Victor Nogueira
vista geral ao pôr do sol
Igreja de N. Sra da Conceição
Igreja Matriz de Santo Estevão
portão da antiga Quinta do Marquês de Minas
Nos idos da minha vida de estudante em Évora não poucos fins de semana foram passados por mim, pelo Carlos e pelo Camilo em Beja ou em Beringel, na casa dos tios deste. O Carlos era do Porto e o Camilo e eu de Angola.
1. - Beringel em 1972
No terraço numa casa duma vila alentejana [que foi do Marquês de Minas] sob o céu maravilhosamente estrelado duma noite de verão. ( )
De Beringel, cuja calma e sossego eu amo e que ficará para trás, com o seu enorme casarão, mais o Jacinto, a Anita, a Teresa e o João [primos do Camilo Monteiro] (MCG - 1972.08.01)
O Rossio de S. Brás, [em Évora, na Feira de S. João] está praticamente livre de feirantes. Restam apenas as barracas de louças e bugigangas. Depois do meu regresso de Beringel comprei um copo, uma caneca, colheres, um prato e uma tigela, que seria para o "Nestum" mas acabou por ficar para a fruta. (MCG - 1972.07.10)
Em Évora, novamente no café [Arcada], uma das três dominantes da minha vida
neste burgo perdido na imensa planície alentejana. Na mesa quadrada de tampo encarnado, o habitual café com leite, o
copo de água, os óculos, o envelope e as folhas, meios de estar com os outros.
O mesmo ar quente e abafado, o ruído em surdina, a floresta de gente -
forasteiros ? - em torno de mim. Naquela mesa as únicas caras conhecidas: o
Dinis e o Cachatra ([1]), que esta tarde tem procurado impingir um
dos seus quadros, aquele mesmo que tem agora sobre a mesa. Cheguei de Beringel
há umas cinco horas. (MCG - 1972.07.05)
[1] - O Cachatra era pintor (e
creio que fora professor) e ficara muito afectado psiquicamente ao sobreviver a
um acidente, salvo erro de aviação. Era familiar dos donos da pensão logo a
seguir á casa onde me hospedara, na Rua do Raimundo. Vendia os quadros dele, salvo erro, a 20$00, o
que na altura era muito dinheiro. Alguns agradavam‑me e tenho pena de nunca ter
feito um "sacrifício" para comprar algum.
2. - Beringel - um regresso em 1999.02.19
Casas brancas, térreas, bem cuidadas. Três igrejas, uma das quais mais modesta. Moinhos pelos arredores. A casa de Brito Lança é agora Centro Regional. Portão de acesso à quinta (1865)
Ruas Nova, das Açoitadas, do Penedo, das Pedras, Nova, das Escolas, dos Mirantes, do Norte, Travessa do Carmo Velho.
Igreja matriz e algumas outras capelas. Teve algum florescimento nos séculos XVIII e XIX. Olaria característica. e gastronomia: (Notas de Viagem, 1997)
3. - Um Natal em Beja (1972)
Pois eu cheguei a Évora ontem à noite, cerca das 23:30, vindo de Beja, onde estive domingo e segunda, em casa dos tios do Camilo e na companhia de mais dez adultos e umas catorze crianças, do recém nascido ao Pedro e à Teresa, os mais velhos com os seus treze anos. ( ) aquilo não era uma casa, era um quartel familiar ... Que me "adoptou" por dois dias. Por todas as salas não se viam senão miúdos. Domingo à tarde, horas antes da consoada, andava o Camilo ás voltas com a árvore de natal e presépio, com a mania das perfeições e de as coisas serem como ele queria. Tenho a impressão que se não fosse o aparecimento da tia Emília, ou aquilo nem para o ano estaria pronto ou o tio Jacinto terminaria aquilo a grande velocidade, sem preocupações perfeccionistas. Sim, que afinal parecia-me que o Camilo não queria nem deixava fazer, pedindo mas não aceitando as minhas sugestões. Enfim ... Fosse eu romancista e estes dois dias teriam muito peso na minha renomeada. O mais interessante foi a tia freirinha, a irmã Maria, que se percebi bem saiu pela primeira vez em 24 anos de convento, e que tentava catequizar as crianças com umas prédicas tais que nem ouvidas! Ah!ah! Os miúdos é que se divertiam depois nos seus grupos, relatando e comentando as suas havidas conversas particulares, e que eu ouvi porque eles são desinibidos por educação - todos me tratavam por tu e por Victor, que é como eu gosto - e também porque não devo ter cara de polícia. Gosto de miúdos e acho que tenho um certo jeito para estar com eles. Desta vez o João passou o tempo com o "Vitinhas", subindo-lhe para o colo, fazendo-lhe imensas perguntas ou mostrando os brinquedos e o modo como funcionavam, brinquedos que, na sua maioria, ao fim do 2º dia já andavam muito combalidos. Entretive-me com um automóvel electrificado, com comando à distância, o que permitia manobrá-lo em todas as direcções. (MCG - 1972 Natal)
