Sábado, Agosto 05, 2006
É a guerra aquele monstro
(...) Começando pela desconsolação da guerra, e guerra de tantos anos, tão universal, tão interior, tão contínua: oh que temerosa desconsolação! É a guerra aquele monstro que se sustenta das fazendas, do sangue, das vidas, e quanto mais come e consome, tanto menos se farta. É a guerra aquela tempestade terrestre, que leva os campos, as casas, as vilas, os castelos, as cidades, e talvez em um momento sorve os reinos e monarquias inteiras. É a guerra aquela calamidade composta de todas as calamidades, em que não há mal algum que, ou se não padeça, ou se não tema, nem bem que seja próprio e seguro. O pai não tem seguro o filho, o rico não tem segura a fazenda, o pobre não tem seguro o seu suor, o nobre não tem segura a honra, o eclesiástico não tem segura a imunidade, o religioso não tem segura a sua cela; e até Deus nos tempos e nos sacrários não está seguro. Esta era a primeira e mais viva desconsolacão que padecia Portugal no princípio deste mesmo ano.
(...) Que de tempos costuma gastar o Mundo, não digo no ajustamento de qualquer ponto de uma paz, mas só em registar e compor os cerimoniais dela! Tratados preliminares lhe chamam os políticos, mas quantos degraus se hão de subir e descer, quantas guardas se hão de romper e conquistar, antes de chegar às portas da paz, para que se fechem as de Jano? E depois de aceitas, com tanto exame de cláusulas, as plenipotências; depois de assentadas, com tantos ciúmes de autoridade, as juntas; depois de aberto o passo às que chamam conferências, e se haviam de chamar diferenças; que tempos e que eternidades são necessárias para compor os intricados e porfiados combates que ali se levantam de novo? Cada proposta é um pleito, cada dúvida uma dilação, cada conveniência uma discórdia, cada razão uma dificuldade, cada interesse um impossível, cada praça uma conquista, cada capítulo e cada cláusula dele uma batalha, e mil batalhas. Em cada palmo de terra encalha a paz, em cada gota de mar se afoga, em cada átomo de ar se suspende e pára. (...)
Pe António Vieira “Sermão Histórico e Panegírico nos Anos da Rainha D. Maria Francisca de Sabóia”
fotografia de Victor Nogueira - "Porto - cemitério de Agramonte"
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Uma Photographia por si só vale por mil palavras?