Contigo apenas no meu espírito, sombra sem rasto que se veja, virtual como a vida na estratosfera das auto-estradas cibernéticas, combinações infinitas de 01, "zeros" e "hums" ...
Hoje, nesta tarde amena e soalheira, o passeio é ao jardim da Quinta Real de Caxias, um dos muitos que o Município de Oeiras recuperou e mantém para usufruto dos munícipes e viandantes. Ao dizermos Caxias associamos o nome ao Forte do mesmo nome, uma das várias prisões políticas do fascismo português, como entre outras em Portugal: o Forte de Peniche, as prisões do Aljube e da PIDE em Lisboa e Porto, e nas antigas colónias os Campos de Concentração do Tarrafal (Cabo Verde), de S. Nicolau (Angola), da Machava (Moçambique) …. Não esquecendo em Caxias o amuralhado hospital prisional, fronteiriço da mata que cerca o forte-prisão.
"Caxias, bella flor, lyrio dos valles,
Gentil senhora de mimosos campos". António Gonçalves Dias (1823/64) [1]
Desde o século XVIII e durante a Monarquia a povoação de Caxias era um lugar de veraneio para a Corte e para a fidalguia por nele se situar a Quinta e o Paço Real, a par do Convento da Cartuxa, daquela separado hoje em dia por uma estreita e serpenteante estrada vicinal. A igreja do Convento tem alguma similitude com a homónima de Évora. Fazendo parte da linha fortificada da costa, o Forte de S. Bruno, junto ao rio. Só a partir do século XX a povoação se desenvolveu com a construção de numerosas vivendas encosta acima.
No seu termo situa-se Laveiras, que durante séculos forneceu a pedra utlizada nas obras mais significativas das redondezas, do convento da Cartuxa às fortificações ribeirinhas mas, também, no mosteiro dos Jerónimos, no Terreiro do Paço, nas calçadas lisboetas, tal como Paço de Arcos desde tempos imemoriais fornecia cal para toda a região até Lisboa, de que se conservam os fornos, a par do antigo casino e dos palacetes de veaneio da burguesia dos princípios do século XX.
Mas regressemos a Caxias. A entrada para a Quinta Real é feita por amplo terreiro, com um edifício à direita com varanda azulejada, no devido tempo encoberto pelas flores de jaracandás, cujas pétalas atapetam o solo. Fora isto, este intróito é pouco convidativo e atraente, os edifícios degradados ou dissonantes. Por duas estreitas escadarias se acede ao jardim, geométrico e ao estilo francês, artificial, demonstrativo inquestionável do trabalho da mão humana, ao contrário do estilo britânico e aparentemente natural dos jardins do Palácio do Marquês de Pombal, em Oeiras, a sede do concelho.
No jardim conhecido por "Jardim do Paço Real", podem ser admiradas as estátuas em terracota da autoria de Machado de Castro, a "Cascata Real" e o "Lago das Ninfas". Muitas das esculturas encontram-se em restauro, assinalando-se tal facto com figuras planas. Hoje as águas não correm nem murmuram por aquela em salpicos de gotículas irisadas aspergindo e refrescando os ares. A Cascata é mais monumental que a do Palácio do Marquês, embora esta e o seu jardim me agradem mais. Aqui a Ribeira da Barcarena não atravessa o jardim ao contrário do que em Oeiras sucede com a da Laje, hoje ambas “encanadas” a céu aberto e muitas vezes, no verão, reduzidas a fios e charcos de água em leito limoso e de cascalho.
Machado de Castro (1731-1822), que dá o nome a um museu conimbricense, foi o reputado autor da estátua equestre de D. José I, em Lisboa, que figura na anterior Carta a Penélope. Para além disso é autor de multiplos conjuntos escultóricos, designadamente na Basílica da Estrela e no Palácio Nacional da Ajuda, ambos em Lisboa, sem esquecer a arte tumular e presépios, designadamente o da Sé de Lisboa e o da referida Basílica da Estrela.
O jardim com dois amplos pavilhões está bem tratado e placas por ele espalhadas elucidam os passeantes mais curiosos de saber, mas apenas uma parte dele está recuperado, a outra, também visitável, mais parecendo matagal de arvoredo e erva por onde se coam os raios de sol. Não vislumbro bancos pelo jardim, apenas os degraus da cascata ou de acesso aos pavilhões ou os muretes do terraço da cascata, em cujo cimo se encontra um enorme tanque cheio de água, sobranceiro à estrada vicinal. No interior da cascata um pequeno dédalo de galerias, algumas de acesso vedado.
É pois e sobretudo um jardim para deambular e não para os viandantes se sentarem a ler, conversar, namorar ...
guarda romano (pormenor)
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