4. O "bucolismo" em Sociologia Rural
Café Portugal - dia de S. Pedro: uma pequena pausa na leitura contrariada do cooperativismo agrícola, capítulo da Sociologia Rural, parte ínfima da matéria de Sociologia II... Estou envolto no vozear barulhento neste fim de tarde, o ruído contínuo da máquina de café e da louça na cozinha, o barulho dos carros ali na rua. Seguramente um contraste com a Salvada, silenciosa nos seus ruídos campesinos, que o Pe. [Augusto] Silva tão literariamente descreve na sebenta, a propósito do meio físico rural: "O citadino que chega ao campo é ordinariamente surpreendido pelo silêncio que aí reina ou pelos ruídos novos que ouve (rumorejar das folhas, os gritos dos animais, o canto das aves, etc.) Tem a impressão de respirar mais à vontade ou, ao contrário, de ser surpreendido pelo vento, crestado pelo ardor do sol." Enfim, o rapaz Silva saiu-me um "poeta". Esqueceu-se foi de falar no maravilhoso céu estrelado [que vi em Beringel, estirado no terraço duma casa que foi do Marquês de Minas] (..) [Entretanto] o ruído diminuiu, sinal de que se aproxima a hora de jantar.(MCG - 1972.06.30)
5. - O "bucolismo" em Arraiolos
Sabugueiro - Escrevo dentro do carro, ao lusco-fusco, enquanto ouço
os chocalhos do gado que recolhe. Cantam cigarras e há um certo sossego ao cair
da noite. A minha vista ergue-se do papel e vagueia pelos campos verdejantes,
muito arborizados, atravessados pelos postes (telefónicos? eléctricos?) onde se
avistam os pirilampos das motorizadas e das máquinas agrícolas, quebrando a
harmonia que de longe se ouve. Pelo carreiro onde parámos
passam mulheres, ainda jovens, de negro vestidas, que deixam ao ar apenas a
cara e as mãos trigueiras. Carregam umas, bilhas castanhas, apoiadas na anca,
estevas outras. Todas menos uma, coloridamente vestida com um casaco e uma
camisola, ambos de malha. Alguém passa assobiando, mas não é a miúdita
transportando um balde tão grande quase como ela, passa e vai olhando para mim.
Escrevo já à luz do carro: anoiteceu completamente. (MCG - 1973.03.22)
Na
camioneta para o Sabugueiro, aguardo a sua partida, no meio da vozearia fina da
miudagem que a enche, de regresso a casa. (1973.11.08)
Vimieiro - Aqui estou na Praça Doutor. Oliveira Salazar, no
Vimieiro, sentado num banco. São 19:45 e ouve‑se a algazarra das crianças pelas
ruas e das mulheres falando. Passam miúdas, normalmente aos pares. No alto a
lua é quase um círculo prateado, ao entardecer que vai esfriando. O Citroën 2
cavalos do Fialho está aqui ao pé. Daqui a pouco tenho de ir até à venda, ponto
de encontro. Não me apetece estar lá, forasteiro. Antes esta quietude, esta
serenidade do entardecer. Pássaros chilreiam e dois cães param além na esquina.
Não é a primeira vez que estou nesta aldeia, tão grande ou maior que a
Amareleja. Estou agora a fazer inquéritos à vida das famílias. (... )
[Entro
na taberna]: pedra ao longo das
paredes, na altura de um homem, pintada de verde, um balcão corrido azulejado
da mesma cor, uma ventoinha, um televisor e um frigorífico. Prateleiras cheias
de garrafas, rebuçados e tabaco. Mesas oleadas e cadeiras, tresandando e
brilhando de gordura. Em pé ao balcão ou sentados às mesas, homens que não
primam pela elegância no vestir, bebem o seu copito e trocam o seu dedito de
conversa.
Só fiz um
inquérito hoje. Um velhote de 72 anos, cabo
reformado da GNR e ex-comandante do posto do Vimieiro. Muitos elogios ao Marcelo [Caetano] (já o carcereiro de
Arraiolos me dissera: "Deus o conserve por muitos e bons anos"). Um
casal de velhotes simpático, à moda antiga, que nunca bateram nos filhos, que
no entanto tinham de andar na linha, nada de saídas nem bailes. (MCG -
1973.03.16)
- Taberna em Cuba - Baixo Alentejo
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