segunda-feira, 10 de julho de 2017
* Victor Nogueira
Magro, de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão na altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno;
Incapaz de assistir num só terreno,
Mais propenso ao furor do que à ternura,
Bebendo em níveas mãos por taça escura,
De zelos infernais letal veneno;
Devoto incensador de mil deidades
(Digo, de moças mil) num só momento,
E somente no altar amando os frades;
Eis Bocage, em quem luz algum talento;
Saíram dele mesmo estas verdades
Num dia em que se achou mais pachorrento.
Auto-retrato - Palácio do Salema (Praça de Bocage)
Bocage na Rua – 30 Poemas foi uma iniciativa organizada pelo Teatro Estúdio Fontenova, em colaboração com a Câmara Municipal de Setúbal, no âmbito das Comemorações dos 250 anos do nascimento de Bocage e 30 anos de existência da companhia de teatro. Este projecto apresenta a selecção de um conjunto de 30 poemas de Bocage, que constituem um roteiro de 15 estruturas pedonais por várias localizações de Setúbal relacionadas com a vida do poeta. 5 artistas plásticos criaram 15 obras inspiradas nos mesmos poemas que são expostas nas estruturas.
O percurso pedonal da rota “Bocage na Rua – 30 Poemas” tem início na Rua Luís de Camões e passa pela Avenida 5 de Outubro, pela Rua Augusto Cardoso e pelo Largo da Ribeira Velha. Prossegue pela Avenida Luísa Todi, onde existem três estruturas, e pelo Museu do Trabalho.
Continua pela Igreja de São Sebastião, pela Casa Bocage, pelo Jardim do Quebedo e pelo Largo de Santa Maria. As restantes, inauguradas no dia 14, são, como referido, na Rua Arronches Junqueiro, no Largo da Misericórdia/Rua Álvaro Castelões e na Praça de Bocage. (www.mun-setubal.pt/pt/noticia/bocage-na-rua-termina-em-festa/4217)
06. - Baluarte de N. Sra da Conceição
intervenção plástica "s/ título" de André Mares
Ao crebro som do lúgubre instrumento
Com tardo pé caminha o delinqüente;
Um Deus consolador, um Deus clemente
Lhe inspira, ,lhe minora o sofrimento.
Duro nó pelas mãos do algoz cruento
Estreitar-se no colo o réu já sente;
Multiplicada a morte, anseia a mente,
Bate horror sobre horror no pensamento.
Olhos e ais dirigindo à Divindade,
Sobe, envolto nas sombras da tristeza,
Ao termo expiador da iniqüidade.
Das leis se cumpre a salutar dureza;
Sai a alma dentre o véu da humanidade,
Folga a justiça e geme a natureza!
Sobre o degrau terrível assomava
O réo cingido de funéreo manto;
Avezada ao terror, aos ais, ao pranto
Da intrepidez a Morte se assombrava :
No firme coração não palpitava
O percursor da Parca, o mudo espanto ;
E, ufana de subir no esforço a tanto.
Um ai a Humanidade apenas dava :
Mortal, que foste heróe no extremo dia.
De idêas carrancudas e oppressoras
Não soffreste o pavor na pbantasia:
Co'as vozes divinaes, consoladoras.
Só á religião te embrandecía:
Foras de ferro, se christão não foras!
07. - Postigo do Cais
intervenção plástica de André Mares
Adamastor cruel! De teus furores
Quantas vezes me lembro horrorizado!
Ó monstro! Quantas vezes tens tragado
Do soberbo Oriente os domadores!
Parece-me que entregue a vis traidores
Estou vendo Sepúlveda afamado,
Co'a esposa e co'os filhinhos abraçado,
Qual Mavorte com Vénus e os Amores.
Parece-me que vejo o triste esposo,
Perdida a tenra prole e a bela dama,
Às garras dos leões correr furioso.
Bem te vingaste em nós do afoito Gama!
Pelos nossos desastres és famoso.
Maldito Adamastor! Maldita fama!
~~~~~~
Camões, grande Camões, quão semelhante
Acho teu fado ao meu, quando os cortejo!
Igual causa nos fez, perdendo o Tejo
Arrostar co´o sacrílego gigante;
Como tu, junto ao Ganges sussurrante,
Na penúria cruel no horror me vejo;
Como tu, gostos vãos, que em vão desejo,
também carpindo estou, saudoso amante.
Ludibrio, como tu, da sorte dura
Meu fim demando ao céu pela certeza
De que só terei paz na sepultura.
