sábado, 13 de novembro de 2010

António Barreto. "É mais fácil enganar na política do que na arte"

Exposição
António Barreto, 68 anos, começou a fotografar há mais de 50 anos e mostra agora o seu trabalho na Galeria Correntes d?Arte, em Lisboa

por Vanda Marques , Publicado em 11 de Novembro de 2010   
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Sociólogo, político, agora fotógrafo. António Barreto assume a sua terceira vida: artista, numa exposição que é inaugurada hoje
 
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Uma fotografia da baía de Luanda não compensa o risco de ter uma metralhadora G3 apontada à cabeça e outra ao coração. Essa imagem, que António Barreto não conseguiu retratar, não faz falta na sua exposição de fotografia, inaugurada hoje na Galeria Corrente d''Arte, em Lisboa. Há muitas outras para apreciar. "António Barreto: fotografias 1967 -2010" reúne o espólio do sociólogo e professor, que fotografa há mais de 50 anos os quatro cantos do mundo. "Costumava dizer que fotografava porque não sabia pintar. É possível que seja só um género. O que me levou a fazer fotografia é próximo do que me levou a fazer sociologia: interesso-me pela vida real, o que fazem as pessoas, por que é que há tantas diferenças. Não me interessa a fotografia conceptual, gosto é da vida real, de trabalhar a relação entre a pessoa e o universo que a rodeia, uma relação ambígua e às vezes de desproporção."

Foi preciso uma verdadeira task-force para convencer António Barreto, de 68 anos, a publicar as suas fotografias. "Já tinha mostrado umas imagens tipo making-of do ''Portugal, Um Retrato Social'' na FNAC, mas esta é a primeira vez que tenho uma exposição como esta. Nunca pensei em mostrar as minhas fotografias. Várias pessoas me foram dizendo para o fazer, como a Mena [Maria Filomena Mónica], o meu irmão Nuno Barreto, a dona da galeria onde vou expor, Maria Libéria, até à Ângela Camilo Castelo-Branco. Se não fosse ela, talvez não houvesse livro", diz António Barreto.

Espião Voltando à história da G3. O professor universitário anda sempre com uma máquina fotográfica - como nos mostra ao tirá-la da pasta - e levou-a para Angola, nos anos 90, quando visitou Luanda com a Fundação Calouste Gulbenkian. "Fui como consultor, juntamente com o Presidente e o administrador da fundação. Visitámos os representantes do novo governo e numa das visitas fomos falar com o ministro da saúde. A conversa era sobre doenças e malária, como não percebia nada daquilo, peguei na minha máquina e fui à janela. A vista da baía de Luanda era deslumbrante. Comecei a fotografar e à segunda foto, oiço gente a berrar: ''Saí daí. Não podes fotografar.''" António Barreto guardou a máquina, mostrou as mãos vazias e afastou-se da janela. Minutos depois entram no gabinete do ministro 15 homens armados e levam-no. "Eles gritavam que eu era um fascista espião e levaram-me para um barracão, sempre com uma G3 apontada à minha cabeça e ao peito. Estavam bêbados e pediam-me o passaporte. Tirei o rolo da máquina, para lhes mostrar que já não tinha nada, mas foram 15 minutos de medo, quase a tocar o pavor." A aventura terminou quando o ministro da saúde e dez polícias entraram e convenceram os "ninjas", um grupo paramilitar da polícia angolana, que António Barreto era amigo. Esta foi a maior aventura causada pelo vício da fotografia. Ainda levou umas pedradas nos anos 70 quando tentou fotografar camponeses peruanos, que achavam que lhe António lhes ia roubar a alma, mas normalmente não é uma actividade perigosa.

