Alexandre Pomar
09/13/2008
A fotografia n-r
1º estado - existe versão posterior
1 - Leituras várias e algumas pesquisas levam-me a pretender reconsiderar uma parte da fotografia portuguesa dos anos que se seguem à II Guerra à luz de uma classificação que até agora, ao que julgo, não foi usada neste domínio: neo-realismo. Não se trata de uma mera extensão à fotografia do movimento que a partir de 1945 se afirma na área das artes plásticas.
Foto 1 - Arq. Castro Rodrigues, 1945, página de dossier com seis fotografias realizadas durante a IX Missão Estética de Férias da Academia Nacional de Belas Artes, em Évora
Claro que ninguém, à época, se reclamou neo-realista em fotografia ou como tal foi explicitamente classificado, mas o argumento é irrelevante - de facto, quase todas as designações que se impuseram para nomear um período ou um estilo mais ou menos preciso foram adoptadas a posteriori ou recusadas por aqueles a quem um determinado rótulo foi atribuído: maneirismo, barroco, impressionismo, cubismo, minimalismo são exemplos bastantes. No campo da história da fotografia também parece que ninguém se pretendeu alguma vez "fotógrafo humanista" e nunca essa fotografia humanista francesa (que em parte coincidiu com o posterior neo-realismo fotográfico, em Itália, Portugal e Espanha, por ordem de aparecimento) foi uma escola, um movimento ou manifesto, como se reconheceu a propósito de uma importante exposição e edição que em 1993 lhe foi precisamente dedicada, fixando um horizonte temporal alargado de 1930 a 1960 (La Photographie Humaniste, 1930-1960. Histoire d'un mouvement en France, Marie de Thézy, Contrejour).
Será importante reconhecer que existem histórias nacionais quanto à fotografia (pelo menos) - ou, se se quiser, existem ritmos, cronologias, circunstâncias e criadores, ou seja, histórias, com significativas especificidades nacionais - pelo menos até à década de 80, e à transformação dos regimes de produção e circulação das imagens fotográficas que com ela coincidem. A designação fotografia humanista e aquela cronologia parece ser adequada à história francesa (e ao trânsito internacional sediado em Paris); entretanto, em Itália e Espanha a designação neo-realismo tem vindo a ser crescentemente utilizada em investigações recentes, que até já avançaram para o estudo comparado da situação dos dois países (Miradas paralelas. La fotografia realista en Italia y España, David Balsells, Museu Nacional d'Art de Catalunya, 2006 - os termos realismo e neo-realismo, realismo documental, novo realismo vão sendo utilizados aqui em diferentes circunstâncias). É oportuno ensaiar a sua eficácia quanto a Portugal, o que passa por recuperar nomes silenciados e reconsiderar situações que foram diversamente analisadas.
Por outro lado, será conveniente considerar que, apesar do relativo isolamento do país, e em parte por isso mesmo, não deixava de chegar rapidamente a Portugal informação sobre os acontecimentos artísticos internacionais (informação por vezes parcelar, indirecta ou livresca, é certo). Sucede até, pelo contrário - e esse dado é fundamental - que a repercussão ou influência desses acontecimentos exteriores é mais imediata e mais nítida do que em países com sólidas tradições nacionais próprias.
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A tese demasiado frequente do isolamento cultural (que em muitos casos apenas resulta da ignorância actual sobre as circunstâncias vividas em épocas anteriores) levou a entender, por exemplo, a produção fotográfica de Fernando Lemos exposta em 1952-53 - e as experiências recentemente descobertas de Victor Palla da mesma época ou pouco posteriores - como surrealismo e na influência directa de Man Ray. No entanto, a Fotografia Subjectiva de Otto Steinert, promovida desde 1949-51, já era conhecida de Lemos, que viajara a Paris, e foi sumariamente divulgada em Portugal numa artigo de José-Augusto França do início de 1953 que explicitamente o associava a essa corrente ("Nota sobre "Fotografia Subjectiva", O Comércio do Porto. 10 de Março de 1953 - ver: 2008/05/palla-lemos-1953-2.html)
2 - Antes de considerar a necessidade de revisão de outros estereótipos ou preconceitos (por exemplo, sobre o salonismo, sobre o amadorismo, sobre o modernismo fotográfico, sobre a "arte fotográfica"), importa estabelecer algumas linhas de identificação de uma fotografia neo-realista que como tal não se identificou nunca nem foi reconhecida.
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Será neo-realista alguma fotografia que, a partir de 1945, nas particulares condições ideológicas do pós-guerra, foi realizada ou utilizada na condição de documento para artistas ou em situação de proximidade ideológica ou convivial com os artistas que se identificaram como neo-realistas.
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Não se lhes terá atribuído importância específica ou "autónoma" e não foram reconhecidas como "arte fotográfica" (nem a tal aspiraram) - e também não terão aspirado à publicação na imprensa, como documento ou ilustração (e existiram alguns suportes editoriais para isso) - mas podem sumariar-se alguns casos mais ou menos desconhecidos, e a pesquisa em outros acervos poderá/deverá ampliar o seu número (se se começar por prestar atenção à fotografia anónima e amadora, em geral conservada em provas de contacto ou de formato amador, que terá sobrevivido em outros espólios documentais).
Um exemplo recuado é dado na Foto 1 (6 fotografias coladas num página, cada uma com 6,6 x 5 cm; Espólio Castro Rodrigues; foto Museu do Neo-realimo, VFX).
Foto 2, Castro Rodrigues, Gadanheiro
(continua)
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Uma Photographia por si só vale por mil palavras?