Cultura | 22.03.2009
Fotógrafa alemã transforma capa de romance em obra de arte
Já há duas décadas, Anne-Marie von Sarosdy vem fotografando para as capas dos romances sentimentais publicados pela editora alemã Bastei. "Os editores da Vogue não vão gostar de escutar isso", afirmou no diário Frankfurter Allgemeine Zeitung a fotógrafa de Düsseldorf, que realiza, além de fotografia de moda e propaganda, também retratos e nus.
Os romances da editora Bastei ilustrados por Von Sarosdy pertencem ao gênero da literatura de massa também conhecido como Heimatroman, "romance da terra natal". Assim como na literatura de entretenimento publicada pela editora canadense Harlequin Books, os romances da Bastei se dedicam principalmente ao público feminino, e neles também impera o final feliz.
Von Sarosdy é responsável pela ilustração do universo kitsch e alpino dos Heimatromane, um gênero que surgiu como reação aos males da industrialização no final do século 19 e vivenciou um apogeu após a Segunda Guerra Mundial, através do cinema, com o Heimatfilm.As pequenas cidades e pastagens alpinas formam o cenário desse mundo ideal, cujos personagens são, em geral, sempre os mesmos: a jovem camponesa, o médico do local, o caçador viril e destemido. Mas, para que essas histórias alpinas de galãs e mocinhas se tornem um sucesso de venda, primeiro é necessária uma boa capa para dar asas à imaginação dos leitores e, sobretudo, das leitoras.
Motivos românticos do mundo alpino
Bildunterschrift: Paisagem alpina é cenário de mundo ideal e promessa de final feliz
Não escondendo sua admiração pelas fotos da dupla francesa Pierre e Gilles, que transformou o kitsch e a encenação em arte, a fotógrafa de Düsseldorf começou, há poucos anos, a encarar suas obras também como um trabalho artístico. Desde 2005, Von Sarosdy expôs duas vezes suas fotografias com motivos românticos do mundo alpino na Galerie Reygers de Munique.
Em entrevista ao site Welt Online, a fotógrafa afirmou ser responsável pela escolha da locação, pelo planejamento das viagens, pela escolha dos modelos, ou seja, por todas as etapas de seus projetos fotográficos. Mesmo sem ter lido o texto a ser ilustrado, a fotógrafa afirma que suas fotos sempre combinam com as histórias.
"A capa de um romance é como um cartaz de cinema. Na cena, não deve acontecer muito, nem deve acontecer pouco", disse a fotógrafa. O que mais dá trabalho é a escolha dos modelos. Todos são profissionais. Para manter o efeito de gazela, os rostos das mocinhas devem ser arredondados; os olhos, belos e avantajados, e os cílios, longos. Os galãs dos desejos femininos aparecem como fortes e dominantes, explicou.
"Amor pela terra natal"
Sob o título de Heimatliebe ou Amor pela Terra Natal, Von Sarosdy mostrou, recentemente, seus novos trabalhos na galeria bávara. Segundo a curadoria, são fotos dramáticas e emocionais, que idealizam o tema do amor ao lugar de origem e do folclore da região alpina, com os típicos clichês do coração e da dor, com lábios vermelhos, céus azuis e verdes campos onde pastam vacas felizes.
Uma moldura floral completa o conjunto kitsch e naïf das fotos em grande formato da exposição. Numa realidade hipercolorida, o trabalho fotográfico de Von Sarosdy assume traços surreais através de paisagens imaginárias que remontam ao repertório dos nossos sonhos, explica o texto do catálogo da mostra.
Uma suave ironia também faz parte da extrapolação dos motivos fotografados para as capas dos romances sentimentais. Anne-Marie von Sarosdy não trabalha com computadores. Suas fotos são completamente encenadas. Seria esse o segredo da transformação do kitsch de suas fotografias em um trabalho artístico?
Arte ou kitsch?
Bildunterschrift: Tudo é mais realista do que o real, mais belo do que a beleza
Segundo artigo da revista Stern, em tempos de globalização, de crise econômica e mudanças de valores, as fotos de Von Sarosdy propiciam um escapismo, ao evocar um sentimento de estar em casa, de pertencer a um mundo. Apesar de ser imaginário, esse sentimento tem localização geográfica específica e contrasta com um mundo moderno cada vez mais rápido.
Para a crítica de arte Magdalena Kröner, as fotos de Anne-Marie von Sarosdy funcionam, sobretudo, como ícones ou imagens votivas. É quase impossível para o observador ficar indiferente a essas imagens que apreendem arquétipos humanos e os colocam dentro de uma natureza encenada, onde tudo é perfeito e nada falta.
Esse desejo pelo romantismo e o resgate dos mitos da natureza se deparam, todavia, com a dureza do esvaziamento semântico, com a consciência do vazio da promessa iconográfica, onde tudo é mais belo do que a beleza e mais realista do que o real. É como se tudo fosse como deveria ser – revelando-nos mais do que gostaríamos de saber sobre desejos ancestrais.
Autor: Carlos Albuquerque
Revisão: Simone de Mello
Clique também na galeria de fotos da série Amor pela pátria de Anne-Marie von Sarosdy
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Uma Photographia por si só vale por mil palavras?