Preto e branco O ex-deputado do Partido Socialista que foi ministro do Comércio e Turismo e depois da Agricultura e Pescas, gosta da straight photography, ou seja, da fotografia directa e espontânea. "Quase não faço retrato, dá muito trabalho. A pessoa tem de saber o que estamos a fazer, são precisas luzes. Gosto de fotografar à distância, a foto straight, tal e qual como as coisas estão." O sociólogo gosta de andar sozinho a fotografar, mas em Lisboa e no Porto são raras as vezes que o pode fazer sem ouvir: "Ó sô doutor, espere aí um bocadinho que vou ali buscar a minha mulher e os filhos e assim tira-nos uma fotografia a todos. Já agora, pode mandar-me para casa?" "Tenho uma cara conhecida. Fiz política há 300 anos já ninguém se lembrava de mim, mas a televisão é terrível."

Como se percebe pela exposição e pelo livro (ver caixa) , o professor universitário prefere fotografar a preto e branco porque "reduz a imagem a dois elementos essenciais: a forma e a luz". António Barreto ainda guarda as primeiras fotografias que tirou, mas que não vai mostrar nunca. Tinha 12 anos quando ganhou uma máquina no concurso do "Os Companheiros da Alegria", um concurso famoso nos anos 50. A partir daí nasceu uma relação próxima, que só se tornou um namoro sério nos anos 60. O casamento dá-se agora, com a exposição. "Tive pelo menos duas vidas, uma de académico outra de político, com regras muito diferentes. Na académica foge-se do juízo de valor, é-se independente, o contrário da política. A vida artística é diferente de tudo. Tem de se transmitir uma emoção, uma autenticidade. É mais fácil enganar na política do que na estética e na arte. Sinto que vou viver uma vida diferente das outras. Fico inquieto comigo próprio, sinto alguma insegurança. Pergunto-me se não sou um intruso." Adiantamos que não é. 
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Pesquisa

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António Barreto lança 'memória de vida'
10 de Novembro, 2010
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Na quinta-feira em Lisboa, António Barreto vai lançar o livro que considera uma «memória de vida». 227 fotografias a preto e branco que captou entre 1967 e 2010 em vários países do mundo compõem a obra António Barreto - fotografias.
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«Cada um tem a memória que tem e o disco rígido que tem, este livro é também um pouco o meu disco rígido», disse o autor a propósito do livro.
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Organizado por Ângela Camila Castelo-Branco e editado pela Relógio de Água, o livro é lançado em simultâneo com a inauguração da exposição António Barreto: Fotografias 1967/2010, patente na galeria Corrente d´Arte, em Lisboa, composta por 40 das imagens que integram o livro.
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Mais do que um passatempo, a fotografia é uma paixão de «quase 50 anos» na vida de António Barreto, mas como «tinha muita coisa para fazer: na academia, na política, nos jornais, só muito tarde na minha vida é que pus a hipótese de mostrar as minhas fotografias».
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Com um estilo que se pauta por uma «evidente distância», a que não é alheia a sua formação enquanto sociólogo, como o próprio admitiu, António Barreto diz não acreditar que uma fotografia valha mais do que «mil palavras».
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Dedicado às pessoas com quem viveu estes 50 anos, especialmente a Maria Filomena Mónica, com quem vive há mais de 30 e que sempre o «estimulou» sem nunca lhe perturbar as «deambulações fotográficas», a obra contém fotos, seleccionadas durante dois anos por Ângela Camila Castelo-Branco e pelo próprio sociólogo, de um acervo próprio de 12 442 captadas em vários países.
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Peru, Suíça, Praga, Checoslováquia um ano antes da Primavera de Praga, Lisboa, Porto, Vila Real, onde nasceu, Argélia, Inglaterra, onde estudou e fez investigação, são alguns dos locais retratados nas imagens onde também figuram pessoas sem «que lhes seja invadida a privacidade», garantiu o autor.
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Questionado sobre se pretende repetir a experiência António Barreto, não exclui a hipótese embora também não a pondere ainda.
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António Barreto nasceu no Porto em Outubro de 1942 mas cedo foi viver para Vila Real. Sociólogo, professor universitário, ex-ministro, ex-deputado e colunista do Público, foi autor da Lei nº 77/77, que fica para a história como Lei Barreto por ter imposto limites à Reforma Agrária levando à desocupação das terras e à desactivação das unidades colectivas de produção.
Lusa/SOL
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