Modelo meu tu és, mas... oh, tristeza!...
Se te imito nos transes da Ventura,
Não te imito nos dons da Natureza.
08. - Porta de S. Sebastião
intervenção plástica de Prahlad Fernando Aranda
Neste horrível sepulcro da existência
O triste coração de dor se parte;
A mesquinha razão se vê sem arte,
Com que dome a frenética impaciência.
Aqui pela opressão, pela violência
Que em todos os sentidos se reparte,
Transitório poder quer imitar-te,
Eterna, vingadora omnipotência!
Aqui onde o que o peito abrange e sente,
Na mais ampla expressão acha estreiteza,
Negra ideia do abismo assombra a mente.
Difere acaso da infernal tristeza
Não ver terra, nem céu, nem mar, nem gente,
Ser vivo, e não gozar da Natureza?
Enquanto o sábio arreiga o pensamento
Nos fenómenos teus, oh Natureza,
Ou solta árduo problema, ou sobre a mesa
Volve o subtil, geométrico instrumento;
Enquanto, alçando a mais o entendimento,
Estuda os vastos céus, e com certeza
Reconhece dos astros a grandeza,
A distância, o lugar e o movimento;
Enquanto o sábio, enfim, mais sabiamente
Se remonta nas asas do sentido
A corte do Senhor omnipotente,
Eu louco, eu cego, eu mísero, eu perdido,
De ti só trago cheia, oh Jónia, a mente;
Do mais e de mim mesmo ando esquecido.
13. - Rua Álvaro Castelões
Tabanqueira de Tabaco de António Maria Josefa
intervenção plástica "Pau duro" de Wagner Borges
Aquele semi-clérigo patife,
Se eu no mundo fizera ainda apostas,
Apostara contigo que nas costas
O grande Pico tem de Tenerife:
Célebre traste! É justo que se rife;
Eu também pronto estou, se disso gostas;
Não haja mais perguntas, nem respostas;
Venha, antes que algum taful o bife:
Parece hermafrodita o corcovado;
Pela rachada parte (que apeteço)
Parece que emprenhou, pois anda opado!
Mas desta errada opinião me desço;
Pois que traz a criança no costado,
Deve ter emprenhado pelo sesso
Bojudo fradalhão de larga venta,
Abysmo immundo de tabaco esturro,
Doutor na asneira, na sciencia burro,
Com barba hirsuta, que no peito assenta:
No pulpito um domingo se apresenta;
Préga nas grades espantoso murro;
E acalmado do povo o gran sussurro
O dique das asneiras arrebenta.
Quatro putas mofavam de seus brados,
Não querendo que gritasse contra as modas
Um peccador dos mais desaforados:
«Não (diz uma) tu, padre, não me engodas:
Sempre me ha de lembrar por meus peccados
A noute, em que me deste nove fodas!
04. - Largo da Ribeira Velha
intervenção artística "Do lado de cá", de Ricardo Guerreiro Campos
antigo Postigo da Ribeira ou Arco da Ribeira Velha
Olhos suaves, que em suaves dias
Vi nos meus tantas vezes empregados;
Vista, que sobra esta alma despedias
Deleitosos farpões, no céu forjados:
Santuários de amor, luzes sombrias,
Olhos, olhos da cor de meus cuidados,
Que podeis inflamar as pedras frias,
Animar cadáveres mirrados:
Troquei-vos pelos ventos, pelos mares,
Cuja verde arrogância as nuvens toca,
Cuja hrrísona voz perturba os ares:
Troquei-vos pelo mal, que me sufoca;
Troquei-vos pelos ais, pelos pesares:
Oh câmbio triste! oh deplorável troca!
Oh, tranças, de que Amor prisões me tece,
Oh, mãos de neve, que regeis meu fado!
Oh tesouro! oh mistério! oh par sagrado,
Onde o menino alígero adormece!
Oh ledos olhos, cuja luz parece
Tênue raio de sol! oh gesto amado,
De rosas e açucenas semeado,
Por quem morrera esta alma, se pudesse!
Oh! lábios, cujo riso a paz me tira,
E por cujos dulcíssimos favores
Talvez o próprio Júpiter suspira!
Oh perfeições! oh dons encantadores!
De quem sóis ?...Sois de Vênus ? - é mentira
Sois de Marília, sois de meus amores.
12. - Terreiro de Santa Maria
casa da avó materna de Bocage
intervenção plástica de Jaf
Sem comentários:
Enviar um comentário
Uma Photographia por si só vale por mil palavras?