giestas", de José Casanova.
O nome consta do Memorial de Homenagem aos Ex-Presos Políticos, inaugurado na Fortaleza de Peniche em 9 de Setembro de 2017.
Fontes: ANTT, Cadastro Político 6006; RGP/2233.
[João Esteves]
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